Acordo nuclear com o Irão "não está morto" mas corre risco de vida

por Graça Andrade Ramos - RTP
deputados iranianos queimam uma bandeira dos EUA em pleno Parlamento após a retirada norte-americana do acordo nuclear iraniano Reuters

"O acordo não está morto". As palavras vêm de Paris mas podiam ter sido proferidas igualmente por Londres ou Berlim. Os líderes das três potências europeias mantêm uma frente unida, depois do Presidente dos Estados Unidos anunciar que retirou o país do acordo com Teerão sobre o seu programa nuclear.

O Presidente francês Emmanuel Macron, a chanceler alemã Angela Merkel e a primeira-ministra britânica Theresa May, assinaram mesmo um comunicado conjunto a prometer fazer tudo para manter o acordo - mesmo reconhecendo que em parte as preocupações levantadas por Donald Trump são legítimas.

Esta quarta-feira, o ministro francês dos Negócios estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, garantiu aos microfones da radio RTL que "o acordo não está morto".

"Existe uma retirada norte-americana do acordo mas o acordo ainda existe", acrescentou.

"Vamos encontrar-nos com os colegas britânicos e alemães, na próxima segunda-feira, e também com representantes do Irão, para analisarmos todas as situações possíveis", revelou igualmente Le Drian.
Entre a espada e a parede
Já esta tarde, Macron irá falar ao telefone com o Presidente iraniano Hassan Rouhani, acrescentou o ministro francês, para lhe garantir o compromisso francês com o acordado.

Donald Trump, ao denunciar o acordo com Teerão, ameaçou "qualquer nação que ajude o Irão na sua busca de armamento nuclear". "Pode igualmente ser alvo de fortes sanções pelos Estados Unidos. A América não vai ser refém de chantagem nuclear", afirmou.

As três potências europeias estão entre a espada e a parede. Querem garantir os fins pacíficos do programa nuclear iraniano e estão disposta a pagar por isso. Não só através do levantamento das sanções mas também com diversos acordos empresariais implementados nos últimos três anos e agora em risco devido à pressão americana.

Paris começou já a marcar reuniões para os próximos dias com empresas francesas que trabalham com o Irão e a estudar formas de atenuar o impacto sobre elas de eventuais sanções americanas.
Destino do acordo "é claro", diz Jafari
Problemas que levaram o líder dos Guardas da Revolução, o Major-General Mohammad Ali Jafari, a mostrar-se céptico sobre a capacidade europeia de manter o acordo funcional.

"Está claro que os europeus não podem decidir independentemente entre o Irão e a América e estão ligados à América", afirmou, citado pela agência iraniana Fars News.

"O destino do acordo iraniano é claro", vaticinou, implicando a sua dissolução.

Jafari acrescentou que a retirada dos Estados Unidos provou que a questão do enriquecimento do urânio não passou de uma desculpa para tentar limitar o programa de mísseis da República Islâmica e a sua influência regional, refere a Fars.

"Tendo em atenção o facto de que para o nosso inimigo a questão são as nossas capacidades militares, as forças armadas devem ter isso em atenção e expandir as suas capacidades", recomendou Jafari.

O Governo iraniano exprimiu terça-feira interesse em manter-se no acordo "no curto prazo", desde que as restantes partes do acordo, "bilateral, não multilateral", garantam o seu cumprimento - incluindo o levantamento das sanções.

Mas o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, ameaçou regressar ao enriquecimento de urânio "sem limites" se as negociações "nas próximas semanas" não tiverem o resultado esperado. A retirada norte-americana do acordo provocou cenas violentas de repúdio no Parlamento iraniano, com deputados a queimar uma bandeira americana e o presidente da Assembleia a referir-se à "falta de capacidade mental" de Trump.

May, Macron e Merkel tentam por água na fervura. Lembram em comunicado conjunto que o Irão tem estado a cumprir o acordo e que "em resultado disso o mundo é um lugar mais seguro", prometendo que o alívio das sanções a que o Irão tem direito irá prosseguir "enquanto cumprir os termos do acordo".
Ásia em pânico, promessas sauditas
Os mercados estão também a reagir em turbulência à reintrodução das sanções americanas ao Irão, sobretudo quanto às exportações do petróleo.

O país é o terceiro maior produtor de crude da OPEPe a sua economia é altamente dependente dos recursos petrolíferos. Logo no início desta quarta-feira, os preços do petróleo subiram mais de dois por cento nos mercados.

O barril de petróleo Brent para entrega em julho abriu em forte alta, a cotar-se a 76,64 dólares no Intercontinental Exchange Futures (ICE) de Londres, um máximo desde 2014 e mais 2,3% do que no encerramento da sessão anterior.

Na Ásia, várias empresas clientes do petróleo iraniano iniciaram medidas preventivas para uma futura escassez. E a Arábia Saudita, primeira exportadora da OPEP e arqui-rival regional do Irão, comprometeu-se a fazer tudo para impedir a quebra das reservas mundiais de ouro negro.

"O Reino (saudita) irá trabalhar com os principais produtores de petróleo, dentro e fora da OPEP, assim com com os principais consumidores, para limitar o impacto de qualquer penúria de fornecimento", declarou terça-feira à noite em comunicado o ministro sauduita da Energia.

Enquanto o mundo financeiro e empresarial se movimenta no novo tabuleiro de xadrez criado por Trump, Alemanha, França e Reino Unido avançam com palavras de contenção.
Comunicado a três
Num comunicado conjunto emitido após a decisão do Presidente norte-americano, as três potencias europeias "lamentaram" a decisão de Trump e apelaram à reverção da sua decisão.

"Este acordo permanece importante para a nossa segurança partilhada", afirmaram os três líderes, lembrando que o acordo foi "endossado unanimemente pelo Conselho de Segurança da ONU". "Esta resolução mantém-se o enquadramento legal internacional vinculativo para a disputa sobre o acordo nuclear iraniano", acrescentaram.

"Apelamos a todas as partes para se manterem comprometidas com a sua completa implementação, e agirem num espirito responsável", acrescenta o comunicado, apelando o Irão a "mostrar retenção na sua resposta" à decisão de Trump.

"Os nossos Governos mantêm-se empenhados em garantir que o acordo seja respeitado, e irão trabalhar com todas as restantes partes do acordo para garantir que ele se mantenha incluindo através da garantia da continuidade dos benefícios económicos ao povo iraniano que estejam ligados ao acordo".

Os três - referidos no Irão como os E3 - reconhecem contudo que as preocupações referidas por Donald Trump para justificar a retirada do acordo, têm de ser resolvidas, sublinhando que certas partes do acordo, assinado em 2015, irão expirar em 2025.

O acordo nuclear histórico, designado por Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA) foi assinado a 14 de julho de 2015 em Viena, na Áustria, ao fim de quase 12 anos de tentativas falhadas de negociação.

Em resumo, o acordo nuclear destina-se a evitar que o Irão consiga reunir o material necessário à produção de armas nucleares no período de pelo menos dez anos, reconhecendo ao mesmo tempo o direito dos iranianos a usufruírem um programa nuclear para fins pacíficos.
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