Al-Bagdadi líder do Estado Islâmico, o homem que vive rodeado de inimigos
Praticamente desconhecido a nível mundial até há poucos meses, o líder do grupo radical muçulmano Estado islâmico (antigo Estado Islâmico do Iraque e do Levante) é descrito como "obscuro e misterioso" pelo jornal francês Le Monde. A sua cara só é conhecida desde janeiro, quando o Governo iraquiano publicou a sua fotografia. Pouco se sabe do seu paradeiro ou personalidade, exceto que dirige pessoalmente as batalhas e que as suas tropas o admiram. É ousado, ambicioso e vive rodeado de inimigos.
Terá passado quatro anos num campo de detenção norte-americano e iniciado no Iraque a sua longa ascensão no seio do então grupo Estado Islâmico do Iraque (EII), filiado na Al Qaeda. Sob a liderança de al-Bagdadi, o grupo ganhou fama de crueldade e de enorme violência, em combate e contra as populações das áreas conquistadas.
Em 2011 os Estados Unidos incluíram-no nas suas listas de terroristas. Nesse mesmo ano al-Bagdadi terá levado pelo menos parte do EII a combater na Síria, onde as suas capacidades estratégicas e impiedade com os opositores o tornaram rapidamente notado junto do núcleo duro da Al Qaeda. O EII passou então a designar-se EIIL.
Em 2013 al-Bagdadi procurou a fusão do EIIL e da Frente al Nusra, da Síria, o que lhe foi recusado pelo líder da Al Qaeda, al-Zawahiri, que pretendeu então impor-lhe como única área de influência o Iraque. Al-Bagdadi recusou e a ligação rompeu-se. Al-Bagdadi tanto poderá ter sido expulso da organização como rompido ele mesmo com a Al Qaeda.
A ofensiva de al-Bagdadi
O líder do EIIL inicia a partir daí a realização daquele que parece ter sido o seu plano desde o início, a formação de um Califado, um dos objetivos de sempre dos extremistas muçulmanos sunitas.
Começou por cimentar o seu controlo sobre 25% da Síria, a leste de Aleppo e sem passar as fronteiras com a Turquia. Já havia enfrentado em combate vários grupos jihadistas rivais, desde 2011 quando começou a estabelecer-se. Organizações Não Governamentais calculam em 6.000 os mortos causados por esses combates.
Com a separação da Al Qaeda, al-Bagdadi terá procurado destruir totalmente estes grupos ou exigir-lhe lealdade. O mesmo quanto às populações locais, com a mesma tática de submissão e conversão, ou morte.
No Iraque o EIIL controlava já algumas regiões da província de al-Anbar, desde janeiro. A nove de junho lançou uma ofensiva com 7.000 a 10.000 homens, que permitiu conquistar em poucos dias Mossul, uma grande parte da província de Ninive, junto à fronteira com a Síria, e setores das província de Diyala, de Salaedine e de Kirkuk.
O EIIL controla agora quase todo o norte do Iraque até à província autónoma do Curdistão e terá atualmente ali até 15.000 homens, muitos deles nascidos na Europa. Uma das suas maiores forças, contudo, é ter recrutado combatentes locais, sírios e iraquianos.
De acordo com analistas, o grupo é ainda bem financiado, o que lhe permite adquirir prestígio junto dos anciãos tribais, e possui bom equipamento e uniformes, alegadamente roubados ou conquistados a forças sírias e iraquianas.
O Califado
A 1 de julho, logo após a proclamação do Califado, al-Bagdadi falou aos muçulmanos através de uma mensagem áudio publicada na internet. Apelou diretamente aos seus apoiantes para combaterem aqueles que prejudicaram o Islão. Abu Bakr afirma-se agora "líder dos muçulmanos do mundo inteiro" tendo adotado o nome Ibrahim, o seu nome próprio e também próximo da família de Maomé e que o coloca como herdeiro direto do profeta.
E desafiou os muçulmanos a imigrar para o "Estado Islâmico" (novo nome do seu grupo), o que descreveu como "um dever".
