O governo afegão anunciou, esta terça-feira, a libertação de três comandantes taliban, um dos quais líder de uma das mais mortíferas fações do grupo, numa troca com dois professores universitários, um americano e a um australiano, reféns do grupo há mais de três anos.
Espera-se que a troca de prisioneiros contribua para o retomar das negociações de paz diretas, entre o grupo islamita e o Executivo norte-americano, oficialmente terminadas por Donald Trump em setembro.
A libertação dos comandantes taliban havia sido anunciada a 12 de novembro, pelo Presidente afegão, após ter sido obtido o aval dos Estados Unidos.
Ashraf Ghani revelou na altura que um dos comandantes a libertar seria Anas Haqqani, detido em 2014.
Anas é o irmão mais novo do vice-líder do grupo islamita e chefe da rede Haqqani, uma fação dos taliban baseada no Paquistão, responsável pelos atentados mais violentos dos últimos anos contra civis, em solo afegão.
A troca de prisioneiros foi adiada de repente, com os taliban a mudar a localização dos reféns. Só esta terça-feira ficou confirmada.
No Qatar
Três fontes taliban que acompanharam a troca afirmaram à Agência Reuters que os três comandantes do grupo saíram de manhã da prisão afegã onde se encontravam, sendo encaminhados para a capital do Qatar.
"Pouco depois da sua libertação, voaram para Doha e foram entregues à sede política" do grupo, revelou um líder taliban no Afeganistão, sob anonimato por não estar autorizado a falar da troca.
Michael Semple, professor do Instituto para a Paz Global, Segurança e Justiça da Universidade de Belfast, Irlanda, disse que os três comandantes libertados podem ser considerados membros da "elite" taliban.
"Sabemos que os taliban estavam extremamente ansiosos por libertar a sua família", sublinhou à televisão do Qatar, al Jazeera. "E sabemos que o destino dos reféns tem sido uma preocupação da Admistração norte-americana e das suas famílias", acrescentou.
A troca parece ser um "ramo de oliveira" entre os taliban e o Governo de Ghani, referiu Semple, alertando de que "nada indica", contudo, que o grupo islamita tenha mudado a sua "recusa política em negociar com o Governo" afegão.
Raptados em 2016
Nem a embaixada dos Estados Unidos no Afeganistão nem o Governo afegão se mostraram disponíveis para comentar a troca.
Um alto responsável do Governo afegão, também sob anonimato, garantiu apenas que os dois reféns ocidentais estão bem.
"Os dois professores foram libertados em segurança e estão a ser bem tratados", assegurou à Reuters, sem dar mais detalhes.
Kevin King, cidadão norte-americano e Timothy Weeks, australiano, foram sequestrados em agosto de 2016, no exterior da Universidade Americana do Afeganistão, em Cabul, onde lecionavam. Surgiram num vídeo, em 2017, desgrenhados e mal-tratados, a pedir pela sua libertação.
O primeiro-ministro da Austrália confirmou que Weeks foi libertado.
"Vemos esta libertação como uma entre uma série de medidas destinadas a criar confiança, que têm estado a decorrer no Afeganistão", afirmou Scott Morrison, num comunicado conjunto com o seu ministro dos Negócios Estrangeiros.
"Esperamos que tais medidas criem as condições para um cessar-fogo e um diálogo interno no Afeganistão", acrescentou.
Ressuscitar as negociações
Uma vez que os taliban recusam sentar-se à mesa como o Governo afegão, que consideram uma marionete dos Estados Unidos, as negociações têm estado a envolver apenas os extremistas muçulmanos e os norte-americanos.
Os termos do fim de 18 anos guerra e da retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão têm estado a ser negociados no Qatar desde 2018, mas as conversações oficiais foram suspensas abrutamente em setembro, em vésperas de um encontro em Camp David, anunciado pelo Presidente norte-americano Donald Trump.
Foi o próprio Trump quem anulou a reunião após a morte de um soldado norte-americano e de 11 civis em Cabul, num atentado taliban. As negociações "estão mortas", afirmou.
Em outubro, o representante especial dos Estados Unidos para o Afeganistão, Zalmay Khalilzad, foi ao Paquistão, onde se terá encontrado com o principal negociador dos taliban, o Mullah Abdul Ghani Baradar.
Washington explicou que o seu representante especial se deslocou a Islamabad para prosseguir conversações realizadas em setembro, em Nova Iorque, com representantes paquistaneses, incluindo o primeiro-ministro, Imran Khan.
A administração Trump referiu ainda que a visita de Khalilzad não foi novo esforço para retomar o processo de paz afegão.