Plano de Macron para reconhecer Estado palestiniano aplaudido pelo Hamas e criticado por Israel

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Filip Singer - EPA

O presidente francês, Emmanuel Macron, admitiu na quarta-feira que a França deverá reconhecer o Estado da Palestina em junho. O anúncio está a provocar reações antagónicas, tanto no plano internacional, como dentro da esfera política francesa. O Hamas recebeu com satisfação o anúncio de Macron, considerando-o um “passo importante”. Já Israel critica o que vê como uma “recompensa ao terrorismo”.

Em entrevista ao canal France 5, na quarta-feira, Macron admitiu reconhecer o Estado da Palestina em junho. A decisão poderá ser formalizada durante a conferência co-presidida com a Arábia Saudita, em Nova Iorque, em junho.

"Devemos caminhar para o reconhecimento [do Estado palestiniano] e é assim que avançaremos nos próximos meses", declarou o presidente francês.

Com esta medida, Macron explica que quer criar uma “dinâmica coletiva” e levar outros países a reconhecer o Estado palestiniano, ao mesmo tempo que espera pressionar também os países que não reconhecem o Estado de Israel a tomarem essa atitude.

"Vou fazê-lo (...) porque acredito que em algum momento será o mais correto e porque também quero participar numa dinâmica coletiva, que deverá permitir a todos aqueles que defendem a Palestina que reconheçam Israel por sua vez, o que muitos deles não fazem", observou o chefe de Estado.

Na opinião de Macron, isto permitirá a Paris uma clarificação na luta "contra aqueles que negam o direito de Israel existir, como é o caso do Irão, e comprometermo-nos com a segurança coletiva na região". Em 2020, os Acordos de Abraão levaram ao reconhecimento de Israel pelos Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos. Mas muitos países do Golfo ainda não o fizeram, como a Síria, o Líbano, a Argélia e a Tunísia.

A Arábia Saudita, que também tinha iniciado negociações para uma aproximação a Israel, suspendeu-as após o início da guerra em Gaza, tornando qualquer reconhecimento condicional à criação de um Estado palestiniano.
Hamas saúda "passo importante"
O anúncio de Macron foi bem recebido pelo Hamas, que considerou-o um “passo importante” que constituiria um progresso para os direitos palestinianos.

"A França, como país com influência política e membro permanente do Conselho de Segurança, tem a capacidade de orientar soluções justas e de pressionar para o fim da ocupação e para a concretização das aspirações do povo palestiniano", disse à AFP Mahmoud Mardawi, líder do movimento islâmico-palestiniano.

A Autoridade Palestiniana também aplaudiu o anúncio de Emmanuel Macron. Em declarações à AFP, a ministra dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Varsen Aghabekian Shahin, considerou que o reconhecimento por parte da França "seria um passo na direção certa, consistente com a defesa dos direitos do povo palestiniano e a solução de dois Estados".
Israel denuncia “recompensa ao terrorismo”

Do lado de Israel, a notícia não foi recebida de bom grado, uma vez que a solução de dois Estados continua a ser rejeitada pelo primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. O ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, Gideon Saar, criticou as intenções de Macron, considerando que será uma “recompensa ao terrorismo”.

Saar defende que um “reconhecimento unilateral” de um “Estado palestiniano fictício” será “uma recompensa ao terrorismo e um impulso para o Hamas”.

“Este tipo de ações não trará paz, segurança e estabilidade à nossa região, antes pelo contrário: só as afastará ainda mais”, escreveu o ministro israelita na rede social X na quarta-feira.
Classe política francesa dividida
A questão está também a dividir opiniões entre a classe política francesa. Para o antigo presidente socialista François Hollande, se este passo permitir o duplo reconhecimento de Israel e de um Estado palestiniano, será um "bom processo".

O líder do Partido Socialista, Olivier Faure, também apoia a decisão de Emmanuel Macron, considerando que representa uma forma de "pressionar" um governo de extrema-direita “que demonstrou a sua desumanidade durante muitos meses".

"Finalmente. Após quase dois anos de genocídio em Gaza, a França está finalmente a considerar reconhecer o Estado da Palestina", reagiu Mathilde Panot, líder dos deputados de esquerda radical, na rede social X.


Também a favor, a presidente da Assembleia Nacional, Yaël Braun-Pivet, desejou "avançar nesta solução de dois Estados", mas com "garantias de segurança para ambos os Estados".

Contra esta medida está o vice-presidente do partido de extrema-direita Rassemblement National (RN), Sébastien Chenu, que considera “prematuro” qualquer reconhecimento de um Estado palestiniano.

Embora o RN seja "a favor de dois Estados", o Estado palestiniano é hoje "apoiado pelo Hamas" - uma organização classificada como terrorista pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por Israel em particular - explicou. "Isto envia um sinal: 'Cometa terrorismo e nós reconheceremos os seus direitos'", acrescentou.
147 países reconhecem o Estado palestiniano
Os apelos a uma "solução de dois Estados", com os palestinianos ao lado de Israel, têm aumentado desde o início da guerra em Gaza, desencadeada pelo ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro de 2023.

Atualmente, 147 países reconhecem o Estado palestiniano, mas entre eles estão apenas quatro nações europeias. A Suécia foi o primeiro a tomar essa decisão, em 2014. Dez anos depois, a Irlanda, Noruega, Espanha e Eslovénia tomaram a mesma posição. Mas a maioria dos países da Europa Ocidental, nomeadamente potências como a Alemanha, Itália, França e Reino Unido, estão fora desta lista.

Portugal é um dos países da União Europeia que não reconhecem o Estado da Palestina. 

Embora muitos políticos defendam a solução de dois Estados, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, rejeitou avançar para o reconhecimento unilateral do Estado da Palestina.

Em janeiro deste ano, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, reiterou que o Governo mantém a posição de não reconhecer o Estado palestiniano. “É um passo simbólico, outros reconheceram e nada aconteceu”, argumentou.

O presidente francês espera abrir um precedente, seguindo o exemplo da Irlanda, Noruega, Espanha e Eslovénia, e assim avançar para uma "solução de dois Estados" para a Palestina e Israel.

A França sempre foi a favor de uma solução de dois Estados, mas resistiu aos apelos para reconhecer um Estado palestiniano, argumentando frequentemente que Paris só o faria se isso servisse ao processo de paz. No entanto, o ano passado, o presidente Macron garantiu que o "o reconhecimento de um Estado palestiniano não é um tabu para a França" .

Para o Governo francês, o reconhecimento do Estado da Palestina “não se trata apenas de uma questão simbólica ou de posicionamento político, mas de uma ferramenta diplomática a serviço da solução de dois Estados convivendo lado a lado, em paz e segurança”, segundo explicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

c/agências
PUB