A comissária cessante para os Assuntos Internos lamentou concluir o mandato sem uma política comunitária mais forte para proteger as crianças vítimas de abusos sexuais e alertou que uma em cada cinco crianças são abusadas na Europa.
Para Ylva Johansson, o número de crianças abusadas sexualmente não são uma estatística, mas falta-lhes voz para denunciar: "Tenho a responsabilidade de falar por estas crianças, não têm voz, muitas vezes falamos de bebés".
Em entrevista à Lusa e outras agências de notícias, a comissária cessante para os Assuntos Internos lamentou que em cinco anos não tenha conseguido finalizar uma proposta para reforçar a proteção de crianças, especialmente online, a abusos sexuais. A proposta ainda está `pendurada` no Parlamento Europeu.
"Há uma pandemia online de violência sexual contra crianças", advertiu a comissária nomeada há cinco anos pela Suécia.
"Nestes cinco anos em que cá estive [na Comissão Europeia] os relatórios de violações de crianças duplicaram", completou.
De acordo com a comissária, "uma em cada cinco crianças são vítimas de abusos sexuais na Europa e um em cada dez rapazes estão constantemente expostos a estes abusos".
Só em 2022, na Europa foram identificados mais de cinco milhões de vídeos e fotografias de pornografia infantil: "Recentemente soubemos de um caso na Suécia de uma pessoa que trabalhava com crianças e que abusou de nove bebés".
O número de denúncias, provenientes de plataformas digitais, por exemplo, de redes sociais, que as enviam a uma organização norte-americana e que mapeia os casos identificados, aumentou, deplorou a comissária.
"Antigamente isto acontecia na dark web [parte da internet não acessível sem ferramentas digitais específicas e que é comummente utilizada para a prática de atividades criminosas], mas isso agora passou para os sistemas encriptados [WhatsApp, Telegram e outras plataformas semelhantes]", explicou Ylva Johansson.
E o relógio está a contar, advertiu.
"Se os colegisladores não chegarem a acordo sobre a regulação que eu propus, todo o tipo de deteção na União Europeia vai ser proibido em 2026", comentou.
Em causa está o método de deteção atualmente utilizado. As plataformas a partir de 2026 só poderão aceder a mensagens encriptadas para procurar vírus que afetem o seu funcionamento.
A decisão tem por base a proteção da privacidade dos consumidores, mas Ylva Johansson propõe que haja exceções e que seja analisada melhor essa proposta, já que para detetar casos de abusos sexuais e impedi-los, a polícia precisa de outros dados, nomeadamente o endereço IP (que dá a localização do computador ou dispositivo móvel utilizado para difundir o conteúdo criminoso).
"Caso contrário, vamos deixar as crianças na escuridão, isso é o pior que se pode fazer a uma criança. Estes vídeos estão a circular há anos, os piores momentos da vida de uma criança estão a circular durante anos", comentou.
E os abusos sexuais estão a crescer também em violência: "Nos últimos três anos, os abusos sexuais de categoria A, que é a violência de pior tipo, coisas sádicas, duplicaram. Online, 80% do material criminoso com abusos de crianças com menos de dois anos é de categoria A."
O tempo urge e a comissária já não terá possibilidade de ver avançar a legislação que propõe para "resgatar crianças", que inclui a centralização de informações das polícias para rastrear os abusadores online.
Mas Ylva Johansson deixou esta proposta no caderno de encargos do seu sucessor, o austríaco Magnus Brunner.