Mal acabaram ainda as difíceis negociações com o SPD para constituir o novo governo, e já a CDU de Angela Merkel se vê a braços com uma nova crise. Esta começa em casa, com o partido-irmão, CSU, e ameaça pôr termo a uma aliança velha de quase 70 anos.
O ministro federal do Interior, Horst Seehofer, fez saber que espera da chanceler uma negociação bem sucedida com a União Europeia, para garantir que os refugiados com registo noutros países do espaço Schengen permaneçam nesses países ou a eles regressem uma vez recusados na Alemanha. Para sublinhar o carácter ultimatista e intimatória desta pretensão, Seehofer deu-lhe um prazo: duas semanas.
A aliança CDU-CSU
A União Democrata-Cristâ (CDU) e a União Social-Cristã (CSU) nunca até hoje concorreram uma contra a outra nas eleições: a CSU concorre apenas na Baviera e a CDU concorre em todos os Länder, excepto na Baviera.
Se Merkel não obtiver uma solução europeia, Seehofer pedirá então um mandato à direcção da CSU, para emitir no seu Ministério ordens de recusa desses refugiados nas fronteiras.
A execução das ordens apresenta, naturalmente, dificuldades, num país como a Alemanha, integrado no Espaço Schengen, e com os controlos de fronteiras terrestres em grande medida desmantelados. Restabelecê-los dependeria então da vontade política dos governos de cada Land quanto ao cumprimento das ordens do Ministério do Interior.
Na Baviera, o governo regional liderado pela CSU não teria dúvidas, mas na generalidade dos outros Länder tudo se passaria de outras forma.
O Caso da Renânia-Norte Vestefália
Este Land, que tem fronteiras com a Bélgica e a Holanda, anunciou já, pela voz do seu líder democrata-cristão, que não tenciona cumprir as anunciadas ordens de Seehofer.
Entretanto, para além desse problema técnico-político, há o problema político de fundo: assim que a CSU desse ao ministro luz verde para recusar os refugiados, Merkel mostrar-lhe-ia a luz vermelha, intimando-o expressamente a não o fazer.
Ao recalcitrar no desafio à política da chanceler, o ministro tornaria inevitável que ela pedisse ao presidente, o social-democrata Frank-Walter Steinmeier, a destituição de Seehofer.
Com essa destituição, sairiam também do Governo federal os outros dois ministros da CSU, em solidariedade com o correligionário bávaro social-cristão. E com essa dupla demissão, acabaria a participação da CSU nestes escassos meses de Governo e, principalmente, numa parceria com a CDU que data de há 70 anos e marcou todo o pós-guerra.
Os outros dois ministros da CSU
Andreas Scheuer - Transportes e Infraestrutura Digital
Gerd Müller - Cooperação e Desenvolvimento
No que diz respeito à solução imediata para a crise, a actual composição do Parlamento Federal deixaria a coligação CDU-SPD, com 353 assentos, a escassos dois votos da maioria. Se conseguisse negociar um acordo com os Verdes, voltaria a encontrar-se em maioria.
Mas ninguém se engana sobre as dificuldades da negociação, nem sobre a fragilidade dessa eventual solução. Ela não é vista, em qualquer caso, como uma solução de legislatura, mas tão somente, no melhor dos casos, como uma fórmula de transição até à realização de novas eleições legislativas.
SPD prepara-se para eleições difíceis
O SPD, pelo menos, já se prepara activamente para esse cenário eleitoral que considera o mais provável e que, segundo as sondagens, poderá ser-lhe altamente desfavorável.
Segundo fontes do partido, citadas em Der Spiegel, realizaram-se nesta semana três reuniões internas, presididas pelo secretário-geral do partido, Lars Klingbeil, para começar a preparar a provável campanha eleitoral.
Nas reuniões apontou-se para o início de setembro como data possível das eleições antecipadas e começou-se a discutir em concreto a organização de um congresso extraordinário do partido.
O SPD sofreu, nas eleições de setembro de 2017, uma substancial perda de votos. O seu presidente e cabeça-de-lista de então, Martin Schulz, declarou na altura que o partido passaria à oposição. O desgaste sofrido na coligação com Merkel parecia impor-se como evidência. O SPD fixava-se o objectivo de recuperar um perfil próprio.
Mas as demoradas negociações para a "Coligação Jamaica" (CDU, liberais e verdes) foram reanimando a apetência social-democrata pelos postos de governo. Ao fim de vários meses, o fracasso da "Jamaica" reabriu a discussão no partido. E este resolveu-se a aceitar novamente um lugar subordinado sob a liderança de Merkel - em todo o caso, com Schulz entretanto substituído à cabeça do SPD por Andrea Nahles.
Hoje, com eleições novamente no horizonte, nem o SPD surge como alternativa de poder nem parece repetir-se a efémera euforia de expectivativas que rodeou o anúncio da candidatura de Schulz no ano passado.
As sondagens mostram um debate político deslocado para a direita, com uma maioria do eleitorado a apoiar a política anti-refugiados da CSU. Paradoxalmente, há também uma maioria que deseja continuar a ver Merkel à cabeça do governo. O SPD não aparece entre as preferências pelos conteúdos políticos, nem entre as preferências pelas personalidades dirigentes.