A pressão migratória deste ano na Alemanha está a marcar a atualidade política alemã, e a ajudar à subida da extrema-direita, em vésperas de eleições regionais nos estados da Baviera e do Hesse, no domingo.
À semelhança do que sucedeu em 2015, quando a então chanceler Angela Merkel decidiu manter as fronteiras da Alemanha abertas perante um fluxo significativo de refugiados, sobretudo sírios a fugir da guerra, a extrema-direita está a capitalizar o descontentamento de parte da população com a gestão da crise migratória e a marcar a agenda política.
O partido Alternativa para a Alemanha, considerado a força política de extrema-direita com maior sucesso no país desde o partido nazi de Adolf Hitler, começou a ganhar força precisamente com a crise migratória de 2015, garantiu assento no Bundestag (parlamento federal) em 2017, está atualmente representado em 15 dos 16 parlamentos dos Estados federais da Alemanha, e a sua popularidade não para de aumentar a nível nacional.
De acordo com as sondagens nacionais, o AfD é hoje a segunda força política nas intenções de voto, com perto de 22%, apenas atrás dos conservadores da CDU (União Democrata-Cristã), com 27%, e à frente mesmo dos socialistas do SPD, do chanceler Olaf Scholz (17%) e dos Verdes (14%), que formam o governo de coligação no poder em Berlim, juntamente com o Partido Democrático Liberal, o FDP (que não passa dos 7%).
E mais do que as posições eurocéticas, de ataques à política energética e ambiental do governo de coligação, e de aproveitamento político da inflação, preços do alojamento e estagnação da economia, é o discurso anti-imigração que mais pontos dá ao AfD, levando mesmo as forças políticas tradicionalmente do centro a `moldar` o seu discurso e a adotar um tom cada vez mais duro contra os refugiados.
O exemplo mais recente veio do líder da oposição e aspirante a chanceler, Friedrich Merz (CDU), que na semana passada sugeriu que os imigrantes estão a receber tratamentos dentários dispendiosos em detrimento dos alemães, "que nem conseguem marcar consultas", uma acusação comprovadamente falsa e típica da retórica do AfD.
De acordo com um estudo abrangente realizado recentemente pela Fundação Friedrich Ebert -- que o realiza de dois em dois anos, com um pormenor estatístico que ultrapassa em muito as sondagens -, 16% dos cidadãos alemães "odeiam os estrangeiros" e 34% acreditam que os imigrantes rumam à Alemanha para explorar o sistema de segurança social.
A situação económica em países como a Turquia e o Paquistão está a levar muitos refugiados sírios e afegão residentes nesses dois países a rumar de forma ilegal à Alemanha, muitas vezes recorrendo às redes de tráfico, e, como resultado, 2023 ameaça bater recordes de números de chegadas, embora ainda esteja aquém dos valores registados na crise migratória de 2015 motivada pela guerra civil na Síria.
De acordo com dados oficiais, até agosto passado a Alemanha recebeu cerca de 205 mil pedidos de asilo, um aumento de 77% face ao mesmo período do ano passado (115 mil), sendo os requerentes de asilo sobretudo sírios (62 mil) e afegãos (36 mil).
Por outro lado, e além de cerca de um milhão de ucranianos que se instalaram na Alemanha para fugir à agressão militar russa, sem necessidade de requerer asilo, as travessias ilegais desde o Leste têm aumentado -- foram detetados, também entre janeiro e agosto, mais de 70 mil entradas ilegais no país, um aumento homólogo de quase 60% -, levando Berlim a anunciar, na semana passada, que vai reforçar os controlos nas fronteiras com as vizinhas Polónia e República Checa para "limitar o tráfico de seres humanos".
Berlim decidiu também suspender por tempo indeterminado a recolocação de migrantes que chegam a Itália, sobretudo à ilha de Lampedusa, argumentando que é, de forma destacada, o Estado-membro que mais refugiados acolhe, e culpando Roma de se retirar das suas obrigações de aceitar os requerentes de asilo rejeitados noutros países.
Um pouco à semelhança do que sucede em Itália, também na Alemanha há uma saturação no sistema de acolhimento, com as autoridades locais a argumentarem que já não têm capacidade para acolher mais refugiados -- uma vez mais, um pouco por todo o país, ginásios de estabelecimentos escolares estão a ser transformados em abrigos temporários -, e a lamentarem falta de apoio por parte do governo federal.
Vários responsáveis políticos reclamam medidas mais duras ao governo federal para travar o fluxo migratório, tendo o primeiro-ministro da Baviera, Marcus Söder (CDU), em plena campanha para as eleições regionais de domingo, reclamado uma quota fixa de 200 mil autorizações de asilo por ano, considerando que esse é o número de refugiados que a Alemanha pode "integrar" razoavelmente a cada ano. Este valor já foi assim superado em agosto.
Os críticos comentam, todavia, que tal limite é incompatível com a constituição alemã, que não prevê limites para a concessão de asilo.
Outra ideia, sugerida pelo FDP, um dos partidos que faz parte da coligação governamental liderada pelo chanceler Olaf Scholz (SPD), é a de alargar a lista de países de origem considerados seguros, e cujos cidadãos teriam assim mais dificuldade em garantir asilo na Alemanha.
O FDP sugere incluir na lista Marrocos, Argélia e Tunísia, mas nenhum destes Estados do norte de África está na lista dos 10 principais países de origem dos requerentes de asilo, pelo que mesmo tal medida dificilmente produziria resultados.
Sendo a imigração um tema incontornável das campanhas para as eleições regionais de domingo -- e também a nível nacional -, quem poderá ser mais penalizado é o SPD, que decidiu apostar forte na eleição no estado do Hesse (onde se encontra a capital financeira da Alemanha, Frankfurt), ao apresentar como candidata à chefia do governo a atual ministra do Interior, Nancy Faeser, principal alvo das críticas da direita e extrema-direita pela forma como não tem conseguido dar resposta ao aumento do fluxo migratório.
De acordo com as sondagens, Faeser, que aspirava mesmo a pôr fim à hegemonia da CDU no Hesse, poderá não conseguir mais do que 16% dos votos, e está a lutar `taco a taco` com o AfD, que tem sensivelmente as mesmas intenções de voto, adivinhando-se assim que depois de domingo os partidos da chamada `coligação semáforo (SPD, Verdes, FDP) fiquem cada vez mais no `vermelho`.