Agenda europeia está em aberto devido à divisão da extrema-direita

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Da esquerda para a direita: o espanhol Santiago Abascal (VOX), a italiana Giorgia Meloni (Fratelli d'Italia (FdI)), André Ventura (Chega), a francesa Marine Le Pen (Rassemblement National) e o polaco Jaroslaw Kaczynski (Lei e Justiça (PiS)). Edição - RTP Ana Beltran, Pedro Nunes, Ludovic Marin, Kacper Pempel - Reuters | Riccardo Antimiani - EPA

A conclusão é de um estudo do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês) divulgado esta quinta-feira, que mostra que os partidos populistas e nacionalistas estão profundamente divididos em quase todas as questões-chave, o que dificultará a definição da agenda europeia após as eleições de junho, mesmo no caso de uma "viragem brusca à direita".

O relatório apresentado pelo think-tank ECFR, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, baseia-se em dados recolhidos em janeiro junto da opinião pública de 12 países da União Europeia (UE), incluindo Portugal, e no qual participaram cerca de 17 mil participantes.

A menos de três meses das eleições europeias para o Parlamento Europeu, agendadas para entre 6 e 9 de junho, e apesar das previsões eleitorais, publicadas em janeiro pelo ECFR, apontarem para um “aumento maciço do apoio à extrema-direita”, o novo estudo revela que os partidos nacionalistas estão profundamente divididos sobre questões-chave como a adesão à UE, a migração e o apoio à Ucrânia. “A extrema-direita tem mostrado até agora níveis muito baixos de coesão e uma capacidade limitada de cooperação”, refere.

Tal facto deve-se sobretudo às mudanças de trajetórias nos últimos anos em que se assistiu “a uma radicalização simultânea de alguns partidos europeus de direita” e a “uma desradicalização de alguns da extrema-direita”, que segundo o estudo “complica os esforços para contrariar” a ascensão da extrema-direita.

Se por um lado, em Itália, o partido Irmãos de Itália (FdI) da primeira-ministra Giorgia Meloni foi outrora considerado um movimento radical, pós-fascista, é atualmente “considerado bastante convencional por muitos na Europa, incluindo pela maioria dos eleitores italianos”, de acordo com os autores do relatório. Por outro lado, o partido polaco Lei e Justiça (PiS) evoluiu de um partido conservador e eurocético para uma força ferozmente antieuropeia. 
Saída da União Europeia As sondagens do ECFR indicam que os partidos populistas, nacionalistas e de extrema-direita deverão ser os mais votados em nove países da UE - Áustria, Bélgica, França, Itália, Países Baixos, Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia - e que deverão ser a segunda ou terceira força política em outros nove: Portugal, Espanha, Alemanha, Suécia, Finlândia, Bulgária, Roménia, Letónia, Estónia.

Mas só em quatro Estados-Membros é que os eleitores acreditam que o líder do principal partido de extrema-direita pretende que o seu país saia do bloco europeu: na Áustria (58 por cento), na Alemanha (55 por cento), nos Países Baixos (63 por cento) e na Suécia (59 por cento). Ao contrário de Portugal, Espanha e Itália em que a maioria do eleitorado não acredita que a saída da União Europeia seja um objetivo da extrema-direita.
Apoio da UE à Ucrânia Os eleitores europeus de extrema-direita também se mostraram divididos no apoio de Bruxelas à Ucrânia. Se, por um lado, os apoiantes do partido polaco Lei e Justiça (PiS), com 58 por cento, e dos Democratos Suecos, com 52 por cento, se mostraram favoráveis, à semelhança dos eleitores portugueses do Chega, com 42 por cento, e do Vox de Espanha, com 35 por cento, ambos com menos expressão.

Já os eleitores do partido húngaro Fidesz, com 88 por cento, do austríaco Liberdade da Áustria (FPÖ), com 70 por cento, e do alemão Alternativa para a Alemanha (AfD), com 69 por cento, estão contra o apoio à Ucrânia e defendem que a União Europeia deve pressionar Kiev para aceitar um acordo com a Rússia.
Migração O estudo revela que a preocupação com a imigração é dominante no eleitorado de extrema-direita dos países mais ricos e nos Estados-Membros mais antigos da UE, como os Países Baixos (81%), a Áustria (72%), a Suécia (60%), a Alemanha (59%) ou a França (59%), e que em seis países, incluindo Portugal (56%), Itália (54%) e Espanha (53%), a maioria estão preocupados com a emigração ou com ambas de igual modo.

Os autores do estudo, Mark Leonard e Ivan Krastev, defendem que, “embora se verifique uma vaga de apoio aos partidos de extrema-direita e antieuropeus, a corrente política pró-europeia poderá acabar por ficar numa posição muito melhor do que muitos esperam nas eleições deste ano para o Parlamento Europeu - inclusivamente com uma maioria viável".
“Suscetível de sair o tiro pela culatra”Mas para que isso aconteça explicam que os partidos tradicionais deverão abandonar a estratégia dupla, que parecem estar a adotar, através da aposta nas políticas de direita sobre a imigração e do enaltecimento dos sucessos da UE, pois é “suscetível que o tiro saia pela culatra", de acordo com a análise da opinião pública europeia. “Se os eleitores não acreditarem nas motivações (...) correm o risco de a verem como não autêntica - e de optarem pelo produto genuíno da extrema-direita em vez da cópia”, explicam.

Uma vez que “a migração não é tão central como muitos decisores políticos pensam” e que a promoção de uma narrativa do sucesso da UE pode ser contraproducente, visto que “os cidadãos europeus têm uma perceção negativa do historial de resposta da UE às crises”, nomeadamente à pandemia da covid-19, à crise climática e à guerra da Rússia na Ucrânia, e que pode vir a ser utilizado pelos partidos de extrema-direita.

No combate à pandemia da covid-19, por exemplo, só em Portugal (56 por cento) e em Espanha (42 por cento) – dos 12 países analisados - é que um grande número de eleitores considerou que a União Europeia teve um desempenho positivo.
Se não existisse, teria de ser inventada Segundo Leonard e Krastev, os partidos pró-UE devem apostar numa agenda alternativa e persuasiva, para defender uma Europa mais forte e mais orientada para a defesa, capaz de fazer face à agressão russa e à ameaça do regresso de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos. “Perante a incerteza da política americana e a agressividade de Putin, os pró-europeus devem argumentar que estamos num momento em que, se a UE não existisse, teria de ser inventada”, defendem.


Nas próximas eleições europeias, os partidos tradicionais devem fazer uso das adversidades e utilizar um novo argumento geopolítico para a Europa, que “não tente mobilizar as pessoas por solidariedade com a Ucrânia”, mas “sim por uma preocupação com a soberania e a segurança europeias”, concluem.


PUB