"Agora quero ser candidato", clama Lula da Silva

por Graça Andrade Ramos - RTP
Lula da Silva em S. Paulo perante apoiantes, após conhecer o agravamento da pena a que havia sido condenado na 1ª Instância Paulo Whitaker - Reuters

É um desafio. José Inácio Lula da Silva, o candidato da esquerda brasileira às presidenciais no Brasil, recusa lançar a toalha ao chão e, apesar de ver agravada a pena a que havia sido condenado, mantém-se no ringue político e pronto, mais do que nunca, para lutar pelo Palácio do Planalto. As sondagens dão-lhe razão e os analistas acreditam que o antigo Presidente tem ainda 30 por cento de hipóteses de se lançar na corrida.

Na noite passada, três horas depois de ser condenado pelo Tribunal Federal Regional de Porto Alegre, o antigo Presidente prometia a militantes e sindicalistas que, em vez de o desanimar, a decisão lhe deu uma coceirinha para continuar pré-candidato ao Planalto.

"Agora quero ser candidato à Presidência", disse, prometendo não dar descanso aos rivais. "Pobres daqueles que acham que prendendo o Lula acaba a luta. Quero avisar a elite: esperem que vamos voltar". Lula tem até ao mês de agosto para apresentar a candidatura.

Os números e a possibilidade de novos recursos, para instâncias superiores até ao Supremo Tribunal, permitem-lhe o discurso.

O revés sofrido "complica a corrida de Lula às presidenciais mas não a para", explica à agência France Presse um analista da Capital Economics. "Tem cerca de 30 por cento de possibilidades de acabar por participar", calcula.

É a mesma conclusão dos analistas do Eurasia Group sobre a elegibilidade do líder da esquerda. "A sua aposta presidencial não foi enterrada apesar da conclusão ter sido a pior para Lula", referem à AFP. "Por isso, não colocamos as suas hipóteses de concorrer abaixo dos 30 por cento".

Lula da Silva foi condenado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por ter recebido um apartamento triplex de 300 m2 no Guarujá, no âmbito do processo Lava Jato. Recorreu da sentença mas, esta quarta-feira, viu os três juízes do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre agravarem por unanimidade a condenação, para 12 anos e um mês.
Evitar "que eu seja candidato"
O antigo Presidente acompanhou o julgamento de Porto Alegre na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, ao lado de antigos companheiros de jornada.

Antes do veredicto disse aos militantes que esperava ser absolvido por 3 a 0. "A portas fechadas, porém, não escondeu o abatimento", escreve o jornal paulista O Estadão.

Os magistrados dizem que o grau de culpabilidade de Lula da Silva é muito grande. O seu advogado - e, de forma geral, os seus defensores - contesta e argumenta com falta de provas.

Já Lula fala de um pacto, entre a Justiça e a imprensa, para acabar com ele e com o seu partido, o PT. Diz "respeitar a decisão" mas não a "mentira" em que ela se baseou.

"Eu nem precisava voltar, já estava aprovado, mas agora percebo que eles estão fazendo isso para evitar que eu seja candidato. Essa provocação é de tal envergadura que me deu uma coceirinha e agora quero ser candidato a presidente da República", discursou perante uma plateia formada por militantes do PT, parlamentares, sindicalistas e integrantes de movimentos sociais.

"Se cometi um crime, me apresentem um crime que eu desisto", prometeu, insistindo na tese da vitimização e da inocência. "Se me condenaram, me deem pelo menos o apartamento", ironizou ainda.

"Quero que eles digam qual foi o crime que cometi. Estou condenado outra vez por um apartamento que eu não tenho. Já pedi para o Guilherme Boulos (líder do MTST) mandar o pessoal dele ocupar. Já que é meu, que ocupem".
Candidato do PT ainda esta quinta-feira
Lula comparou-se também ao antigo Presidente da África do Sul Nelson Mandela. "Mandela ficou preso 27 anos. Nem por isso a luta diminuiu e ele foi eleito presidente", afirmou o líder brasileiro, a quem os apoiantes chamam "guerreiro do povo".

