Em poucos meses o movimento talibã assumiu o controlo de todo o Afeganistão e entrou este domingo em Cabul. Aguardam apenas uma "transição pacífica" para regressarem ao poder que perderam em 2001.
Os seguidores de uma interpretação extremista do Islão governaram o país de 1996 a 2001, impondo uma interpretação radical da sharia (lei islâmica).
Quem são, como chegaram aqui e o que pretendem? Uma história breve de quase 40 anos.
Estudantes de religião
Em 1994, o movimento dos talibãs ("estudantes" em língua afegã) aparece no Afeganistão, um país devastado pela guerra contra os soviéticos (1979-1989) e que enfrenta uma luta fratricida entre os `mujahidine` ("combatentes" islâmicos) depois da queda em 1992 do regime comunista em Cabul.
Formados nas madrassas (escolas corânicas) no vizinho Paquistão, onde estes muçulmanos sunitas se refugiaram durante o conflito com os soviéticos, os talibãs têm então como líder o misterioso mullah Mohammad Omar, morto em 2003.
Hoje o movimento é dirigido por Haibatullah Akhundzada, enquanto o mullah Abdul Ghani Baradar, também conhecido como Baradar Akhund e cofundador do grupo, dirige a ala política e é o principal negociador dos talibãs nas conversações em Doha com o governo afegão.
Como a maioria da população afegã, são essencialmente da etnia pashtun, a que tem dominado o país quase continuamente nos últimos dois séculos.
Pashtun ou afegão é também uma das línguas nacionais do Afeganistão a par do dari (persa afegão).
Ascensão fulgurante
Prometendo restabelecer a ordem e a justiça, os talibãs têm uma ascensão fulgurante no país, com o apoio do Paquistão (onde os pashtuns são uma das maiores etnias) e a aprovação tácita dos Estados Unidos.
Em outubro de 1994, tomam quase sem combates a antiga capital real do Afeganistão, Kandahar (sul).
Com um arsenal militar e um tesouro de guerra, que lhes permite comprar os comandantes locais, encadeiam as conquistas territoriais até Cabul, que tomam a 27 de setembro de 1996.
Destituem o Presidente Burhanuddin Rabbani e executam em público o ex-presidente comunista Najibullah.
O comandante Ahmed Shah Massud, herói da resistência anti-soviétiva, recua para o vale do Panshir, a norte de Cabul, onde organiza a oposição armada aos talibãs. O designado "leão do Panshir", líder da Aliança do Norte, será assassinado pela rede terrorista Al-Qaida a 9 de setembro de 2001.
Regime de terror
No poder, os talibãs impõem rigidamente a `sharia`, proibindo jogos, música, fotografia, televisão. As mulheres deixam de poder trabalhar e as escolas para raparigas são encerradas.
Mãos de ladrões cortadas, assassinos executados em público, homossexuais esmagados sob uma parede de tijolos, mulheres adúlteras apedrejadas até à morte: as suas punições são denunciadas e a destruição com dinamite dos Budas gigantes de Bamyan (centro), em março de 2001, provoca clamor internacional.
A sede do poder muda para Kandahar, onde o mullah Omar vive reclusivo numa casa construída pelo líder da Al-Qaida, Usama bin Laden.
O território dos talibãs (que controlarão até 90% do Afeganistão) torna-se um santuário para os `jihadistas` do mundo inteiro, que treinam no país, incluindo a Al-Qaida.
Capitulação
Depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, realizados pela Al-Qaida, Washington e os seus aliados da NATO lançam a 7 de outubro de 2001 uma vasta operação militar após a recusa do regime talibã de entregar Bin Laden.
A 6 de dezembro, o regime capitula. Os seus líderes fogem juntamente com os da Al-Qaida para o sul e leste do país, mas também para o Paquistão.
Rebelião sangrenta
Os atentados e as emboscadas contra as forças armadas ocidentais multiplicam-se.
A missão de combate da Força Internacional de Apoio à Segurança (ISAF na sigla em inglês) da NATO, concluída no final de 2014, é substituída pela de formação, aconselhamento e assistência, denominada Apoio Resoluto. As forças de segurança afegãs combatem sozinhas os talibãs e outros grupos insurgentes, com o apoio da Força Aérea norte-americana.
Em julho de 2015, o Paquistão acolhe as primeiras negociações diretas entre Cabul e os talibãs, apoiadas por Washington e Pequim. O diálogo é curto.
Ao mesmo tempo é criado o braço afegão do grupo extremista Estado Islâmico, rival dos talibãs, que reivindica uma série de atentados sangrentos.
Acordo histórico
Em meados de 2018, os norte-americanos e os talibãs iniciam negociações discretas em Doha, interrompidas várias vezes após ataques dos rebeldes contra tropas dos Estados Unidos no Afeganistão.
A 29 de fevereiro de 2020, Washington assina um acordo histórico com os talibãs, prevendo a retirada dos soldados estrangeiros do Afeganistão em troca de garantias ao nível da segurança e da abertura de negociações entre os rebeldes e o governo em Cabul.
Retirada norte-americana e ofensiva talibã
A 8 de julho de 2021, o Presidente norte-americano, Joe Biden, declara que a retirada final das suas forças, iniciado em maio, estará "concluída a 31 de agosto".
Os talibãs, que iniciaram uma ofensiva em maio, logo após o início da retirada dos soldados estrangeiros, chegaram hoje, 15 de agosto, às portas de Cabul, depois de terem assumido o controlo da maior parte do país sem encontrar muito resistência.
O governo afegão prometeu uma transição de poder pacífica.