Afeganistão teme escalada de violência com redução de tropas norte-americanas

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Lucas Jackson - Reuters

O Pentágono anunciou esta semana a retirada de 2500 militares norte-americanos destacados no Afeganistão até janeiro de 2021. A ordem de Donald Trump tem enfrentado resistência por parte de muitos responsáveis, nomeadamente dentro do Partido Republicano, que avisam para o risco de deitar por terra todos os esforços de pacificação da região. As autoridades afegãs temem também que tal decisão resulte num estímulo para os taliban e numa guerra civil.

No decurso do seu mandato, Trump defendeu por diversas vezes o “regresso a casa” das forças militares norte-americanas destacadas em cenários de conflito quando estivessem cumpridas as condições de garantir a segurança dos EUA e aliados.

Depois de ter dado a ordem, na terça-feira o Pentágono anunciou formalmente o plano de Trump para uma redução dos contingentes militares dos EUA no Iraque e Afeganistão, como um ponto final numa guerra que caminha para duas décadas, lançada no pós-11 de Setembro. A retirada das tropas norte-americanas irá concretizar-se até janeiro de 2021, concretamente até cinco dias antes do dia 20, data da tomada de posse de Joe Biden enquanto 46.º Presidente dos Estados Unidos.

Inicialmente, Trump terá defendido a retirada completa dos 4500 homens estacionados no Afeganistão até ao Natal, mas os conselheiros militares terão convencido o presidente a recuar nessa decisão inicial. O plano inicial para a retirada do país foi registado num acordo histórico assinado em 29 de fevereiro deste ano entre Washington e os taliban. De acordo com o documento, os norte-americanos deixariam o Afeganistão em meados de 2021 e, em troca, os taliban comprometiam-se a separar-se publicamente da Al Qaeda e a combater os grupos terroristas, em particular o braço do Estado Islâmico no país.

No entanto, até ao momento, não existe nenhuma evidência de qualquer corte no laço entre os dois grupos e quanto à neutralização das ações terroristas, o problema reside no facto de serem os próprios taliban a levarem a cabo ataques quase diários contra as forças afegãs.

As autoridades afegãs há muito que veem a presença militar americana como um crucial incentivo para os taliban manterem as suas promessas e optarem pela negociação em vez de uma guerra sem fim. Agora, olham para a ordem apressada de Trump como um claro sinal de abandono por parte dos Estados Unidos.

Embora expectável, a redução das forças americanas no Afeganistão para metade – de 4500 para 2500 – chega numa altura crítica para as autoridades afegãs: as negociações de paz no Qatar entre o Governo afegão e os taliban estão estagnadas, as ofensivas dos taliban estão a intensificar-se em cidades importantes a norte e sul do país e as forças do Governo afegão estão desmotivadas, à medida que sofrem duras baixas. O mês de Outubro, com mais de 200 mortos, revelou-se como o mais letal para a população civil desde Setembro do ano passado.

Se não fossem as dezenas de ataques aéreos por parte das tropas americanas nas últimas semanas, a importante cidade de Kandahar, a sul do Afeganistão, estaria completamente cercada, depois de os taliban terem ameaçado vários distritos vizinhos.

“Se não fosse pelo apoio aéreo das forças dos EUA, os taliban estariam sentados na cidade de Kandahar neste momento”
, disse o coronel Zabiullah Ghorzang, comandante do Exército afegão na província de Kandahar, citado por New York Times.

“As condições na cidade são más, as pessoas estão preocupadas, o conflito continua em várias partes da cidade e os distritos estão a destruir-se”, testemunhou Hayatullah, um vendedor de rua em Kandahar. “Temos medo que a partida dos americanos apenas intensifique o conflito”, admitiu.
Afeganistão teme uma nova guerra civil
A ordem de Trump não foi bem recebida por muitos funcionários do Governo, nomeadamente dentro do seu próprio partido, que avisam para o risco de deitar por terra todos os esforços de pacificação da região. Da parte do Afeganistão, as opiniões estão divididas.

O Exército Nacional do Afeganistão não é forte o suficiente para enfrentar os terroristas sozinho e é óbvio que precisa do apoio de terceiros”, disse Atiqullah Amarkhel, antigo general do Exército afegão e analista militar. Os taliban “estão mais fortes do que no passado e se os americanos partirem e não apoiarem o Exército afegão, eles não resistirão por muito tempo e os taliban irão assumir o controlo. Isto é o que mais me assusta”, acrescentou Amarkhel, citado pelo New York Times.

No entanto, em declarações ao Parlamento na terça-feira, o ministro afegão da Defesa, Asadullah Khalid, assegurou que o povo afegão não deveria preocupar-se com a retirada das tropas americanas. “Não estamos preocupados e estamos prontos para defender o Afeganistão de forma independente”, disse Khalid.

Apesar desta garantia dada pelo ministro da Defesa, tal não impediu que algumas autoridades afegãs continuassem a temer uma nova guerra civil provocada pela pressão dos ataques por parte dos taliban.

Metra Mehran, da Campanha de Perspetivas Femininas no Afeganistão, teme que os americanos estejam a abandonar o país sem obter garantias suficientes do cumprimento do acordo assinado em fevereiro por parte dos taliban e sem um caminho claro para as negociações de paz.

“Considerando que as negociações não chegaram a nenhum acordo e a segurança piorou, temo que isso possa até levar a outra guerra civil”
, disse Mehran. “Não é uma decisão sábia partir sem qualquer acordo concreto”, acrescentou.

Da parte do Pentágono, o secretário da Defesa norte-americano em exercício, Christopher Miller, afirmou na terça-feira que os Estados Unidos permanecem prontos para responder caso se deteriore a situação no terreno.

Se as forças do terror, da instabilidade, da divisão e do ódio iniciarem uma campanha deliberada para sabotar os nossos esforços, estaremos prontos para mobilizar as capacidades exigidas para os enfrentar”, disse Miller durante uma declaração de oito minutos na sede do Pentágono.
Consequência para além do Afeganistão
O plano de corte de tropas vai para além do Afeganistão, incluindo a retirada de militares norte-americanos no Médio Oriente, como no Iraque, e na África.

No Iraque, aa presença de tropas americanas, que é vista como uma barreira contra o ressurgimento do Estado Islâmico e contra a poderosa influência iraniana, já caiu para cerca de 3.500 militares este ano
. Sob as novas ordens, funcionários do Pentágono afirmam que irá diminuir para cerca de 2.500 em janeiro, o mesmo número que no Afeganistão.

No entanto, ao contrário do Afeganistão, os cortes não foram recebidos com alarme no Iraque: o primeiro-ministro Mustafa al-Kadhimi anunciou que a retirada de tropas foi acordada e era pretendida por ambos os países.

Quase imediatamente após o anúncio do Pentágono de terça-feira, foram disparados rockets em direção à chamada Zona Verde, onde se situa a embaixada dos Estados Unidos em Bagdad, rompendo um mês de tréguas por parte das fações iraquianas pró-Irão. As autoridades afirmaram que os ataques mataram uma criança e deixaram cinco civis feridos.

Na Somália, o plano de retirada de tropas – cujo número exato não foi anunciado ainda pelo Pentágono – chega numa altura em que o grupo terrorista Al-Shabab, com ligações à Al-Qaeda, continua a intensificar os ataques a alvos militares e civis. Estima-se que mais de 650 soldados americanos estão na região para treinar forças somalis a conduzir operações contra o grupo Al-Shabab.

Oficiais e analistas na Somália defendem que a redução das tropas americanas seria uma vitória para o grupo radical islâmico num momento crítico para a Somália.

c/ agências
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