Acusação sul-africana de genocídio em Gaza avaliada pelo Tribunal Internacional de Justiça

por Cristina Sambado - RTP
Israel Defense Forces/Handout via Reuters

O Tribunal Internacional de Justiça começa esta quinta-feira a apreciar a queixa apresentada a 29 de dezembro pela África do Sul contra Israel por alegado genocídio dos palestinianos na Faixa de Gaza.

Em causa está a reação israelita ao ataque perpetrado pelo Hamas a 7 de outubro - dia em que o movimento radical palestiniano infiltrou militantes em território do Estado hebraico, causando as mortes de 1.200 pessoas e raptando outras 250.

Este ataque levou Israel a lançar uma contraofensiva aérea, terrestre e marítima no sobre a Faixa de Gaza, onde, além dos mortos e feridos, cerca de dois milhões de pessoas sofrem uma crise humanitária sem precedentes, com o colapso de hospitais, o surgimento de epidemias e a escassez de água potável, alimentos, medicamentos e eletricidade.

Quinze juízes vão, nesta primeira audiência do principal órgão judicial da ONU, ouvir a argumentação sul-africana, que defende ainda que o TIJ decrete medidas de emergência, incluindo ordenar que Israel cesse imediatamente as operações militares, bem como todos os “atos genocidas” descritos no pedido.
A acusação sul-africana
Pretória alega que, dado “o dano contínuo, extremo e irreparável sofrido pelos palestinianos em Gaza, ao abrigo da convenção sobre o genocídio que continua a ser violada impunemente”, se impõe essa medida complementar.

A África do Sul alega que a guerra entre Israel e o Hamas viola a Convenção sobre o Genocídio de 1948. O tratado define genocídio como “atos cometidos com a intenção de destruir, no todo, ou em parte uma nação”.Os casos de genocídio, que são notoriamente difíceis de provar, podem levar anos a ser resolvidos.

Na apresentação do caso, Pretória enfatiza, em 84 páginas, a obrigação de todos os Estados partes - incluindo África do Sul e Israel - da Convenção de 1948 de tomar "todas as medidas razoáveis ao seu alcance para prevenir o genocídio".

Como tal, instou o Tribunal a reconhecer que Israel violou esta obrigação.

“Os atos e omissões de Israel de que a África do Sul se queixa são de carácter genocida porque se destinam a destruir uma parte substancial do grupo nacional, racial e étnico palestiniano”, afirma Pretória.

"A nossa oposição ao massacre em curso do povo de Gaza levou-nos, enquanto país, a abordar o TIJ", afirmou na quarta-feira o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, sobre as acusações de genocídio, já rejeitadas por Israel e pelo seu principal aliado, os Estados Unidos.

"Como um povo que já provou os frutos amargos da desapropriação, discriminação, racismo e violência patrocinada pelo Estado, estamos certos de que ficaremos do lado certo da história", acrescentou Ramaphosa.

Durante quase meio século, até 1994, a minoria branca da África do Sul impôs um regime severo à maioria negra ao abrigo do sistema de separação racial do apartheid.A delegação sul-africana inclui o antigo líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, que é um apoiante de longa data da causa palestiniana, mas cujo tempo como líder da oposição foi marcado por alegações de antissemitismo.

O partido no poder na África do Sul, o Congresso Nacional Africano (ANC), tem uma longa história de comparação entre o tratamento dado por Israel aos palestinianos e o tratamento dado aos negros sul-africanos durante o apartheid.A reação de Israel
Israel reagiu furiosamente quando o pedido foi apresentado, qualificando-o de “infundado” e de “calúnia de sangue”. O país afirma que está a agir em legítima defesa para proteger os israelitas, destruindo o Hamas.

O porta-voz do Governo israelita frisou que “o Estado de Israel comparecerá perante o Tribunal Internacional de Justiça para dissipar a absurda querela de sangue da África do Sul, uma vez que Pretória dá cobertura política e legal ao regime violador do Hamas”.

Na véspera do arranque do processo, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, publicou um vídeo em que afirma que Israel está a lutar contra o Hamas, e não contra a população palestiniana, e que está a agir em total conformidade com o direito internacional. "Israel não tem qualquer intenção de ocupar permanentemente Gaza ou de deslocar a sua população civil".

Além disso, Netanyahu revelou que se opunha aos apelos dos membros de direita do seu Governo, incluindo o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, para que os palestinianos deixem Gaza voluntariamente, abrindo caminho para que os israelitas se instalem no local.

Na rede social X, Netanyahu escreveu: "Eu quero deixar alguns pontos absolutamente claros: Israel não tem intenção de ocupar permanentemente Gaza ou deslocar sua população civil".


A antecipar as audiências no tribunal da Haia, acrescentou: "Israel está a combater os terroristas do Hamas, não a população palestiniana, e estamos a fazê-lo em total conformidade com o Direito Internacional".
O que se vai passar na Haia?
As equipas jurídicas terão o mesmo tempo para apresentar o seu caso - cerca de três horas - com a África do Sul a começar esta quinta-feira e depois Israel a responder na sexta-feira.

As audiências vão lidar exclusivamente com o pedido da África do Sul para uma ordem de emergência para que Israel suspenda a ação militar em Gaza enquanto o tribunal, também conhecido como o Tribunal Mundial, ouve os méritos do caso - um processo que pode levar anos.

O julgamento será reservado para uma data posterior, mas poderá ocorrer dentro de semanas.


No entanto, o Tribunal Internacional de Justiça não tem poderes para fazer cumprir as suas decisões e é possível que Israel ignore um acordo desfavorável. O processo pode arrastar-se durante vários anos.Fora do tribunal, Israel e a África do Sul tentarão também ganhar a batalha da opinião pública.

Israel está a organizar uma série de eventos na Haia, incluindo uma marcha pela paz, enquanto a África do Sul se prepara para apresentar no seu caso, exposições sobre os reféns israelitas ainda detidos pelo Hamas e entrevistas com os familiares dos reféns.
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