Mulheres russas exigem regresso dos maridos mobilizados

por Cristina Sambado - RTP
Stringer via Reuters

Um grupo de mulheres russas está a criticar publicamente as autoridades russas. Os maridos estão entre os 30 mil reservistas mobilizados, em outubro de 2022, pelo presidente russo para a guerra na Ucrânia.

Reunidas numa sala nos arredores de Moscovo exigem o regresso dos maridos a casa.

Quando é que os nossos maridos serão considerados como tendo cumprido o dever militar? Quando regressarem sem braços e pernas? Quando não puderem fazer nada porque são vegetais? Ou temos de esperar que sejam enviados em caixões de zinco?”, questiona Maria. Segundo o correspondente da BBC em Moscovo, Steve Rosenberg, as mulheres conheceram-se através das redes sociais e formaram o grupo The Way Home. Têm opiniões diferentes sobre o conflito. Umas apoiam a guerra e outras mostram-se céticas em relação à “operação militar especial” do Kremlin. O que as une é a convicção de que os maridos mobilizados já cumpriram a sua quota-parte no combate e devem regressar a casa para junto das famílias.

Na Rússia, as críticas públicas aos temas relacionados com a guerra são um risco. A maioria dos oradores escolhe as palavras com muito cuidado. Sabem que existe atualmente no país uma série de leis que punem a dissidência. No entanto, a frustração é palpável.

“Para começar, confiámos no nosso governo", afirma Antonina. "Mas será que devemos confiar neles agora? Eu não confio em ninguém".

Antonina diz que, desde que o seu companheiro foi convocado, não tem sentido muito apoio por parte das pessoas que a rodeiam. Quando ele recebeu os papéis de convocação, em outubro de 2022, pediu aos amigos para estarem atentos a Antonina.

"Há um ano, convidaram-me para celebrar o Ano Novo com eles", conta. "Mas, durante toda a noite, não pararam de me dizer que o meu marido era um idiota por ter ido para lá [para a Ucrânia]."

Antonina afirma que, apesar de lhe terem sido diagnosticadas úlceras no estômago, o marido foi destacado para uma unidade de assalto na Ucrânia. E que ele lhe telefonou no dia 4 de dezembro. "Estava a chorar. Estava assustado. Parecia que se estava a despedir".

"Há pessoas que querem combater. Que se oferecem para isso e assinam contratos", sublinha Antonina. "Deixem-nas lutar. Mas mandem-nos de volta os nossos maridos que não querem lá estar. Eles cumpriram o seu dever para com a pátria. Mandem-nos para casa”, implorou.

"Costumava ter um enorme respeito por Vladimir Putin. Agora sou mais neutral. Continuo a achar difícil acreditar que ele saiba que este tipo de coisas está a acontecer. Mas se ele realmente nos vê como traidoras e proscritas por querermos os nossos maridos de volta, não percebo porque é que ele tem esta atitude para com os cidadãos que em tempos votaram nele."Histórias partilhadas com crítico da guerraAs mulheres do grupo partilham as suas histórias com um conselheiro local, Boris Nadezhdin. Um crítico da "operação militar especial" desde o início, em fevereiro de 2022.

Curiosamente, Nadezhdin é um dos poucos críticos do governo de Vladimir Putin que tem sido autorizado a aparecer na televisão nacional desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. É um convidado ocasional em programas.

Neste momento, o político, que se está a tentar candidatar às eleições presidenciais, afirma que a guerra prejudicou a popularidade interna de Vladimir Putin.

"Putin era muito popular na Rússia porque, depois dos anos 90, trouxe estabilidade e segurança", afirmou Nadezhdin à BBC. "A estabilidade e a segurança eram a principal razão para apoiar Putin. Agora, cada vez mais pessoas já perceberam que a estabilidade e a segurança acabaram."

As mulheres russas que fazem campanha pelo regresso dos seus maridos, filhos ou irmãos mobilizados têm sido alvo de críticas de diferentes quadrantes. Os opositores do conflito condenam os homens por terem obedecido à ordem de mobilização e por terem participado na guerra.
“Fantoches do Ocidente”Os apoiantes do Kremlin retratam estas mulheres como “fantoches do Ocidente”.

Numa entrevista ao site de notícias Fontanka, o deputado russo Andrei Kartapolov, que dirige o comité de defesa da Duma russa, afirmou que o apelo à desmobilização era obra dos "inimigos [da Rússia]". Pareceu sugerir que os militares ucranianos ou a CIA estariam por detrás do apelo.

Kartapolov também invocou a Segunda Guerra Mundial. “Imaginem uma delegação de mulheres a chegar ao Kremlin no outono de 1942 e a dizer a Estaline: ‘Deixem os homens que foram convocados em 1941 ir para casa. Já estão a lutar há um ano’. Nunca ninguém teria pensado em fazer isso".

Maria Andreeva, cujo marido e primo foram recrutados e enviados para a Ucrânia, considera os comentários de Kartapolov insultuosos.

"Atreve-se a comparar a operação militar especial à Segunda Guerra Mundial é insultuoso. Nessa altura, o objetivo da Rússia era a sobrevivência. Tínhamos sido atacados. Houve uma mobilização total e uma lei marcial. É totalmente o oposto do que está a acontecer agora", disse Maria ao jornalista Steve Rosenberg.

Maria frisa que não está a fazer campanha apenas para trazer de volta os membros da sua família. Ela quer evitar que mais russos sejam convocados e enviados para a linha da frente.

"Não queremos uma segunda vaga de mobilização", diz. "Somos contra a utilização de civis num conflito militar. E queremos que todos os cidadãos russos compreendam que isto também os pode afetar”.

"Algumas pessoas agem como avestruzes. Enfiam a cabeça na areia e tentam não pensar no que está a acontecer. Eu compreendo-as. É difícil aceitar que, no nosso país, o Estado não precisa de nós para sermos felizes - trata-nos apenas como material biológico. Mas se as pessoas querem sobreviver, mais cedo ou mais tarde têm de reconhecer isso e dizer que não concordam".
É possível uma segunda onda de mobilização?Em dezembro passado, o presidente Putin pareceu excluí-la - por enquanto. Em direto na televisão russa, o líder do Kremlin afirmou que, em 2023, as autoridades russas tinham conseguido recrutar cerca de meio milhão de voluntários para combater na Ucrânia.

"Porque é que precisamos de mobilização? Na situação atual, não há necessidade", concluiu o líder do Kremlin.

É claro que "na situação atual" não significa que "nunca vai acontecer". As situações podem mudar.

Por exemplo, em março de 2022, Putin declarou: "Os soldados recrutados não estão a participar e não participarão nos combates. Também não haverá uma convocação adicional de reservistas. Apenas os soldados profissionais estão a participar".

Seis meses mais tarde a "mobilização parcial" foi anunciada.
Cravos vermelhos no Túmulo do Soldado Desconhecido Para sensibilizar a opinião pública, Maria e outras esposas de reservistas mobilizados iniciaram uma nova tradição. Todos os sábados, vestem lenços de cabeça brancos e vão até ao centro de Moscovo. Junto às muralhas do Kremlin, depositam flores no Túmulo do Soldado Desconhecido. Os cravos vermelhos são colocados junto à Chama Eterna. É a sua forma de protesto pacífico.

No seu canal Telegram, The Way Home explica que as flores são para honrar "a vida dos entes queridos. Para honrar a memória dos mortos em todas as guerras. Para honrar a memória dos nossos homens".

O grupo acredita também que a deposição de flores é uma forma de dizer "nunca mais".
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