A decisão do Tribunal Federal Regional levou a uma reunião de emergência da cúpula do PT, na sede do partido em S. Paulo. Já esta quinta-feira, 25, Lula vai participar da reunião da Executiva Nacional do PT, que deverá aclamá-lo como candidato ao Planalto.

De acordo com o Estadão, o PT vai registar a candidatura de Lula à Presidência a 15 de agosto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e vai tentar reverter a decisão que pode torna-lo inelegível. Nos bastidores considera contudo "remota a possibilidade de mudar o quadro", diz o jornal.

O discurso oficial é inconformado. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em Porto Alegre, é citada prometendo que "a partir deste momento, é radicalização da luta". Em comunicado, classificou o resultado do julgamento como "farsa judicial".

"Se pensam que a história termina coma decisão desta quarta, estão muito enganados, porque não nos rendemos diante da injustiça", acrescentou.

No Sindicato dos Metalúrgicos, o clima de otimismo foi-se esbatendo à medida que se acompanhava a decisão judicial. Até que a esperança de um único voto favorável a Lula se esfumou.

"Recebemos com muita perplexidade esse resultado", afirmou o senador Jorge Viana. "Fico chocado de ver essa caçada contra Lula. Não é possível que um tribunal tenha se partidarizado dessa forma."

"Muita gente se emocionou" ao ouvir a decisão, contou por seu lado o senador Humberto Costa. "Mas vamos até as últimas consequências com Lula. Se houver impugnação, isso deve acontecer por volta de setembro", prometeu.
Situação inédita e "dramática"
Lula tem contra si seis outros processos, essencialmente por corrupção. Um dos magistrados que agravou quarta-feira a primeira condenação do ex-Presidente Lula disse aliás que "a questão do triplex está longe de ser a mais grave".

Mesmo apenas pré-candidato, Lula lidera as sondagens. E isso permite-lhe desafiar as decisões judiciais que o impedem de concorrer. Os apoiantes do candidato consideram aliás suspeita a celeridade com que o recurso de Lula foi decidido e deverão continuar a manifestar-se.

Na quarta-feira, logo que foi conhecida a sentença, milhares de brasileiros saíram à rua a celebrar a decisão judicial. A consternação entre os apoiantes do PT era palpável.

"Existe um risco real de confrontos violentos com as forças de segurança", diz Thomaz Favoro, da Control Risks. O PT "tem todas as vantagens em contestar as decisões judiciais" e em manter viva a batalha legal que lhe dá a possibilidade de apresentar Lula como "vítima de um processo com motivações políticas", refere o analista à AFP.

O candidato da esquerda não tem aliás interesse em decisões judiciais rápidas que possam desqualifica-lo definitivamente. "Lula vai provavelmente manter-se em modo campanha qualquer que seja o resultado", afirma Favoro, e "irá continuar a apresentar recursos até que todas as possibilidades se esgotem".

De acordo com as sondagens mais recentes, um terço dos brasileiros pretende votar Lula da Silva em outubro. O seu rival mais próximo, o deputado da extrema-direita Jair Bolsonaro, recolhe apenas 17 por cento das intenções de voto. O centro político é um vazio, depois do Presidente atual, o conservador Michel Temer, se ter afastado da corrida.

A indecisão sobre a presença de Lula na corrida presidencial desenha por isso um cenário inédito em democracia, mesmo num país onde a classe política é vista há décadas como um antro de corrupção. É "uma situação dramática para a democracia", lamenta Fernando Schüler, do Instituto Insper.

Apesar de tudo, Schüler acredita que a situação se irá resolver sem grande violência. O PT, afirma à AFP, perdeu o ímpeto dos anos 2003-2010 que levaram Lula à Presidência. Tornou-se um "tigre de papel", um "partido minoritário no Congresso".

"O máximo que irá poder fazer é conseguir bloquear algumas ruas", sustenta.
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