A China convidou uma delegação taliban para reuniões, quando o vizinho Afeganistão vive tempos tumultuosos de conflito pelo controlo territorial, entre o exército regular leal ao Governo afegão e os combatentes do grupo islamita que tenta recuperar o poder perdido há 20 anos.
Os taliban, “uma força central política e militar”, deverão “desempenhar um papel importante no processo de reconciliação pacífica e reconstrução do Afeganistão”, aconselhou o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi.
Palavras que valorizaram o estatuto do movimento islamita afegão, cujos ganhos territoriais e militares recentes aproveitaram a retirada das forças norte-americanas e ocidentais, a qual deverá terminar em 31 de agosto.
A miragem do apoio de Pequim a um eventual regresso taliban ao poder terá um preço. Wang expressou a expectativa de que o movimento islamita afegão não apoie o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, que estará a agitar a região chinesa de Xinjiang e é considerado “uma ameaça direta à segurança nacional da China”.Ameaça islamita
O mês passado as forças taliban conquistaram grande parte da província afegã do Badaquexão, que faz fronteira com a província de Xinjiang no sudeste da China, no extremo de uma região estreita e montanhosa, com 150 quilómetros de extensão e entre 13 a 65 quilómetros de largura, conhecida como Corredor de Wakhan. Do lado chinês fica Xinjiang, lar da minoria islâmica Uigur, que tem estado a ser alvo de perseguições por parte de Pequim. Centenas de milhares de uigures foram detidos em campos de trabalho em nome da luta contra o terrorismo.
Pequim espera que, ao contrário do que sucedeu com a al Qaida, os islamitas afegãos não permitam ao Movimento Islâmico do Turquestão utilizar território afegão como base de ataques às áreas vizinhas chinesas na defesa dos uigures.
A desestabilização registada no Afeganistão desde maio não convém a Pequim, ainda menos do que a presença militar norte-americana. A sua maior vantagem é a paz e um acordo entre os poderes afegãos que afastem a possibilidade de nova intervenção internacional.
De acordo com o comunicado ministerial chinês, os taliban foram aconselhados por Wang a polir a sua imagem diplomática e a “erguer bem alto a bandeira das conversações de paz”.
Reação taliban
O porta-voz designado dos taliban, Mohammed Naeem, tweetou depois que durante os dois dias de reuniões foram debatidas questões de “política, economia e assuntos relacionados com a segurança de ambos os países e a atual situação do Afeganistão e o processo de paz”.
Os taliban anuíram às exigências de Pequim e obtiveram por seu lado garantias de apoio.
A “delegação garantiu à China que [os taliban] não irão autorizar ninguém a utilizar o território afegão contra a China”, afirmou Naeem.
A “China também reiterou o seu compromisso quanto à continuação de apoio aos afegãos e disse que não irá interferir em assuntos afegãos mas irá ajudar a resolver os problemas e o país a regressar à paz”, acrescentou porta-voz, revelando ainda que o grupo se reuniu igualmente com o enviado especial da China para o Afeganistão.
Silêncio em Cabul
Ao longo do último mês, os taliban não se têm limitado a ganhar terreno e a cimentar a sua influência interna. Têm apostado na diplomacia regional para cimentar a sua influência e poder dentro de Afeganistão.
Visitaram Teerão, Moscovo e Ashgabat, capitais do Irão, da Rússia e do vizinho Turquemenistão, para reuniões com responsáveis. O encontro com Wang foi a sua maior conquista diplomática até agora.
Todas estas iniciativas foram acolhidas em silêncio pelo Governo de Cabul e as reuniões com a China não foram exceção. Esta não foi a primeira vez que Pequim estendeu a mão aos taliban. Em 2019 realizaram-se reuniões em Pequim, mas não a tão alto nível nem de forma tão pública.
Sinal da simpatia intencional do poder chinês, Wang foi filmado a cumprimentar calorosamente o Mullah Abdul Ghani Baradar e posou com outros diplomatas chineses e todos os nove membros da delegação islamita.
O encontro sublinha a forma como os antigos senhores do Afeganistão, derrubados em 2001 após os ataques do 11 de Setembro, estão a conseguir modificar a sua imagem e a forma como são considerados pelos poderes regionais
Desde o anúncio da retirada dos Estados Unidos, em abril, os taliban lançaram uma ofensiva militar que lhes permitiu controlar grande parte do território rural e das fronteiras do Afeganistão. O exército regular mantém-se entrincheirado nas maiores cidades, incluindo Cabul. Os taliban preferem o cerco e a capitulação à ação militar ativa, que poderia fazer regressar as tropas estrangeiras e manchar a imagem de liderança capaz e pacífica em que estão a apostar.
Calma dos EUA
Em finais de 2020 representantes do Governo afegão apoiado pelo Ocidente e uma delegação taliban iniciaram um diálogo apadrinhado por Washington, em Doha, capital do Qatar. Os progressos têm sido quase nulos e a retirada militar dos Estados Unidos e seus aliados selou a inutilidade dos esforços.
Cabe aparentemente agora aos poderes regionais encontrar uma solução pacífica para o Afeganistão e os taliban estão cientes disso.
Ao optar pela retirada, a Administração do Presidente norte-americano Joe Biden preferiu manter a neutralidade. A estratégia foi confirmada pela reação calma perante a iniciativa chinesa.
Se Pequim estiver a promover uma resolução pacífica do conflito e “alguma forma de governo” afegão, “realmente representativo e inclusivo”, isso é “uma coisa positiva”, disse o secretário de Estado, Antony Blinken.
“Ninguém está interessado numa conquista militar por parte dos taliban e na restauração de um emirado islâmico”, afirmou ainda o chefe da diplomacia norte-americana, numa entrevista à televisão CNN-News18 durante uma visita a Nova Deli, na Índia.
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