Viticultores que este sábado fizeram questão de ir votar defendem uma "Casa do Douro forte", que defenda os pequenos e médios produtores e que ajude a impedir que mais uvas fiquem por vindimar.
Hoje decorrem as eleições para a direção e conselho regional da Casa do Douro, as primeiras depois da sua restauração, pelo parlamento, como associação pública de inscrição obrigatória.
Há dois candidatos à direção, a lista A é liderada por Manuela Alves e a lista B por Rui Paredes. Em simultâneo os 18.655 viticultores/eleitores inscritos elegem 51 conselheiros do conselho regional.
"Não se admite passarmos todo ano de roda das uvas para depois chegar a altura e ficar com ela penduradas nas videiras", afirmou Alfredo Fernandes, de 80 anos e residente na Magalhã, concelho de Sabrosa, que falava à Lusa em São Martinho de Anta, concelho de Sabrosa.
O viticultor disse que na última vindima deixou uvas na vinha e até deu algumas a amigos e vizinhos da aldeia. "Tenho 30 pipas, só posso meter 10, perdi muito dinheiro e os sulfates é preciso pagá-los", frisou.
O filho, José Carlos Teixeira, 58 anos, reside em Vila Real e ia votar também a São Martinho de Anta mas ao chegar à mesa de voto percebeu que não era ali o local certo e teve que ir à vila sede de concelho.
O pequeno viticultor defendeu que seria "muito mais prático" se todos pudessem votar onde quisessem. "Assim não, temos que andar a saltaricar e as pessoas chegam a um certo ponto, chateiam-se e não votam. Desmotiva", referiu.
Também José Carlos Teixeira disse que é "importante mudar para ver se o Douro vai para a frente".
"Isto está muito mal a nível de viticultura, este ano ficaram uvas na vinha, preço não se sabe a como é que vão pagar, está uma lástima. Era preciso uma Casa do Douro entregue aos lavradores (...) Este ano houve pessoas a venderem a pipa de vinho a 80 euros, isso é alguma coisa? Não dá para o sulfate, quanto mais para o corte ", defendeu.
Filipe Brigas, presidente da Junta de Freguesia de Abaças, em Vila Real, também teve de ir votar a São Martinho de Anta."Por incrível que pareça sou habitante de Abaças, tenho vinhas em Abaças, mas como tenho a maior área em Paradela de Guiães tenho que ir votar a São Martinho, é incrível", frisou, salientando que nem conhece os candidatos pelo seu local de voto.
São Martinho de Anta tem 115 eleitores inscritos. Em Abaças há 321.
Purificação Varela, 70 anos, foi das primeiras a votar em Abaças. "Eu acho muito importante vir votar para ver se há alguém que defenda a gente e os do Estado não façam tudo o que eles querem", frisou, salientando que os seus pais criaram sete filhos com os rendimentos da agricultores e que "hoje nem dá para comer".
Arménio Lopes, 72 anos é de Vilarinho do Tanha e foi também votar a Abaças com a esperança que a situação no Douro melhore. "Era bom que a coisa se compusesse porque na minha aldeia, ali em baixo, houve muito lavrador que deixou as uvas nas videiras e isso é mau para a economia, afeta tudo", afirmou.
A organização do processo eleitoral foi muito criticada, quer pelos candidatos, quer também por eleitores e alguns autarcas. A maior parte das 76 mesas de voto estão instaladas nas juntas de freguesia.
Filipe Brigas disse que, até hoje, este foi o ato eleitoral "mais confuso" a que assistiu, apontando a falta de informação, de coordenação, a indefinição na composição das mesas e até mesmo os cadernos eleitorais que só foram entregues na sexta-feira às 16:00, quando lhe foi dito que seriam três dias antes.
Considerou ainda que a comissão eleitoral empurrou "tudo para as juntas".
"No início houve um bocadinho de falta de organização, como iam ser feitas as eleições, as pessoas para as mesas, mas também é verdade que já não há eleições para a Casa do Douro há muitos anos e é normal que isso aconteça", referiu José Gonçalves, presidente da Junta de São Martinho de Anta.
Entre as reclamação apresentadas hoje, segundo fontes das candidaturas, está documentação a informar que a mesa encerra às 17:00, quando o horário é das 14:00 às 18:00.
A Lusa questionou a comissão eleitoral, por escrito, sobre como está a decorrer o processo eleitoral, mas até ao momento não obteve resposta.
Depois de votar no Candedo, Murça, Manuela Alves, que encabeça a lista A, disse esperar que com o cair do dia a afluência às urnas aumente, depois dos viticultores terminarem os trabalhos no campo, voltando a criticar a "falta de empenho e desinteresse total" da comissão eleitoral por este ato eleitoral.
Rui Paredes, pela lista B, votou em Favaios, Alijó, e apelou à participarão dos viticultores nas eleições de hoje, considerando que a Casa do Douro precisa "do respaldo" de uma forte votação para se reerguer.
Criada em 1932 para defender os viticultores, a organização viu alterados os estatutos para associação privada de inscrição voluntária em 2014 e, dez anos depois, volta a ter uma dimensão pública.