Hóquei em patins. Parede FC na I divisão com alma e coração

por Inês Geraldo e Nuno Patrício - RTP
João Salgado é o presidente do Parede Foot-Ball Clube Nuno Patrício - RTP

Fundado em 1928, o Parede Foot-Ball Clube já conta com quase um século. Com maior incidência nas modalidades de patinagem, o clube de Cascais joga este ano a I Divisão de hóquei em patins de Portugal, considerada "a melhor liga do mundo". O desafio é grande. Entre trabalho, treinos e jogos, esta equipa amadora compete todas as semanas mostrando amor pela modalidade e ao clube e apesar do objetivo ser a permanência no principal escalão do hóquei português, presidente e staff não esquecem o papel cívico do Parede FC na comunidade local e o foco na formação de jovens, os adultos de amanhã.

Quinta-feira, 14 de outubro, 19h30. O Pavilhão da Escola Secundária Fernando Lopes da Graça está preparado para receber o treino da equipa sénior do Parede FC. À espera da equipa da RTP já está o capitão de equipa. Ricardo Rocha foi formado no clube, sabe os obstáculos que tiveram de ser ultrapassados para alcançar o patamar máximo do hóquei e mostra-se consciente das dificuldades para o Parede conseguir a manutenção.

“[A I Divisão] está a correr-nos bem. Ao fim ao cabo é uma realidade diferente, nenhum de nós teve passado na I divisão. O ritmo competitivo é completamente diferente, nós treinamos essencialmente de noite, temos as nossas vidas e acompanhar o ritmo da I Divisão é algo complicado mas se tivermos que fazer o balanço, está a ser positivo. Temos duas vitórias com duas equipas muito boas, temos uma vitória fora de casa, que é muito difícil ganhar fora, especialmente no Norte. Estamos a evoluir aos poucos”.

Para uma equipa amadora, o Parede necessita de gerir as horas de treino dos seus jogadores. A maioria dos atletas trabalha ou estuda durante o dia e só pode estar em contacto com o rinque de patinagem mais para o fim da tarde. Ricardo Rocha garante que o clube facilita a gestão entre os dois mundos, permitindo que também não seja perdido tempo em família.

No entanto, o capitão declarou que a equipa joga por gosto, por amor à camisola, e assume que “nunca será uma desculpa não sermos profissionais”. Sobre os objetivos da temporada, Ricardo Rocha é perentório: “São dois. O primeiro é aguentar a equipa na I Divisão que é para isso que trabalhamos. O segundo é ficar na I Divisão e ter mérito em ficar, ou seja, conseguir disputar todos os jogos, que é o que tem acontecido até agora”.

A 14 de julho deste ano, a equipa de Cascais garantiu o acesso à I Divisão e dez dias depois derrotou o Marinhense para se sagrar campeão da II Liga de hóquei patins portuguesa. “Saliento que o Marinhense até ali não tinha perdido nenhum jogo, tinha tido apenas empates”.

Sobre as diferenças que vê de uma divisão para a outra, Ricardo Rocha explica que o ritmo competitivo é completamente diferente, um ritmo que a equipa ainda tenta alcançar. “A maneira como se executa é diferente, o jogo é mais fluído e no ano passado isso não acontecia”.
Uma equipa que vale pelo coletivo apesar das adversidadesO Parede leva sete jornadas disputadas na I Divisão. O balanço até agora pode ser considerado positivo. Duas vitórias (uma fora, em Braga) e cinco derrotas, com resultados em que a diferença de golos foi escassa, tal como aconteceu nas partidas frente à Oliveirense (5-4) e FC Porto (5-3), dois históricos do hóquei nacional. O resultado mais desnivelado aconteceu com Óquei de Barcelos, outro histórico português.

Pedro Gonçalves está há mais de uma década no Parede e é o técnico mais novo da I Divisão. Conhece os cantos à casa e diz que se a equipa está a surpreender alguém é porque não se tem a devida noção do trabalho aplicado em todos os treinos.

