Morticínio durante distribuição de ajuda em Gaza gera indignação internacional

por Cristina Sambado - RTP
Haitham Imad - EPA

Mais de 100 pessoas morreram durante uma entrega de ajuda humanitária no norte de Gaza. Os palestinianos responsabilizam as forças israelitas pelo massacre. Israel admite ter causado cerca de uma dezena de mortos e afirmou que os restantes morreram atropelados. O caso levantou uma vaga de indignação internacional e de apelos à responsabilização do Estado hebraico.

A tragédia ocorreu no mesmo dia em que o Hamas anunciou que mais de 30 mil pessoas tinham sido mortas no território desde o início da guerra.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, mostrou-se "chocado" com os acontecimentos de quinta-feira, que "condenou", e apelou a "uma investigação independente eficaz" para identificar os responsáveis.
Antena 1

O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se de emergência no mesmo dia, à porta fechada, para discutir o assunto.Segundo a ONU, 2,2 milhões de pessoas - a grande maioria da população da Faixa de Gaza - estão ameaçadas de fome, em especial no norte, onde os palestinianos relataram ter comido forragens ou abatido animais de tração para se alimentarem.

Esta sexta-feira, Emmanuel Macron expressou a "mais veemente condenação" pelas mortes de civis "visados por soldados israelitas", apelando à "verdade" e à "justiça".

Macron voltou ainda a apelar a um cessar-fogo imediato em Gaza.

Já o ministro francês dos Negócios Estrangeiros pediu a realização de um inquérito independente. "Quero ser muito claro hoje, vamos exigir explicações e terá de haver um inquérito independente para determinar o que aconteceu", afirmou Stéphane Séjourné.

Os Estados Unidos também exigiram "respostas" a Israel, com Joe Biden a afirmar que o seu país iria analisar as "versões contraditórias".

Para o presidente norte-americano, a tragédia de quinta-feira poderá complicar as negociações para uma nova trégua antes do início do Ramadão, o mês de jejum sagrado para os muçulmanos, que começa a 10 ou 11 de março.
É "provável" que não haja acordo até segunda-feira, disse Biden, embora anteriormente esperasse um cessar-fogo até 4 de março.Há semanas que os mediadores internacionais - Catar, Estados Unidos e Egito - tentam obter um acordo para uma trégua de seis semanas, combinada com a libertação de reféns e prisioneiros palestinianos detidos por Israel, bem como a entrada em Gaza de uma grande quantidade de ajuda humanitária.

Também Pequim condenou "veementemente" a morte de cerca de uma centena de pessoas durante uma distribuição de ajuda em Gaza. "A China está profundamente triste com este incidente e condena-o vigorosamente", declarou à imprensa a porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning, quando questionada sobre o assunto.

"A China exorta as partes envolvidas, em particular Israel, a decretarem um cessar-fogo e a porem imediatamente termo aos combates", acrescentou Mao Ning, apelando a que "garantam seriamente a segurança dos civis e assegurem que a ajuda humanitária possa entrar (em Gaza), a fim de evitar uma catástrofe humanitária ainda maior".

A Autoridade Palestiniana, que tem a sua sede na Cisjordânia ocupada, "condenou um terrível massacre cometido pelas forças de ocupação".

o alto representante para a Política Externa e Segurança da União Europeia, Josep Borrell, fala numa “nova carnificina” e mortes “totalmente inaceitáveis”.

“Estou horrorizado com relatos de mais uma carnificina entre civis em Gaza que estavam desesperados por ajuda humanitária. Estas mortes são totalmente inaceitáveis”, escreveu Borrell na rede social X.


Vários países do Golfo Árabe também expressaram a sua condenação, incluindo o Catar, que condenou "o odioso massacre cometido pela ocupação israelita contra civis indefesos".

A Turquia denunciou "um crime contra a humanidade".
Israel nega ataque contra comboio humanitário O exército israelita negou na quinta-feira ter atacado um comboio humanitário no norte de Gaza, afirmando que os militares estavam a garantir a segurança dos camiões, e garantiu que Israel não limita a ajuda destinada aos palestinianos.

Não houve qualquer ataque das Forças de Defesa de Israel [FDI] sobre esta ajuda. As FDI estavam a conduzir uma operação humanitária”, afirmou o porta-voz do exército israelita Daniel Hagari, numa conferência de imprensa.

Antes, fontes israelitas tinham admitido à agência France-Presse ter disparado munições reais contra a multidão. 

Segundo o contra-almirante, “infelizmente, dezenas de mortos e feridos” resultaram de “um incidente”, ocorrido ao início da manhã, em que “milhares de habitantes de Gaza começaram a empurrar violentamente” os camiões de ajuda humanitária e “a pilhar os bens humanitários”.

As FDI, sublinhou, “estavam a garantir a segurança do corredor humanitário para que o comboio humanitário pudesse chegar ao destino, no norte de Gaza” – uma operação que os militares fizeram nas últimas quatro noites” e, até aqui, “sem qualquer problema”.

Durante esta operação humanitária, descreveu, “uma multidão emboscou o comboio, obrigando-o a parar”, enquanto os tanques israelitas “tentaram dispersar a multidão com tiros de aviso”.

“As centenas [de pessoas] tornaram-se milhares e os tanques retiraram-se de forma cautelosa e segura, [com os militares] a arriscar as suas próprias vidas e sem disparar sobre a multidão”, disse Hagari. As forças israelitas, garantiu, “agiram de acordo com a lei internacional”.

“A nossa guerra é contra o Hamas, não contra o povo de Gaza (…). Reconhecemos o sofrimento [dos civis]”, disse o representante do exército, que garantiu que Israel está a procurar “formas de expandir esforços humanitários” no enclave palestiniano.
“Uma carnificina”

Um médico do hospital de al-Shifa afirmou à agência France Presse que os soldados israelitas tinham disparado contra "milhares de cidadãos" que se precipitavam para os camiões de ajuda humanitária na cidade de Gaza.

Também em declarações à France Presse, uma testemunha que pediu anonimato afirmou que "os camiões de ajuda aproximaram-se demasiado de alguns tanques do exército que se encontravam na zona e a multidão, milhares de pessoas, invadiu os camiões". Os soldados "dispararam então contra a multidão porque as pessoas estavam a aproximar-se demasiado dos tanques".

No mesmo dia, o Ministério da Saúde do Hamas anunciou um novo balanço de 30.035 mortos e 70.457 feridos, a maioria civis, na Faixa de Gaza desde 7 de outubro.
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