Samuel Barata vai participar na maratona olímpica a 10 de agosto Foto: AFP

Entrevista a Samuel Barata. "Uma medalha olímpica para a realidade portuguesa é algo extraordinário"

No dia 10 de agosto, Samuel Barata estará em Paris para correr a maratona olímpica. Antes dos 42 quilómetros de uma vida, o atleta do Benfica teve várias semanas e meses de trabalho pela frente até alcançar os mínimos para poder estar na capital francesa, capital olímpica em 2024. Em entrevista à RTP, Samuel Barata fala das dificuldades, de todo o trabalho realizado, do apoio que tem a seu lado e faz um apelo aos portugueses para apoiarem os atletas olímpicos portugueses.


Veja aqui a entrevista completa a Samuel Barata

Pergunta: Como é que descreves o caminho que trilhaste até teres os mínimos para Paris2024?

Samuel Barata:
O caminho para estar em Paris2024 foi um caminho, se pensarmos bem, é um caminho traçado desde o meu início na modalidade, desde os meus 10, 11 anos, em que comecei no clube da minha terra, que é o Clube Desportivo Nação Cultural da Bouça.

Com a minha vinda para Lisboa aos oito anos e mudança para o Benfica e foi-se construindo ano após ano. Conquistei e melhorei sempre os meus resultados e melhorei o meu nível. Em 2020, depois 2021, não fui aos Jogos Olímpicos.

Agora em 2024, consegui a marca de qualificação na maratona. Foi este o percurso, foram vários meses, vários treinos que fiz juntamente com o meu grupo de treino, com o meu treinador e também com um grande apoio dos meus clubes, dos meus patrocinadores.

Conseguimos fazer um grande trabalho e consegui chegar à marca de qualificação para estar presente em Paris, agora, no mês de Agosto.

Tendo em conta todo esse trabalho desenvolvido, no dia 10 de agosto vai estar na Maratona em Paris. Quais são os teus objetivos para esse dia?

Samuel Barata: Tenho objetivos em mente, é claro, mas também tenho consciência de que não sou o atleta favorito. Vão estar 80 atletas à partida. Neste momento tenho a quinquagésima marca dos atletas inscritos. Há um lote de 10, 20 atletas favoritos, nomeadamente atletas africanos.

Depois os atletas restantes são atletas muito parecidos, com marcas muito semelhantes. A Maratona nos Jogos Olímpicos é uma maratona muito especial e esta [de Paris] é ainda mais porque é uma maratona com um percurso muito difícil, muito exigente. Vai ter uma altimetria que não é muito comum, vai ter muito sobe e desce, porque optaram em fazer a maratona a ir a Versailles e a voltar. E para quem não conhece Versailles, fica num alto, aliado ao calor e pode ser uma maratona em que vai haver surpresas.

Uma maratona deste género pode ser uma oportunidade, porque um atleta não favorito como eu, pode fazer um resultado muito fora daquilo do que é expectável.

O meu grande objetivo é ficar na primeira parte da tabela., Acho que um top 40, um top 30 seria uma classificação muito razoável. Claro que estou a trabalhar e a treinar para mais e isto é desporto e às vezes os favoritos não ganham e os menos favoritos fazem grandes resultados e estou a trabalhar para isso.

Como tens sentido o apoio do teu treinador, do teu clube e do Comité Olímpico Português?

Samuel Barata:
Têm sido incansáveis. No ano de 2024, desde que obtive a marca de qualificação, tenho tido um grande apoio de todas e esta sendo uma modalidade individual eu tenho um conjunto de pessoas à minha volta e que estão dispostas a trabalhar comigo e neste sentido não me posso queixar. Todas as entidades que estão à minha volta são incansáveis e agora só tenho de continuar a trabalhar até à maratona para chegar à minha melhor forma possível para também contribuir esse trabalho que as entidades à minha volta fizeram para estar no meu melhor.

Sem dúvida que foram incansáveis e continuam a ser.

