"Acordo obscuro". Israel vai fornecer dados médicos à farmacêutica Pfizer em troca de vacinas
O Governo israelita chegou a um acordo com a Pfizer onde o país se compromete a partilhar dados médicos com a farmacêutica norte-americana em troca de vacinas para combater a Covid-19. Os defensores do acordo argumentam que fará com que Israel seja o primeiro país a vacinar a maior parte da população e fornecerá dados relevantes sobre a pandemia para todo o mundo, nomeadamente sobre a imunidade de grupo. No entanto, os críticos mostram-se preocupados com possíveis violações da privacidade e um aprofundamento das desigualdades entre países no acesso às vacinas.
Estima-se que cerca de 70 por cento da população israelita com mais de 60 anos já tenha sido vacinada e o país começou, a 10 de janeiro, a distribuir a segunda dose da vacina. O objetivo de Israel é ter a maioria dos 9,3 milhões de habitantes vacinados até ao final de março, na altura das eleições. O plano de vacinação é o foco da campanha de reeleição do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, que procura, assim, desviar atenções do seu julgamento por corrupção.
De forma a conseguir manter este ritmo de vacinação e a atingir o objetivo, o país chegou a um acordo, a 6 de janeiro deste ano, com a farmacêutica Pfizer onde se compromete a partilhar um vasto conjunto de dados médicos em troca de vacinas.
Benjamin Netanyahu anunciou, no início deste mês, que o Governo tinha chegado a um acordo com o presidente executivo da Pfizer para acelerar as entregas de vacinas a Israel.
“Israel será um Estado modelo a nível global”, disse Netanyahu. “Israel irá compartilhar com a Pfizer e com todo o mundo dados estatísticos que ajudarão a desenvolver estratégias para derrotar o coronavírus”, acrescentou.
O ministro da Saúde de Israel, Yuli Edelstein, disse à Associated Press que o Governo irá enviar os dados à farmacêutica para “ver como isso influencia, em primeiro lugar, o nível da doença em Israel, a possibilidade de abrir a economia, diferentes aspetos da vida social e se existem quaisquer efeitos da vacinação”.
“Acordo obscuro”
Os defensores do acordo argumentam que pode permitir que Israel se torne o primeiro país no mundo a vacinar a maior parte da população e, ao mesmo tempo, providenciar investigações valiosas que podem ser úteis para o resto do mundo.
Por sua vez, os críticos defendem que o documento levanta grandes preocupações ao nível ético, incluindo possíveis violações de privacidade e um aprofundamento das desigualdades entre países no acesso às vacinas. Os críticos acusam os países ricos de estarem a esgotar o stock das vacinas e lembram que, em Israel, os mais pobres, incluindo os milhões de palestinianos, têm de esperar mais tempo para ter acesso à vacina contra a Covid-19.
“Este é um acordo obscuro que dá preferência a certos países em detrimento de outros sem qualquer transparência”, disse Lawrence Gostin, professor direito da saúde pública na Universidade de Georgetown, em Washington.
“No final, serão os países de baixo e médio rendimento que ficarão para trás”, sublinhou Gostin.
"Fracasso moral catastrófico"
No início deste mês, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, apelou às farmacêuticas e aos países mais ricos para “pararem de fazer acordos bilaterais”, afirmando que estes prejudicam o esforço de ampliar o acesso às vacinas.
Esta segunda-feira, Tedros Adhanom afirmou que o mundo "está à beira de um fracasso moral catastrófico" se os países ricos não partilharem vacinas contra a Covid-19 com os mais pobres.
"Tenho de ser franco: o mundo está à beira de um fracasso moral catastrófico, e o preço deste fracasso será pago com vidas e o sustento nos países mais pobres", disse, realçando que apenas 25 doses de vacina contra a Covid-19 foram administradas num país pobre. Em contrapartida, mais de 39 milhões de doses foram dadas em pelo menos 49 países ricos.
Segundo Tedros Adhanom Ghebreyesus, que fez uma longa intervenção, "a promessa" dos países ricos do "acesso equitativo" às vacinas "está em sério risco", com "alguns países e farmacêuticas a priorizarem acordos bilaterais", torneando a rede de distribuição universal Covax, "elevando os preços e tentando saltar para a fila da frente".
