A negociação que levou a Turquia a aceitar a Suécia na NATO

por Graça Andrade Ramos - RTP
O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan e o primeiro-ministro da Suécia, Ulf Kristersson, apertam as mãos sob o olhar o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg Henrik Montgomery, TT News Agency, Reuters

Após meses de pressão ocidental e de resistência turca, Ancara acedeu entreabrir as portas à adesão da Suécia à NATO. A decisão do Presidente Recep Tayyip Erdogan explica-se com uma série de pequenas vitórias negociais alcançadas nos últimos dias.

Os resultados mais tangíveis da diplomacia incluem a modernização da frota turca de caças norte-americanos F-16, o fim do boicote militar imposto à Turquia pelos EUA, a anuência sueca para o não financiamento e apoio à resistência curda e de incremento de esforços contraterroristas com a Turquia, a par do reforço da cooperação económica bilateral entre Ancara e Estocolmo.

Por outro lado, Erdogan conseguiu apenas vagas promessas de ressurreição do dossier de adesão à União Europeia, engavetado desde 2016.

A abertura turca do alargamento da NATO à Suécia, permitiu em troca um canto de vitória do Presidente norte-americano, que sempre defendeu que a entrada dos suecos na Aliança era uma mera questão de tempo.

"Francamente, o que estou a tentar é formar uma espécie de consórcio, através do qual reforçamos a NATO em termos de capacidade militar tanto na Grécia como na Turquia e permitimos a entrada da Suécia", explicou sucintamente Joe Biden no domingo, numa entrevista à CNN.

Também no fim-de-semana, o Presidente turco tinha dado sinais de algum afastamento de Moscovo, ao entregar ao seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, de visita a Ancara, cinco comandantes da resistência na fábrica de Azovstal, capturados pela Rússia e confiados pelo Kremlin a Erdogan sob comprimisso de que ficariam detidos até ao fim da guerra.

Moscovo reagiu em termos fortes, considerando uma "violação dos acordos" a decisão turca de entregar os comandantes, que foram recebidos como heróis num reforço da popularidade de Zelensky.
Troca de telefonemas
A reunião de Biden, esta terça-feira, com o seu homólogo na capital turca, será o corolário de quase uma semana de esforços diplomáticos intensos, que viram o secretário de Estado Antony Blinken a falar pelo menos três vezes em cinco dias com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Hakan Fidan.

Domingo foi a vez de Joe Biden telefonar diretamente a Erdogan, durante o seu voo a bordo do Air Force One a caminho da Europa e da Cimeira da NATO. E, segunda-feira, o conselheiro para a Segurança Nacional, Jake Sullivan, manteve contactos com responsáveis tanto da Turquia como da Suécia, em preparação para o encontro em Vilnius.

O resultado de toda esta atividade foi o anúncio, segunda-feira, do Presidente turco, de que iria propor à Grande Assembleia turca para "ratificar rapidamente" o Protocolo de Adesão da Suécia à NATO. Não foi contudo especificada qualquer data para esse compromisso.

Horas depois, foi a vez da Administração Biden revelar que irá avançar com a transferência de caças F-16 para a Turquia, enterrando o boicote à modernização das Forças Armadas turcas iniciado em 2020, depois de Ancara ter comprado à Rússia em 2019 o sistema de defesa S-400.

"Estou pronto a trabalhar com o Presidente Erdogan e a Turquia no reforço da defesa e dissuasão na área euro-atlântica", referiu o Presidente dos EUA em comunicado, segunda-feira.
A cartada de Erdogan
Noutro sinal de que o acordo entre os EUA e a Turquia foi crucial para desbloquear a adesão da Suécia, o Pentágono revelou que o secretário da Defesa norte-americano falou esta terça-feira ao telefone com o seu homólogo turco, Yasar Guler, sobre a modernização militar das forças armadas turcas.

O boicote militar de 2020 imposto à Turquia ao abrigo da legislação norte-americana de combate aos adversários da América, através de sanções, marcou a primeira vez que um aliado NATO foi castigado desta forma. A lei, conhecida como CAATSA, foi instaurada em 2017 sob Donald Trump e tinha sido aplicada apenas ao Irão, à Coreia do Norte e à Rússia.

A guerra na Ucrânia e o pedido de adesão sueco à Aliança Atlântica acabaram por forçar Washington a ceder e a abandonar as sanções.

Galip Dalay, um analista ligado ao Conselho do Médio Oriente para os Assuntos Globais, afirmou à Al Jazeera que essa foi sempre a estratégia de Erdogan.

"As expetativas de Ancara quanto aos F-16 por parte de Washington foram evidentes neste processo desde o primeiro dia", referiu Dalay. "No entanto, a Turquia também procurou uma normalização geral e melhoria nas suas relações com os países da União Europeia e com os EUA em geral através do processo da Suécia, usando-o como uma alavanca".
Suécia cedeu, UE nem por isso
Os esforços turcos junto dos europeus obtiveram resultados marginalmente menos satisfatórios para Ancara.

A Suécia conseguiu comprovar que havia implementado as exigências turcas, nomeadamente na alteração da sua Constituição e no endurecimento de legislação quanto ao financiamento e ao apoio civil a organizações curdas.

Um ano de negociações, entre Ancara e Estocolmo, resultou na aproximação dos dois países quanto às "preocupações securitárias turcas", como lhes chamou o secretário-geral da Aliança, Jens Stoltenberg, sobretudo através da manutenção de conversações bilaterais mais a NATO, que para o efeito anunciou a criação do cargo de Coordenador Especial para o Contra Terrorismo.

Agora, a Suécia ecoou ainda os compromissos firmados na Cimeira de Madrid em 2022, ainda por implementar, quanto a prosseguir os seus esforços de contra terrorismo após a sua entrada na Aliança. E reiterou que não irá providenciar apoio financeiro aos grupos armados curdos.

Galip Dalay afirmou que o objetivo de Erdogan a médio prazo é levar a um efeito dominó nos países da EU, que os leve a alterar a sua legislação sobre terrorismo e a considerar terroristas os grupos assim designados por Ancara.

O Presidente turco conseguiu ainda, no acordo assinado com a Suécia, promessas escritas de reanimação das conversações sobre a adesão da Turquia à União Europeia. Estocolmo comprometeu-se a “apoiar ativamente os esforços para revigorar o processo de acesso” turco à EU.

Tal apoio irá refletir-se especificamente em duas áreas caras à Turquia, a liberalização da emissão de vistos europeus para cidadãos turcos e a modernização dos acordos fronteiriços EU-Turquia, que datam de 1996 e que Bruxelas tem considerado suficientes.

Erdogan teve menos sucesso, contudo, na tentativa de colar a adesão da suécia à NATO à entrada da Turquia na União Europeia. A ideia, avançada pelo Presidente turco logo na segunda-feira, foi rejeitada sem hesitação por Berlim e por Washington.

Marwan Kalaban, diretor de análise política do Centro Árabe para a Pesquisa de Estudos Políticos de Doha, considerou que Recep Tayyip Erdogan não esperava outra reação.

Ele "tentou retirar o mais possível da Suécia, da EU e dos EUA", referiu à Al jazeera. Mas, acrescentou, Ancara não podia exigir muito mais e arriscar alienar o Ocidente, numa altura em que a Turquia enfrenta uma das suas piores crises económicas das últimas décadas.
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