A dada altura foste treinar para o estrangeiro. Quais foram as grandes diferenças que sentiste para o treino cá em Portugal e como achas que o treino te melhorou para o futuro?

Samuel Barata
: Esta é uma modalidade difícil, a maratona é uma modalidade que exige muito treino, não só físico mas também mental e por vezes a nossa mente limita-nos muito a nossa capacidade física.

Em Portugal estamos muito limitados porque, no fundo, a nossa competitividade interna não é assim tão alta, temos poucos atletas. Os que temos, somos bons mas somos poucos atletas e por isso, às vezes, temos que procurar grupos de treino ou locais de treino onde estão alguns do melhores atletas ao nosso nível ou melhores do que nós.

E a questão mental mostra que os melhores atletas são melhores, em teoria, e vamos treinar com eles e vemos que treinam ao nosso nível ou treinam ainda menos e depois pensamos “porque é que não conseguimos resultados tão bons?”.

E foi isto que tentei procurar nos últimos anos e por isso tenho ido para estágios, nomeadamente no Quénia, onde estão alguns dos melhores atletas da Europa e do mundo que treinam para grandes maratonas e ter a oportunidade de treinar com eles e conviver com eles e perceber que eu treino tão bem ou melhor do que eles e penso porque não posso também fazer grandes resultados.

Dá-me gozo eles saberem quem eu sou e num estágio haver os melhores atletas que sabem que há um português, ou portugueses, que estão na luta. E é isto que tento procurar e acho que é esse o caminho, porque todos os países procuram isso e não é fácil porque é muito caro.
É preciso uma aposta muito pessoal para obter este tipo de estágios mas depois quando o resultado aparece, vale tudo a pena.

Quais são as principais dificuldades para conseguir continuar a competir, especialmente em Portugal?

Samuel Barata:
Essa é a parte mais difícil, quando o atleta está numa fase em que ainda não ganha muito dinheiro num clube ou com um patrocínio e sabe que tem de fazer essa aposta para os seus resultados evoluírem e ter o retorno.
É muito difícil acreditar nessa aposta. Há muitos atletas que apostam uma vez, às vezes os resultados não aparecem logo e acabam por desistir. É preciso que haja essa aposta mas também esse investimento e por vezes esse investimento é gastar-se dinheiro que não se tem.

Por vezes tenta-se arranjar dinheiro para ir para estágio ou para ir a uma competição lá fora e as coisas não correm tão bem e acabam por desistir mas sem dúvida que há uma grande diferença destas modalidades individuais e o futebol, que gera muito dinheiro e é uma aposta mais coletiva e depende muito do clube onde estamos.

Aqui [na maratona] é uma aposta mais individual, é aquilo que a gente quer, é preciso ter sorte no nosso meio, com o treinador, com o grupo de treino.

É complicado mas acho que agora as redes sociais ajudam a dar esse “boost” porque toda a gente sabe onde os melhores atletas estão a treinar e isso motiva um atleta português, se quer resultados, a ir para esse sítio e é assim que agora funciona o atletismo, especialmente na distância de fundo e meio fundo e é só assim que se consegue ter resultados.

Uma maratona tem 42 quilómetros. O que pensa um atleta quando corre esta distância?

Samuel Barata:
Essa é a pergunta cliché. Durante 42 quilómetros, são duas horas a correr e corremos rápido, com um ritmo relativamente rápido para a distância que é e o meu pensamento é o foco, que é estar focado no ritmo, tentar que o ritmo não abrande, ver situações de corrida: se há um ataque e depois de cinco em cinco quilómetros há abastecimentos e é preciso apanhar o abastecimento e beber a água e os quilómetros vão passando.

Quanto mais rápido vou mais fácil é a prova. Quando começa a doer, a partir dos 30, 25 quilómetros, um quilómetro demora muito tempo a passar. Aí, o mindset é tentar que o ritmo não baixe e dar tudo, temos um objetivo em mente, temos as pessoas a torcer por nós, temos de agarrar no pensamento no trabalho de semanas, meses e lutar quando está a doer para chegar à meta e obter a melhor marca possível.

