Acusação sul-africana de genocídio em Gaza avaliada pelo Tribunal Internacional de Justiça
O Tribunal Internacional de Justiça começa esta quinta-feira a apreciar a queixa apresentada a 29 de dezembro pela África do Sul contra Israel por alegado genocídio dos palestinianos na Faixa de Gaza.
Em causa está a reação israelita ao ataque perpetrado pelo Hamas a 7 de outubro - dia em que o movimento radical palestiniano infiltrou militantes em território do Estado hebraico, causando as mortes de 1.200 pessoas e raptando outras 250.
Este ataque levou Israel a lançar uma contraofensiva aérea, terrestre e marítima no sobre a Faixa de Gaza, onde, além dos mortos e feridos, cerca de dois milhões de pessoas sofrem uma crise humanitária sem precedentes, com o colapso de hospitais, o surgimento de epidemias e a escassez de água potável, alimentos, medicamentos e eletricidade.
Quinze juízes vão, nesta primeira audiência do principal órgão judicial da ONU, ouvir a argumentação sul-africana, que defende ainda que o TIJ decrete medidas de emergência, incluindo ordenar que Israel cesse imediatamente as operações militares, bem como todos os “atos genocidas” descritos no pedido.
A acusação sul-africanaPretória alega que, dado “o dano contínuo, extremo e irreparável sofrido pelos palestinianos em Gaza, ao abrigo da convenção sobre o genocídio que continua a ser violada impunemente”, se impõe essa medida complementar.
A África do Sul alega que a guerra entre Israel e o Hamas viola a Convenção sobre o Genocídio de 1948. O tratado define genocídio como “atos cometidos com a intenção de destruir, no todo, ou em parte uma nação”.Os casos de genocídio, que são notoriamente difíceis de provar, podem levar anos a ser resolvidos.
Na apresentação do caso, Pretória enfatiza, em 84 páginas, a obrigação de todos os Estados partes - incluindo África do Sul e Israel - da Convenção de 1948 de tomar "todas as medidas razoáveis ao seu alcance para prevenir o genocídio".
Como tal, instou o Tribunal a reconhecer que Israel violou esta obrigação.
“Os atos e omissões de Israel de que a África do Sul se queixa são de carácter genocida porque se destinam a destruir uma parte substancial do grupo nacional, racial e étnico palestiniano”, afirma Pretória.
"A nossa oposição ao massacre em curso do povo de Gaza levou-nos, enquanto país, a abordar o TIJ", afirmou na quarta-feira o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, sobre as acusações de genocídio, já rejeitadas por Israel e pelo seu principal aliado, os Estados Unidos.
"Como um povo que já provou os frutos amargos da desapropriação, discriminação, racismo e violência patrocinada pelo Estado, estamos certos de que ficaremos do lado certo da história", acrescentou Ramaphosa.
Durante quase meio século, até 1994, a minoria branca da África do Sul impôs um regime severo à maioria negra ao abrigo do sistema de separação racial do apartheid.A delegação sul-africana inclui o antigo líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, que é um apoiante de longa data da causa palestiniana, mas cujo tempo como líder da oposição foi marcado por alegações de antissemitismo.
O partido no poder na África do Sul, o Congresso Nacional Africano (ANC), tem uma longa história de comparação entre o tratamento dado por Israel aos palestinianos e o tratamento dado aos negros sul-africanos durante o apartheid.A reação de Israel
Israel reagiu furiosamente quando o pedido foi apresentado, qualificando-o de “infundado” e de “calúnia de sangue”. O país afirma que está a agir em legítima defesa para proteger os israelitas, destruindo o Hamas.
O porta-voz do Governo israelita frisou que “o Estado de Israel comparecerá perante o Tribunal Internacional de Justiça para dissipar a absurda querela de sangue da África do Sul, uma vez que Pretória dá cobertura política e legal ao regime violador do Hamas”.
Na véspera do arranque do processo, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, publicou um vídeo em que afirma que Israel está a lutar contra o Hamas, e não contra a população palestiniana, e que está a agir em total conformidade com o direito internacional. "Israel não tem qualquer intenção de ocupar permanentemente Gaza ou de deslocar a sua população civil".
Além disso, Netanyahu revelou que se opunha aos apelos dos membros de direita do seu Governo, incluindo o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, para que os palestinianos deixem Gaza voluntariamente, abrindo caminho para que os israelitas se instalem no local.
Na rede social X, Netanyahu escreveu: "Eu quero deixar alguns pontos absolutamente claros: Israel não tem intenção de ocupar permanentemente Gaza ou deslocar sua população civil".
"I want to make a few points absolutely clear:
— Prime Minister of Israel (@IsraeliPM) January 10, 2024
Israel has no intention of permanently occupying Gaza or displacing its civilian population.
Israel is fighting Hamas terrorists, not the Palestinian population, and we are doing so in full compliance with international law. pic.twitter.com/amxFaMnS0P
A antecipar as audiências no tribunal da Haia, acrescentou: "Israel está a combater os terroristas do Hamas, não a população palestiniana, e estamos a fazê-lo em total conformidade com o Direito Internacional".
O que se vai passar na Haia?
As equipas jurídicas terão o mesmo tempo para apresentar o seu caso - cerca de três horas - com a África do Sul a começar esta quinta-feira e depois Israel a responder na sexta-feira.
As audiências vão lidar exclusivamente com o pedido da África do Sul para uma ordem de emergência para que Israel suspenda a ação militar em Gaza enquanto o tribunal, também conhecido como o Tribunal Mundial, ouve os méritos do caso - um processo que pode levar anos.
O julgamento será reservado para uma data posterior, mas poderá ocorrer dentro de semanas.
No entanto, o Tribunal Internacional de Justiça não tem poderes para fazer cumprir as suas decisões e é possível que Israel ignore um acordo desfavorável. O processo pode arrastar-se durante vários anos.Fora do tribunal, Israel e a África do Sul tentarão também ganhar a batalha da opinião pública.
Israel está a organizar uma série de eventos na Haia, incluindo uma marcha pela paz, enquanto a África do Sul se prepara para apresentar no seu caso, exposições sobre os reféns israelitas ainda detidos pelo Hamas e entrevistas com os familiares dos reféns.