“Tenho a certeza absoluta que muita gente nos dava como despromovidos, como uma das equipas mais fracas deste campeonato. Só fica surpreendido quem não está connosco todos os dias, porque este grupo de trabalho trabalha muito, esforça-se muito, supera-se muito. Sem dúvida que somos uma equipa que vale mais pelo coletivo do que pelas individualidades”.

O técnico de 30 anos lembra que tem de ser feita uma gestão rigorosa porque todos os jogadores têm vidas profissionais fora do rinque. Pedro Gonçalves define os seus jogadores com uma só palavra: profissionalismo. Quer o grupo preparado para todos os jogos e trata dos treinos como se “fosse a primeira tarefa do dia”.

Ser uma equipa amadora entre algumas das melhores do mundo não pode ser uma desculpa para o técnico, realçando que no dia em que o amadorismo se tornar desculpa, o trabalho não está a ser bem feito.

“É uma gestão que é um grande desafio mas não sou muito de me agarrar a desculpas, as coisas são o que são, nós sabíamos como isto ia ser. Portanto, só temos é que nos adaptar”.

Sobre o objetivo principal da equipa não existem dúvidas: a manutenção na I Divisão. Pedro Gonçalves fala de um campeonato em que é complicado amealhar pontos mas acredita que o trabalho a longo prazo vai dar frutos. Ter uma equipa competente e que sabe como vai afrontar cada partida é o início de algo que o técnico acredita que pode vir a trazer a manutenção.

“Acho que o processo está a fazer sentido. A equipa está cada vez mais unida, mais consistente, mais consolidada e acredito que isso vai dar uma consequência natural que é nós estarmos na luta pela manutenção. O objetivo competitivo passará sempre por ficar na I divisão”, continuou.

E fala também das diferenças de divisões no hóquei enfatizando o “impacto da falha”. Erros que no passado poderiam não custar resultados podem agora significar derrotas e Pedro Gonçalves acredita que a I Divisão expõe muito mais as fragilidades da equipa do que as suas qualidades.
Foto: Nuno Patrício - RTP

No entanto, o treinador destaca o hóquei positivo e fluído, com equipas preparadas, acima de tudo, para atacar a baliza adversária.

“E é claro que o nível de exigência é muito maior, o nível de qualidade é muito maior, tudo é muito maior: as assistências, os ambientes e é um gosto enorme estar na I divisão e ao fim de 11 anos neste clube é com um brilhozinho nos olhos que não minto que na I divisão é para jogar e é espetáculo garantido”.
Coordenação, liderança e experiência pela mão de Pedro NunesPoucos são os que não conhecem este nome no mundo do hóquei em Portugal. Um dos melhores treinadores portugueses, com vários títulos no currículo, é agora coordenador dos escalões de hóquei em patins do Parede FC. Primeiro destaca um projeto de clube, de algo muito maior que as modalidades, que também tem um papel fulcral na comunidade local, especialmente na junção de freguesias de Carcavelos e Parede, formando muitos jovens e permitindo aos mesmos a prática desportiva.

Pedro Nunes arrecadou passagens de sucesso pelo Benfica e pela seleção de Moçambique mas passou também pelos comandos técnicos de clubes como HC Sintra, Porto Santo, Candelária, Cascais ou Paço de Arcos.

O coordenador destacou que o aspeto técnico-tático tem de ser muito parecido aos clubes como o Paço de Arcos, Candelária ou Cascais. No entanto, garante querer replicar a estrutura organizacional que encontrou no Benfica. Um conhecimento de muitas temporadas que culminou com a subida do Parede FC à I Divisão, algo que não acontecia há 29 anos.