É isso que eu penso: o foco e a concentração de estar a correr rápido e ir o mais descontraído possível e quando começar a doer ter uma força mental para chegar à meta o melhor possível.

Paris tem uma grande comunidade de portugueses. Esperas que estejam muitos por lá a dar o seu apoio?

Samuel Barata:
Sim, estarão muitos portugueses nos Jogos Olímpicos. É uma oportunidade de ouro para Portugal assistir aos Jogos Olímpicos porque as próximas duas edições vão ser em Los Angeles e em Brisbane, na Austrália.

Acredito que vai estar muita gente em Paris, no mês de Agosto, e sobretudo na minha prova. Vai haver muitas subidas e vai haver uma muito dura ao 29.º quilómetro, parece uma subida de ciclismo, o que é raro acontecer numa maratona.

Nessa subida vai estar muita gente a apoiar e de certeza que aquele apoio vai ser fundamental para os próximos 13 quilómetros.

No pós-desporto. Consegues imaginar-te a continuar no atletismo quando terminares a carreira ou pensas que será complicado?

Samuel Barata:
O atletismo a partir dos 30 anos tem de ser ano a ano. As lesões começam a aparecer, as dores começam a surgir e temos de pensar ano a ano e preparar uma pós-carreira.

Eu estudei, tirei uma licenciatura em química só que como me tornei profissional, tenho a noção de que perdi o comboio.

No entanto, ter um curso superior é sempre uma vantagem, porque cria sempre algum conhecimento e acredito que esse conhecimento pode vir a ajudar no meu pós-carreira. Se me vejo a trabalhar em química no meu pós- carreira a resposta é não sei.

Como perdi o comboio vai ser um bocado difícil apanhá-lo. Como estou muito ligado ao atletismo e ao desporto, também estou a adquirir muito conhecimento não só no atletismo mas no desporto em geral. Não sei qual é o futuro imediato mas provavelmente, quando acabar a alta competição irei ficar na modalidade e ajudar com tudo aquilo que aprendi nestes anos.

Até poderei tirar outro curso superior, poderei ser treinador, ser dirigente, quem sabe, e tentar ajudar os mais novos que agora estão a surgir.

Como achas que o Comité Olímpico Português está a preparar estes Jogos Olímpicos e como achas que vão ser os resultados da missão portuguesa?

Samuel Barata:
Acho que o Comité tem preparado os jogos como tem preparado outros nos últimos anos.
Em termos de resultados, acho que pode haver algumas surpresas, positivas e negativas.

Temos de pensar nisto: há três medalhas e Portugal está a competir com países com orçamentos e com uma cultura desportiva completamente diferentes.

Uma medalha custa muito dinheiro. E temos de ter noção disso. Uma medalha olímpica é muito dinheiro, é muito investimento e conseguir uma medalha para o atletismo, para a natação para a canoagem, num país de dez milhões de pessoas com uma mentalidade muito fraca de desporto, em que 95 por cento é só futebol, acho que estamos a fazer muitas omeletes sem ovos.

Temos de pensar no geral, o que é o sucesso ou o insucesso e pensar que uma medalha olímpica para a realidade portuguesa é algo extraordinário e temos muito que pensar nisso.

Que apelo fazes aos portugueses que queiram ir a Paris ou que já lá estejam?

Samuel Barata:
Espero que nos venham apoiar, o apoio é fundamental. E estarem lá a ver outras modalidades é uma maneira de enriquecerem desportivamente e culturalmente e só pedia 20 por cento do apoio que dão ao futebol.

Que apoiem os atletas olímpicos. Há atletas que se vão superar, há atletas que vão fazer grandes resultados, como há atletas que vão estar aquém mas isso faz parte por isso temos de apoiar não só no sucesso como no insucesso e perceber que não estamos a correr sozinhos, os outros países também estão lá.