"A epidemia de coronavírus era evitável", argumenta infeciologista espanhol

por RTP
Reuters

Oriol Mitjà, que lidera uma investigação para parar a transmissão do novo coronavírus, considera que o avanço da epidemia era evitável e acusa as autoridades espanholas de negligência e de falharem as previsões epidemiológicas na gestão da crise. "O país está na unidade de cuidados intensivos. Há que mudar o médico que o atendeu antes que não haja outra solução", defende Mitjà.

O infeciologista conduz na Catalunha um estudo para interromper a cadeia de transmissão do novo coronavírus, usando um antiviral nos casos positivos e um outro antimicrobiano nas pessoas que contactaram com os infetados. Ao longo de semanas de investigação, não poupou críticas aos gestores de saúde. No Twitter, pediu a demissão do comité de emergência espanhol, depois de ter alertado para o elevado risco de transmissão.

Em entrevista ao El País, é duro nas palavras e não tem dúvida que esta crise sanitária era evitável. “Houve falta de antecipação e incapacidade de fazer previsões epidemiológicas de uma epidemia evitável”, considerando que houve “negligência”.

Sempre nos disseram que era impossível chegarem casos importados. Quando chegaram, disseram que não haveria casos locais. Quando surgiram os casos locais, disseram que podiam parar as cadeias de transmissão com ferramentas de saúde públicas muito débeis, como o isolamento de casos e contactos. No final, a epidemia cresceu”, argumenta. “A mensagem de calma foi prejudicial a uma planificação adequada”, reforça.
Espanha regista nas últimas 24 horas, mais 1987 casos e 149 mortos. No total, são 11.178 casos e 491 mortos.
Sobre o que falhou, não é taxativo. “Parece que, desde o momento inicial, não tivemos capacidade de fazer a análise epidemiológica detalhada para compreender a situação”, acusando as autoridades de só olharem para os números do dia a dia, em vez de prever.

“Para poderes sobrepor-te a uma epidemia destas características, necessitas de te colocar à frente da epidemia. Parece que andámos sempre arrastados, atrás da epidemia”, diz Oriol Mitjà.

Aponta três erros: 1) incapacidade de fazer previsões; 2)erro de comunicação, que foi opaca e impediu gestores e planificadores sanitários de se prepararem e de tomarem decisões antes da crise chega. 3)Dúvidas na hora de tomar decisões críticas, sem perder tempo em reuniões;
O investigador diz que as estratégias “contundentes” de outros países foram essenciais.
“Nos últimos três dias começou-se a tomar medidas, mas a situação é grave porque deixamos a epidemia avançar demasiado”, afirma, lembrando a falta de material médico, o excesso de pessoas nos hospitais, um crescimento incessante do número de casos.

Agora, as medidas que se exigem são mais agressivas e serão insuficientes as que foram tomadas ontem”, continua.

Dá exemplos do que pode ser feito, como decretar o fim de todos os transportes públicos, sobretudo entre cidades, porque aumenta o risco de propagação em diferentes regiões.

“Há que parar todo o trabalho, mesmo que seja feito um esforço económico, vale a pena fazer o sacrifício agora para não prolongar a agonia”, refere.

“Se fizermos as coisas bem, em duas semanas poderemos reduzir a transmissão significativamente”, afirma Mitjà, lembrando que nesse tempo, a China conseguiu reduzir a taxa de reprodutividade básica em 55%”, considera.

“O país está na unidade de cuidados intensivos. Há que mudar o médico que o atendeu antes que não haja outra solução”. Continua a comparação dizendo que o médico inicial “cometeu erros” e tem de ser mudada a equipa dirigente, tal como o plano de ação.

O infeciologista diz que este coronavírus veio para ficar. Agora, é o momento mais crítico, porque pouco se conhece, não temos mecanismos para responder nem para criar ainda ferramentas para o combater, como fármacos ou vacinas.

A expetativa é que o calor do Verão traga uma redução dos níveis de incidência e que, no Inverno, se possa estar mais preparados, com mais ferramentas de combate.
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