“No aspeto organizacional, da estrutura, de criar condições de trabalho no sentido em que as equipas do Parede possam ter as melhores condições para desenvolver as suas atividades, sem dúvida que o Benfica é um excelente exemplo. No aspeto técnico-tático acho que tenho de olhar para clubes que eu treinei, nomeadamente o Paços de Arcos, o Cascais, o Candelária. Acho que estão mais próximos desta realidade e acho que é nessa realidade que eu me devo focar”.

Para o futuro, o objetivo para o clube é concertado com capitão e treinador: a manutenção no primeiro escalão. “O sonho do Pedro Nunes é mesmo esse. É que o Parede fique na I Divisão e que se consolide definitivamente como um clube de I Divisão”.
Ponderação e serenidade na I Divisão e foco na responsabilidade social da formaçãoCom os olhos postos no trabalho da equipa principal mas sem esquecer as camadas jovens do clube que também treinam e representam o Parede pelo país fora. É assim que João Salgado se apresenta enquanto a RTP entrevista alguns dos intervenientes que levaram o clube à I Divisão.

Calmo, o presidente do Parede FC mostra grande envolvimento em todos os aspetos do clube, demonstrando grande afinidade com jogadores de todas as idades e escalões. À RTP dá explicações sobre o que é o Parede FC e o que significa para a comunidade local. Antes, fala da realidade da equipa na principal liga de hóquei em patins, com uma equipa a não entrar em excessos de confiança, tendo sempre o futuro do clube presente, quer seja na I Divisão, quer seja na II.

Lembrando que o Parede é um projeto que assenta, fundamentalmente, na formação, João Salgado fala de um projeto “sedimentado” que levou o clube do concelho de Cascais até à I Divisão. “Vamos encarando sempre com muita serenidade, com muita calma, com muita ponderação, jogo a jogo, e lutando, obviamente, para nos mantermos na I Divisão”.

Os maiores obstáculos na direção de um clube amador são na sua maioria financeiros, algo que a pandemia de covid-19 veio agravar.

“As grandes dificuldades são desde logo a nível financeiro, ou seja, manter uma estrutura desta dimensão tem custos. E, infelizmente, em Portugal há o futebol e os outros desportos no que diz respeito a patrocínios. É preciso pagar impostos, é preciso manter postos de trabalho, manter o sustento de negócios que são familiares e por isso, nessa perspetiva tem havido muitas dificuldades”.

O presidente do clube fala de dificuldades mas destaca também a “carolice” de muitos que lutam pela camisola do Parede FC todos os dias por amor às modalidades de patinagem e não esquece que se trata de um projeto que vive dos jovens que forma, aqueles que se tornarão nos adultos de amanhã.

“Não nos podemos esquecer que um clube como o nosso vive dos jovens que forma, que são os homens e mulheres de amanhã a quem temos a obrigação de deixar um mundo melhor e prepará-los através da prática desportiva e da formação desportiva para encararem os desafios da vida”.

Para o futuro, a manutenção continua a ser um objetivo. É comum, desde o jogador que trabalha, treina e joga aos fins-de-semana, até ao presidente quererem o sucesso do clube no maior palco nacional.

No entanto, João Salgado destaca que o Parede FC como clube amador que é deve manter um papel ativo na sociedade local. E com a abertura dos recintos desportivos depois de muito tempo fechados devido à covid-19, o dirigente pede o apoio dos adeptos da casa para darem força a uma equipa e recém-promovida que se quer manter na alta-roda do hóquei em patins.

“O Parede é um clube com mais de 90 anos de história, fortemente enraízado na comunidade. Agora, com a reabertura dos espaços desportivos ao público, no primeiro jogo houve uma grande adesão dos nossos adeptos e sócios. O primeiro já com a casa a 100 por cento, voltou a ser muito bom, muito vivido, muito participado pela comunidade local e, portanto, aquilo que é o nosso grande desejo é mantermos este enraizamento e esta proximidade à comunidade e fazer com que as famílias dos nossos mais de 200 atletas sintam que têm no Parede um porto de abrigo para a formação dos seus filhos”, concluiu.
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