Abolição da pena de morte na Guiné Equatorial não é prioritária para o Governo - Investigadora
Lisboa, jul (Lusa) -- Uma especialista em estudos africanos declarou hoje que a abolição da pena de morte na Guiné Equatorial não é um tema prioritário para o Governo, que também não tem interesse em encerrar a repressão contra os cidadãos naquele país.
"O processo de abolição da pena de morte está suspenso e não há notícia de que uma avaliação para a sua abolição efetiva esteja realmente a ser feita. Não é um tema prioritário (do Governo equato-guineense)", afirmou à agência Lusa a investigadora Ana Lúcia Sá, especialista em temas africanos.
Hoje comemora-se os 150 da abolição da pena de morte em Portugal, país que, como a Guiné Equatorial, faz parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A investigadora do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI/ISCTE-IUL) disse que "há também que considerar que não há vontade política em acabar com a repressão" contra a população por parte do Governo da Guiné Equatorial.
"Acredito que (o Governo da Guiné Equatorial) poderá abolir a pena de morte", disse a doutora em Sociologia, sublinhando porém que só o tempo vai dizer se isso vai acontecer realmente.
"A pena de morte serve, por um lado, como um mecanismo interno de legitimação das possibilidades do regime para determinar a vida dos cidadãos, para que saibam que a sua vida depende de uma instância superior. Por outro lado, a abolição da pena de morte serve, politicamente, para legitimação junto de instâncias externas, como se pensou que seria o caso da CPLP. Não funcionou assim, porque na realidade a pena de morte continua sujeita a uma moratória apenas", disse ainda Ana Lúcia Sá.
A Guiné Equatorial aderiu à CPLP em julho de 2014, depois de ter aceitado cumprir um roteiro, que incluía a abolição da pena de morte -- que ainda não se verificou -- e a introdução do português como língua oficial.
A investigadora do CEI referiu que a CPLP "deveria pressionar para que o roteiro de adesão" da Guiné Equatorial seja cumprido.
De acordo com a especialista, a CPLP é "uma instituição que tem condições para granjear prestígio e gerar sinergias entre os diversos países que a compõem, desde as elites políticas até organizações da sociedade civil".
Em março, a CPLP informou que estava a concluir um projeto que prevê prestar assessoria técnica e jurídica à Guiné Equatorial para a abolição da pena de morte.
"Se a abolição da pena de morte era uma condição para a entrada que não foi observada no momento, já é hora de o ser. Tal como muitas outras questões que continuam a ser urgentes, como as detenções arbitrárias" dos cidadãos na Guiné Equatorial, sublinhou a investigadora.
"Só para dar dois exemplos recentes, Celestino Okenve, responsável por uma organização não-governamental dedicada a questões de cidadania, e Andrés Esono Ondo, secretário-geral do partido de oposição CPDS, foram detidos sem qualquer acusação formada", complementou.
O diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal (AI Portugal), Pedro Neto, disse à Lusa que, passados mais de dois anos da entrada da Guiné Equatorial na CPLP, a única coisa que mudou foi "o facto de não haver mais execuções naquele país devido à moratória da pena de morte".
"Entretanto, a legislação sobre a pena de morte ainda não mudou naquele país", sublinhou Pedro Neto, referindo que Portugal, que comemora os 150 anos da abolição da pena capital, poderia empenhar-se como "uma influência positiva" para que se faça um "trabalho efetivo" para abolir a pena de morte na Guiné Equatorial.
"Não é difícil fazer a lei para abolir a pena de morte, é fácil, visto que inclusivamente já há uma moratória" sobre a questão, afirmou Pedro Neto.
O número de execuções judiciais no mundo sofreu uma queda de 37% no ano passado, caindo de 1.634 mortes em 2015 para 1.032 em 2016, segundo o relatório divulgado pela Amnistia Internacional em abril deste ano. O número de países que impõem sentenças de morte diminuiu de 61 em 2015 para 55 em 2016.
O relatório global sobre a pena de morte e execuções da Amnistia Internacional (Amnesty Internacional Global Report - Death Setences and Execution - 2016) abrange o uso judicial da pena de morte entre janeiro e dezembro do ano passado.
A organização não-governamental (ONG) de direitos humanos refere que Irão (567), Arábia Saudita (154), Iraque (88) e Paquistão (87) se uniram à China (milhares de executados) como os cinco países que mais pessoas executaram no mundo.
Segundo Pedro Neto, estes cinco países concentram 87% das execuções no mundo.
A ONG divulgou ainda que 3.117 pessoas foram condenadas à morte em 55 países no ano passado. O número total de sentenças de morte sofreu um aumento significativo em relação a 2015 (1.998) e também a 2014 (2.466).
A AI só divulga os dados que efetivamente pode confirmar, "embora os números reais para alguns países possam ser mais elevados, como na China", o que preocupa muito a ONG que quer a clarificação e apresentação dos números reais de execuções, de acordo com Pedro Neto.