O movimento dos talibã. Quem são, como chegaram aqui e o que pretendem

por Lusa
Um combatente talibã em Ghazni, Afeganistão, a 14 de agosto de 2021 Reuters

Em poucos meses o movimento talibã assumiu o controlo de todo o Afeganistão e entrou este domingo em Cabul. Aguardam apenas uma "transição pacífica" para regressarem ao poder que perderam em 2001.

 Os seguidores de uma interpretação extremista do Islão governaram o país de 1996 a 2001, impondo uma interpretação radical da sharia (lei islâmica).

Quem são, como chegaram aqui e o que pretendem? Uma história breve de quase 40 anos.

Estudantes de religião

Em 1994, o movimento dos talibãs ("estudantes" em língua afegã) aparece no Afeganistão, um país devastado pela guerra contra os soviéticos (1979-1989) e que enfrenta uma luta fratricida entre os `mujahidine` ("combatentes" islâmicos) depois da queda em 1992 do regime comunista em Cabul.

Formados nas madrassas (escolas corânicas) no vizinho Paquistão, onde estes muçulmanos sunitas se refugiaram durante o conflito com os soviéticos, os talibãs têm então como líder o misterioso mullah Mohammad Omar, morto em 2003.

Hoje o movimento é dirigido por Haibatullah Akhundzada, enquanto o mullah Abdul Ghani Baradar, também conhecido como Baradar Akhund e cofundador do grupo, dirige a ala política e é o principal negociador dos talibãs nas conversações em Doha com o governo afegão.

Como a maioria da população afegã, são essencialmente da etnia pashtun, a que tem dominado o país quase continuamente nos últimos dois séculos.

Pashtun ou afegão é também uma das línguas nacionais do Afeganistão a par do dari (persa afegão).

Ascensão fulgurante

Prometendo restabelecer a ordem e a justiça, os talibãs têm uma ascensão fulgurante no país, com o apoio do Paquistão (onde os pashtuns são uma das maiores etnias) e a aprovação tácita dos Estados Unidos.

Em outubro de 1994, tomam quase sem combates a antiga capital real do Afeganistão, Kandahar (sul).

Com um arsenal militar e um tesouro de guerra, que lhes permite comprar os comandantes locais, encadeiam as conquistas territoriais até Cabul, que tomam a 27 de setembro de 1996.

Destituem o Presidente Burhanuddin Rabbani e executam em público o ex-presidente comunista Najibullah.

O comandante Ahmed Shah Massud, herói da resistência anti-soviétiva, recua para o vale do Panshir, a norte de Cabul, onde organiza a oposição armada aos talibãs. O designado "leão do Panshir", líder da Aliança do Norte, será assassinado pela rede terrorista Al-Qaida a 9 de setembro de 2001.

Regime de terror

No poder, os talibãs impõem rigidamente a `sharia`, proibindo jogos, música, fotografia, televisão. As mulheres deixam de poder trabalhar e as escolas para raparigas são encerradas.

Mãos de ladrões cortadas, assassinos executados em público, homossexuais esmagados sob uma parede de tijolos, mulheres adúlteras apedrejadas até à morte: as suas punições são denunciadas e a destruição com dinamite dos Budas gigantes de Bamyan (centro), em março de 2001, provoca clamor internacional.

A sede do poder muda para Kandahar, onde o mullah Omar vive reclusivo numa casa construída pelo líder da Al-Qaida, Usama bin Laden.

O território dos talibãs (que controlarão até 90% do Afeganistão) torna-se um santuário para os `jihadistas` do mundo inteiro, que treinam no país, incluindo a Al-Qaida.

Capitulação

Depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, realizados pela Al-Qaida, Washington e os seus aliados da NATO lançam a 7 de outubro de 2001 uma vasta operação militar após a recusa do regime talibã de entregar Bin Laden.

A 6 de dezembro, o regime capitula. Os seus líderes fogem juntamente com os da Al-Qaida para o sul e leste do país, mas também para o Paquistão.

Rebelião sangrenta

Os atentados e as emboscadas contra as forças armadas ocidentais multiplicam-se.

A missão de combate da Força Internacional de Apoio à Segurança (ISAF na sigla em inglês) da NATO, concluída no final de 2014, é substituída pela de formação, aconselhamento e assistência, denominada Apoio Resoluto. As forças de segurança afegãs combatem sozinhas os talibãs e outros grupos insurgentes, com o apoio da Força Aérea norte-americana.

Em julho de 2015, o Paquistão acolhe as primeiras negociações diretas entre Cabul e os talibãs, apoiadas por Washington e Pequim. O diálogo é curto.

Ao mesmo tempo é criado o braço afegão do grupo extremista Estado Islâmico, rival dos talibãs, que reivindica uma série de atentados sangrentos.

Acordo histórico

Em meados de 2018, os norte-americanos e os talibãs iniciam negociações discretas em Doha, interrompidas várias vezes após ataques dos rebeldes contra tropas dos Estados Unidos no Afeganistão.

A 29 de fevereiro de 2020, Washington assina um acordo histórico com os talibãs, prevendo a retirada dos soldados estrangeiros do Afeganistão em troca de garantias ao nível da segurança e da abertura de negociações entre os rebeldes e o governo em Cabul.

Retirada norte-americana e ofensiva talibã

A 8 de julho de 2021, o Presidente norte-americano, Joe Biden, declara que a retirada final das suas forças, iniciado em maio, estará "concluída a 31 de agosto".

Os talibãs, que iniciaram uma ofensiva em maio, logo após o início da retirada dos soldados estrangeiros, chegaram hoje, 15 de agosto, às portas de Cabul, depois de terem assumido o controlo da maior parte do país sem encontrar muito resistência.

O governo afegão prometeu uma transição de poder pacífica.

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