Rússia duplicou receitas de combustíveis fósseis desde o início da guerra na Ucrânia

por Joana Raposo Santos - RTP
A União Europeia importou combustíveis russos no valor de 44 mil milhões de euros nos dois meses de guerra na Ucrânia. Reuters

A Rússia praticamente duplicou as receitas provenientes da venda de combustíveis fósseis a países da União Europeia desde 24 de fevereiro, quando iniciou a ofensiva militar contra a Ucrânia. Se, por um lado, o número de vendas destes combustíveis caiu nos últimos dois meses, por outro os preços aumentaram a nível global - e Moscovo, que originou essa subida ao invadir o país vizinho, está a sair beneficiada.

Sessenta e dois mil milhões de euros é o valor recebido pela Rússia durante os dois meses de guerra na Ucrânia pelas exportações de petróleo, gás e carvão, segundo uma análise ao transporte de cargas aéreas pelo Centro de Investigação de Energia e Ar Limpo (CREA, na sigla original).

Só a União Europeia importou combustíveis no valor de 44 mil milhões de euros neste período, contrastando com os 140 mil milhões na totalidade do ano passado, ou seja, 12 mil milhões por mês. Significa isto que o valor mensal das exportações russas quase duplicou, fixando-se neste momento em 22 mil milhões de euros.

Estes números revelam que Moscovo continua a beneficiar do seu controlo sobre o fornecimento de energia à Europa, apesar de múltiplos governos terem anunciado a intenção de impedir que o presidente russo, Vladimir Putin, usasse o petróleo e o gás como armas económicas.

Embora as exportações da Rússia tenham caído devido às sanções impostas na sequência da guerra, a escassez de matérias-primas – também impulsionada pelo arrastamento da pandemia de covid-19 – significou um aumento dos preços, o que explica o exorbitante aumento das receitas russas.

As exportações de petróleo russo para portos estrangeiros, por exemplo, caíram 30 por cento nas três primeiras semanas de abril, em comparação com os números de janeiro e fevereiro, antes da invasão da Ucrânia, segundo dados do CREA. Ainda assim, os lucros foram superiores em termos homólogos.
“Petróleo sujo de sangue”
O que acontece neste momento é um ciclo vicioso: sempre que Bruxelas impõe mais sanções a Moscovo, os preços aumentam; e, enquanto as nações europeias continuarem dependentes da energia russa, a própria Rússia sai a lucrar com esse aumento, mesmo que as exportações sejam menores.

“As exportações de combustíveis fósseis são um fator-chave para o regime de Putin e para muitos outros Estados desonestos”, considerou ao Guardian Lauri Myllyvirta, responsável do Centro de Investigação de Energia e Ar Limpo.

“As importações contínuas de energia são a grande lacuna nas sanções impostas à Rússia. Todos os que compram estes combustíveis fósseis são cúmplices das horrendas violações do direito internacional levadas a cabo pelos militares russos”, elucidou.

“As empresas que facilitam este comércio mortal demonstram que nada as faz parar de continuarem a lucrar com o petróleo sujo de sangue da Rússia”, concordou Louis Wilson, membro da organização de Direitos Humanos Global Witness.
Alemanha é o principal importador
Nos dois meses de guerra, a Alemanha foi o principal país importador, apesar de o Governo ter prometido que a redução da dependência da Rússia seria a prioridade número um. Berlim pagou cerca de nove mil milhões de euros por importações desde 24 de fevereiro.

Seguem-se a Itália e os Países Baixos, que importaram, respetivamente, 6,8 e 5,6 mil milhões de euros.

De acordo com os dados do CREA, algumas das gigantes da indústria petrolífera que continuam a importar elevados volumes de combustíveis fósseis russos são a BP, Shell e ExxonMobil.

Ao Guardian, um porta-voz da Shell garantiu que a empresa tomou ações decisivas em resposta à invasão russa da Ucrânia. “Anunciámos a nossa intenção de romper os negócios com a Gazprom [maior exportadora de gás da Rússia] e outras entidades”, argumentou a empresa.

Já a Exxon disse “apoiar os esforços internacionais coordenados para trazer o ataque das Rússia a um fim e cumprir com todas as sanções”. “Não fizemos novos contratos sobre produtos russos desde o início da invasão da Ucrânia” nem “iremos investir em novos desenvolvimentos na Rússia”, assegurou a empresa.
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