Agressões a escritora moçambicana Paulina Chiziane vão a julgamento em Maputo

As alegadas agressões a Paulina Chiziane e elementos da sua equipa por membros da igreja Divina Esperança, em julho de 2024, em Maputo, vai a julgamento, disse hoje à Lusa a escritora moçambicana, referindo estar ainda "muito magoada".

Lusa /

"Produziram-se algumas provas e o processo de produção de provas ainda vai prosseguir, mas definitivamente o caso vai a tribunal e o julgamento não sei para quando é que vai ser marcado, uma vez que é fim do ano, mas eu posso dizer que as coisas não estão a ficar bem para eles", disse à Lusa a escritora, após uma audiência judicial realizada na terça-feira.

Paulina Chiziane, vencedora do Prémio Camões 2021, nasceu em Manjacaze, em 1955, e é autora de diversas obras, tendo publicado o seu primeiro romance, "Balada de Amor ao Vento", em 1990, considerado o primeiro romance publicado de uma mulher moçambicana.

Chiziane queixa-se de ter sido agredida no dia 28 de julho de 2024, na província moçambicana de Maputo, por seguranças daquela igreja, sob orientações do seu pastor, quando, com outros dois membros da sua equipa, registavam imagens para um videoclipe nas imediações da Divina Esperança.

Além das agressões, Paulina afirmou que foi acusada de "bruxaria", sob alegações de que, no veículo em que se faziam transportar, levavam consigo a Timbila, um instrumento musical tradicional e que foi classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) em 2008.

Paulina Chiziane, Eduardo Salmo e Vieira Mário tiveram, na terça-feira, a audiência preliminar no Tribunal do Distrito de Marracuene, no âmbito da queixa-crime contra três membros da Divina Esperança.

Segundo a escritora, Eduardo Salmo ainda tem dores, em resultado da agressão, considerando que a ação foi também um insulto à Timbila e que, contra isso, "eles vão ter que responder".

"Agrediram-me a mim, agrediram o país, agrediram pessoas que estão fisicamente lesadas. O Eduardo está com sequelas até hoje (...). Custa-me ver aquele menino a queixar-se de dores no peito. Derrubaram o miúdo para o chão e pisaram-no no peito com uma bota pesada como se mata uma barata, o miúdo tem lesões até hoje, então é muito complicado", disse Paulina Chiziane.

Para a escritora, que se diz ainda "muito magoada", a atuação dos membros da igreja "viola todos os princípios da religião que dizem pregar", referindo, ainda assim, que a situação a incomoda porque nunca pensou levar alguém a tribunal.

"Eu nunca imaginei colocar pessoas na barra da justiça, então isto incomoda. Incomoda-me emocionalmente porque eu não gostaria de ver isso acontecer. E eles também não se auto retratam (...), não foram capazes de fazer isso, continuam donos de Deus e da razão, é por isso que o processo prossegue", afirmou.

Já Eduardo Salmo acredita que a sentença vai ser a seu favor, "sem sombra de dúvidas", porque foi constatado que "há crimes cometidos por parte dos membros da igreja" e existem "provas suficientes para eles serem incriminados".

"Não havia motivo de nós nos alarmarmos porque nós nem retaliámos (...). O caso obviamente já está bem claro que estará a nosso favor, sem sombra de dúvidas. O que eles podem fazer é amainar a coisa para não pesar, mas isso não tem nexo porque levámos porrada, foi confiscado o telemóvel da doutora Paulina, quer dizer, foram palavras, injúrias, contra nós", afirmou Eduardo, em declarações à Lusa.

A escritora tem publicamente criticado a proliferação de "seitas religiosas" em África, alertando para as consequências do fundamentalismo, sobretudo para as identidades e culturas do continente.

"Em cada esquina temos uma igreja. O que diz a Igreja? Cada um com uma ideologia mais estranha do que a outra. Acham isso normal", questionava a escritora, em fevereiro, durante uma conferência que debateu a "Nação e a Moçambicanidade" em Maputo.

 

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