O apelo visou reforçar a posição de al-Bagdadi como líder dos jihadistas de todo o mundo, afastando o seu ex-chefe e rival Ayman al-Zawahiri, líder da Al Qaeda. E terá obtido resposta. Entre julho e agosto o grupo radical terá sido reforçado com mais de 6.000 homens, mil dos quais oriundos da Europa, de acordo com cálculos de Organizações Não Governamentais.
Há ainda quem diga que o movimento jihadista está já dividido por dois emires (al-Zawahiri e al-Bagdadi) e que os seguidores do auto proclamado Califa têm de jurar fidelidade assinando a Declaração de Khorasan.
A propaganda do EIIL afirma que, nos próximos cinco anos, o Califado irá estender-se até meio do continente africano e incluir a Península Ibérica, os Balcãs e zonas do Império Otomano, alcançando a Índia.
Rodeado de inimigos, na Síria...
Apesar da sua retórica, al-Bagdadi sabe que, mesmo apenas para manter as atuais fronteiras do seu auto-proclamado Califado, necessita unir todas as múltiplas fações jihadistas sob a sua bandeira negra, algo que poderá ser mais difícil fazer do que dizer.
Mesmo após a proclamaçao do Califado, a luta pelo poder na Síria prossegue. De acordo com uma ONG síria, em finais de junho as forças de al-Bagdadi assumiram o controlo da cidade síria de Boukamal, junto à fronteira com o Iraque, após três dias de combates ferozes com outros comandantes jihadistas.
E já em agosto de 2014, circularam na internet vídeos do massacre de 700 soldados e civis dos sheitat, tribos sírias que ousaram contestar o domínio de al-Bagdadi e perderam mas recusaram ainda assim a converter-se ao Islão personificado pelo EI.
Desde janeiro o EIIL combate ainda, num autêntico braço-de ferro, os seus arqui-inimigos da Al Qaeda, a Frente al-Nusra, com igual fama de ferocidade e brutalidade contra os seus inimigos.
Dentro em breve poderá ainda ter de enfrentar os bombardeamentos de aviões norte-americanos, caso os Estados Unidos consigam formar uma aliança de sunitas não afiliados com a Al Qaeda e que recusam igualmente submeter-se ao auto-denominado Califa.
... e no Iraque
No Iraque, al-Bagdadi deverá enfrentar tanto os curdos, militarmente experientes e interessados em formar o seu próprio país, como o ramo islâmico rival xiita, maioritário no sul. O vizinho Irão, igualmente xiita, poderá também intervir para evitar a formação de um Califado sunita e extremista mesmo à sua porta.
Internacionalmente, a forma como matou, perseguiu e expulsou de suas casas, todas as populações xiitas, cristãs e yazidis no Iraque, levou a uma onda de repúdio e de horror, agravada pela execução a 19 de agosto do jornalista norte-americano e cristão católico James Foley.
O Estado Islâmico exigia, com a execução do refém americano e ameaça de matar outro, que os Estados Unidos suspendessem os seus ataques às suas posições no Iraque, que estavam a ajudar as tropas curdas e iraquianas a reconquistar posições.
O mais que poderá ter conseguido será uma eventual aliança, de Ocidentais e países árabes do Golfo (os quais se sentem ameaçados na sua autoridade política sobre o mundo muçulmano), para apoiar os curdos e o Governo iraquiano na destruição do Califado.
Inimigo (para já) da Al Quaeda, da Arábia Saudita, do Irão e dos países Ocidentais, Al Bagdadi é agora um homem com a cabeça a prémio e tem por isso de ter o cuidado de se rodear de homens de cuja lealdade esteja absolutamente seguro.
Tem ainda de evitar que o novo Governo iraquiano, liderado por Haidar al-Abadi, consiga unir as fações políticas sunitas, xiitas e curdas, o que poderia retirar-lhe o apoio das tribos locais iraquianas sunitas, essenciais à sobrevivência do EI.