Cerca de 200 pessoas, de nacionalidade americana e de outros países, devem sair esta quinta-feira do Afeganistão, em voos charter que vão partir do aeroporto de Cabul. Ainda se desconhece se os estrangeiros que partem agora estavam entre as centenas de pessoas que agrupam há dias no aeroporto de Mazar-i-Sharif, onde continuam seis aviões na pista, mas sem autorização para levantar voo.
Esta será a primeira vez que se organizam voos internacionais a partir do aeroporto de Cabul desde que os militares estrangeiros deixaram o Afeganistão no final de agosto, na sequência da tomada da capital pelos radicais islâmicos.
O anúncio foi feito dois dias após a apresentação do governo interino, que não correspondeu às expetativas da comunidade internacional. O governo interino afegão é composto principalmente por homens da etnia pashtun, incluindo suspeitos de terrorismo e radicais islâmicos. A composição do governo foi interpretada pelos governantes ocidentais como mais um sinal de que os talibãs não pretendem adotar uma atitude moderada, como prometeram antes da saída dos militares estrangeiros.
O anúncio da composição do novo governo afegão mereceu declarações de desapontamento da União Europeia e a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou mesmo que os talibãs não são membros respeitados da comunidade internacional.
Proibição de protestos não autorizados e do cricket para as mulheres
O ministro afegão da Administração Interna é procurado por atividade terrorista pelos Estados Unidos, que oferecem uma recompensa de 10 milhões de dólares por Sirajuddin Haqqani. Já pelo ministro dos refugiados e repatriamento é oferecida uma recompensa de cinco milhões. Outros elementos do novo governo afegão estiveram detidos em Guantanamo.
A primeira medida de Sirajuddin Haqqani como ministro foi a proibição de protestos que não tenham sido devidamente autorizados pelo regime, caso contrário incorrem nas “mais graves consequências legais”.
Esta proibição surge depois de várias manifestações terem decorrido em diferentes cidades afegãs, incluindo Cabul e Badakhshan, esta quarta-feira. Muitas lideradas por mulheres. O protesto na cidade de Herat, que reuniu centenas de pessoas, terminou com a morte de duas.
“Um governo sem mulheres é um falhanço”, era uma das frases que era possível ler num cartaz em Cabul. “O governo foi anunciado e não estão mulheres nos gabinetes. Alguns jornalistas que vieram cobrir os protestos foram detidos e levados para a esquadra”, disse uma mulher citada pelas agências internacionais.
Pouco depois, o novo ministro dizia que era preciso ter uma autorização com 24 horas de antecedência, antes de convocar uma manifestação, de modo a evitar distúrbios e garantir a segurança.
Já esta quinta-feira, o vice-diretor da Comissão Cultural talibã, Ahmadullah Wasiq, declarava à televisão australiana SBS News que as mulheres afegãs não estão mais autorizadas a jogar cricket e possivelmente nenhum outro desporto.
“O Islão e o Emirado Islâmico não permitem que as mulheres joguem cricket ou outros desportos em que fiquem expostas (…)”, explicou Ahmadullah Wasiq. Ainda segundo o mesmo dirigente, as mulheres “não precisam de desporto. Ficarão expostas e não seguirão o código de vestuário e o Islão não permite isso”, acrescentou, dizendo que os valores do Islão são para aplicar mesmo que o país sofra “ameaças ou problemas”.
O comité australiano de cricket reagiu com a ameaça de desmarcar o jogo contra a equipa masculina. Contudo, na passada terça-feira, após semanas de silêncio, o líder supremo Hibatullah Akhundzada declarou que o governo deve sobretudo fazer respeitar a lei islâmica. Akhunzada não se referiu em particular às mulheres.
Líderes anti-talibãs continuam no valde de Panchir
A ordem que dita o final dos protestos também surge depois do anúncio da vitória sobre os opositores no Vale de Panchir, a norte da capital. Contudo, Ahmad Shah Massoud e o antigo vice-presidente afegão fizeram saber que ainda continuam na região e a resistir aos talibãs.
“Ahmad Massoud e Amrullah Saleh não fugiram para o Tajiquistão. A notícia de que Ahmad Massoud teria fugido de Panchir é falsa; ele está no Afeganistão”, sublinhou o anterior representante do governo afegão no Tajiquistão, citado pelas agências internacionais.
“Estou em constante contacto com Amrullah Saleh, que está atualmente no vale de Panchir e a liderar o governo da República do Afeganistão”, declarou Zahir Aghbar, em Duchambé. Aghbar é muito crítico da atuação do anterior presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, por considerar que facilitou os avanços dos talibãs pelo país.
Ghani nega ter levado dinheiro
Numa mensagem publicada na rede social Twitter, o antigo presidente do Afeganistão veio explicar a fuga do país, quando a 15 de agosto os talibãs avançavam sobre Cabul.
Ashraf Ghani considera que a saída do país foi a única maneira de evitar o confronto armado e de garantir a segurança dos habitantes da capital. “Saí por insistência da segurança do palácio que me avisou que, caso ficasse, corria o risco de deflagrar a mesma luta rua a rua que a cidade sofreu durante a guerra civil dos anos 1990”, escreve.
“Deixar Cabul foi a decisão mais difícil da minha vida, mas eu acreditava que era a única maneira de manter as armas em silêncio e salvar Cabul e os seus seis milhões de habitantes”, sublinha.
Statement 8 September 2021 pic.twitter.com/5yKXWIdLfM
— Ashraf Ghani (@ashrafghani) September 8, 2021
Ashraf Ghani nega veementemente as acusações “infundadas” de ter fugido “com milhões de dólares do povo afegão. Estas acusações são completa e categoricamente falsas”. A fuga de Ghani foi muito criticada por outros políticos afegãos e rapidamente se espalharam rumores de que teria levado quase 170 milhões de dólares para os Emirados Árabes Unidos.
“A corrupção é uma praga que tem paralisado o nosso país ao longo de décadas e a luta contra a corrupção tem sido o foco dos meus esforços como presidente. Herdei um monstro que não pode ser facilmente ou rapidamente derrotado”, acrescenta Ghani, de 72 anos e antigo funcionário do Banco Mundial.
“A corrupção é uma praga que tem paralisado o nosso país ao longo de décadas e a luta contra a corrupção tem sido o foco dos meus esforços como presidente. Herdei um monstro que não pode ser facilmente ou rapidamente derrotado”, acrescenta Ghani, de 72 anos e antigo funcionário do Banco Mundial.
O antigo presidente afegão predispôs-se a ter as suas contas familiares auditadas pelas Nações Unidas ou outras organizações independentes.
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