"Isto está errado", vincou, sustentando que, "em última análise", este tipo de ações vai "prolongar a pandemia".
O que diz o acordo?"Tenho de ser franco: o mundo está à beira de um fracasso moral catastrófico, e o preço deste fracasso será pago com vidas e o sustento nos países mais pobres", disse, realçando que apenas 25 doses de vacina contra a Covid-19 foram administradas num país pobre. Em contrapartida, mais de 39 milhões de doses foram dadas em pelo menos 49 países ricos.
Segundo Tedros Adhanom Ghebreyesus, que fez uma longa intervenção, "a promessa" dos países ricos do "acesso equitativo" às vacinas "está em sério risco", com "alguns países e farmacêuticas a priorizarem acordos bilaterais", torneando a rede de distribuição universal Covax, "elevando os preços e tentando saltar para a fila da frente".
"Isto está errado", vincou, sustentando que, "em última análise", este tipo de ações vai "prolongar a pandemia".
O acordo foi divulgado pelo Ministério da Saúde de Israel no domingo, com algumas partes rasuradas, mas o país já tinha anunciado a aquisição de milhões de doses da vacina anteriormente. O documento não é, por isso, transparente, não ficando claro quais as mudanças nas quantidades ou no ritmo de entrega das vacinas, ou se as doses extra acordadas foram desviadas de outros países.
O acordo diz, no entanto, que Israel está a contar com a Pfizer para entregar doses suficientes da vacina a um ritmo rápido o suficiente para permitir ao país alcançar a "imunidade de grupo". Segundo é avançado pelos meios de comunicação israelitas, a Pfizer deverá vir a fornecer entre 400 mil a 700 mil doses por semana a Israel.
Para além disso, nem o Governo israelita, nem a Pfizer anunciaram quanto Israel pagou pelas vacinas, embora o ministro da Saúde tenha apelidado o acordo de um “clássico win-win”. Os meios de comunicação avançam, porém, que Israel pagou um valor pelo menos 50 por cento superior ao dos outros países.
Apesar de todas estas dúvidas, o documento garante que “nenhuma informação de saúde identificável deve ser compartilhada entre as partes” e acrescenta que a investigação será publicada numa revista médica reconhecida.
De acordo com o documento, o Ministério da Saúde apenas se compromete a comunicar à Pfizer o número de casos confirmados de Covid-19 no país, internamentos, casos graves, pacientes que estão a receber apoio de ventiladores e casos sintomáticos por semana, para além do número de pessoas que já foram vacinadas. Muitas destas informações já são partilhadas publicamente pelo Ministério da Saúde diariamente.
Conforme declarado no acordo, o objetivo é “avaliar e analisar dados epidemiológicos decorrentes da aplicação do produto [Pfizer], para determinar se a imunidade de grupo é alcançada após ser atingida uma certa percentagem de vacinação em Israel”. Dado o sucesso do plano de vacinação no país, a farmacêutica considera que Israel é o país ideal para servir de “teste” e poder fornecer informações-chave ao resto do mundo.
“Os dados gerados têm como objetivo ajudar a pôr um fim à pandemia de Covid-19 para o benefício de todos os pacientes, dentro e fora de Israel”, decreta ainda o documento.
Os ativistas exigem, porém, “um pouco mais de rigor” sobre o que vai ser partilhado com a gigante farmacêutica.
Tehilla Shwartz Altshuler, especialista em privacidade digital do Instituto de Democracia de Israel, afirmou à agência Associated Press que partilhar grandes quantidades de informação pode colocar a privacidade dos cidadãos em risco, mesmo que o acordo garanta que serão anónimas.
“Se, Deus nos livre, o conjunto de dados for hackeado, então o risco será vosso”, disse Altshuler, dirigindo-se aos cidadãos israelitas.
Desde o início da pandemia, Israel registou mais de 551 mil casos de Covid-19 e mais de quatro mil mortes.
c/agências