Investigação aponta para mão ucraniana em ataques ao grupo Wagner no Sudão

por Cristina Sambado - RTP

Os serviços especiais ucranianos terão protagonizado uma série de ataques com drones e uma operação terrestre contra uma milícia apoiada pelo grupo Wagner, perto da capital sudanesa, revela uma investigação exclusiva da CNN.

Uma força militar canadiana descreveu a operação à CNN como sendo obra de um "exército não sudanês". Questionada sobre se Kiev estava por detrás dos ataques, a fonte disse apenas que "os serviços especiais ucranianos eram provavelmente responsáveis".

A operação envolveu uma série de ataques ao grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF), que se acredita estar a receber assistência da Wagner, o grupo mercenário russo, na sua luta contra o exército sudanês pelo controlo do país.

No entanto, a estação de televisão norte-americana não conseguiu confirmar de forma independente o envolvimento de Kiev na série de ataques. As imagens de vídeo obtidas pela CNN revelaram características dos ataques de drones ao estilo ucraniano.


Dois drones disponíveis no mercado, amplamente usados por forças ucranianas, estiveram envolvidos em pelo menos oito dos ataques
. No controlador do drone era visível um texto em ucraniano. Os peritos também afirmaram que as táticas usadas - nomeadamente o padrão dos drones que se dirigem para o seu alvo – eram muito invulgares no Sudão e na região africana. Os ataques secretos da Ucrânia no Sudão marcariam uma expansão dramática e provocadora do teatro de guerra de Kiev contra Moscovo. Para além de uma série de ataques de drones ucranianos que atingiram profundamente o território russo, a atual contraofensiva da Ucrânia tem-se centrado no leste e no sul pelas tropas de Moscovo.

A Ucrânia não reivindicou oficialmente a responsabilidade pelos ataques, que foram registados em imagens de drones. Partes desses vídeos têm circulado nas redes sociais desde quinta-feira. As imagens da operação terrestre não foram publicadas anteriormente.

Uma fonte militar sudanesa afirmou à CNN que "não tinha conhecimento de uma operação ucraniana no Sudão" e não acreditava que fosse verdade.

Já vários responsáveis norte-americanos pareciam desconhecer o alegado incidente e ficaram surpreendidos com a possibilidade de que os ataques e a operação terreste possam ter sido conduzidos por forças ucranianas.
Os vídeos, que alternam entre o ponto de vista do piloto, o ponto de vista de um drone que observa do alto e o próprio controlador, mostram uma sucessão de ataques de drones em Omdurman e arredores, uma cidade do outro lado do rio Nilo, a partir da capital Cartum, que se tornou um ponto focal de luta entre as duas fações rivais.
Os drones com visão na primeira pessoa (FPV) permitem que os pilotos vejam a operação do ponto de vista do drone, usando um par de óculos de proteção ou um monitor para assistir à transmissão em direto. O que parece ser um drone DJI MAVIC 3 pode ser visto nos vídeos que filmam os ataques. Os tipos de drones estão disponíveis comercialmente e são amplamente utilizados pelas forças ucranianas.

O drone DJI MAVIC 3 tem uma distância máxima de voo de 30 quilómetros, um alcance de transmissão de vídeo de 15 quilómetros e 46 minutos de tempo de voo, o que indicaria que o piloto estaria a operar o aparelho dentro da cidade, ou muito perto dela.

No vídeo que mostra o monitor do controlador, é visível texto em inglês e ucraniano, incluindo Зупинити, ou "Stop". O operador, que parece ser estrangeiro, também pode ser visto no reflexo do controlador, mas está a usar uma balaclava e não é identificável.

Um investigador britânico que dirige o Calibre Obscura, uma página na internet que identifica armas, analisou as imagens para a CNN e afirmou que o dispositivo corresponde aos utilizados pelas forças ucranianas para controlar os drones DJI MAVIC.

A CNN geolocalizou os locais dos ataques de pequena escala e da operação terrestre vistos nos vídeos dos drones, mas não conseguiu verificar independentemente a data em que os vídeos foram filmados. Vários ataques na ponte de Shambat, que liga Omdurman a Cartum, parecem coincidir com relatos locais nas redes sociais de um ataque em 8 de setembro.

Os ataques ocorreram apenas dois dias depois do grupo Wagner ter facilitado um grande comboio de armas para o Sudão através de uma guarnição da RSF em al-Zurug, no sudoeste do país, perto da fronteira com o Chade, segundo outra fonte sudanesa. 

O funcionário afirmou à CNN que um grande número de veículos, incluindo vários camiões que transportavam armas da Wagner, chegaram a Zurug a 6 de setembro. A estação de televisão norte-americana obteve imagens de satélite que mostram mais de 100 veículos, incluindo dezenas de camiões, na guarnição no mesmo dia em que fontes sudanesas de alto nível relataram o comboio de armas.Dois informadores militares do Chade frisaram que o comboio atravessou o país para chegar a Zurug, o que constituiria um sinal de expansão da esfera de influência da Rússia e do grupo Wagner em África, que, como se sabe, inclui o Mali, o Sudão, a República Centro-Africana e a Líbia.

O poderoso grupo de mercenários russos tem desempenhado um papel público e fundamental nas campanhas militares estrangeiras de Moscovo, nomeadamente na Ucrânia, e tem sido repetidamente acusado de cometer atrocidades.
Em África, tem ajudado a sustentar a crescente influência de Moscovo e a apropriação de recursos.

Seis ataques com drones visaram camionetas que circulavam na ponte de Shambat. Outros oito ataques atingiram veículos estacionados, edifícios e homens armados em Omdurman e no subúrbio ocidental de Ombada, onde os militares sudaneses realizaram uma série de ataques aéreos nas últimas semanas, visando posições da RSF, que alegadamente causaram dezenas de mortes de civis.

Um dos vídeos mostrava pelo menos três combatentes estrangeiros que pareciam estar a realizar um ataque a um edifício.
Outro vídeo, aparentemente gravado com uma câmara corporal, mostra as tropas usarem óculos de proteção noturna e um dos soldados a transportar o que parece ser um lança-foguetes. Uma imagem aérea que mostrava as tropas a avançar sobre o edifício foi geolocalizada pela CNN num bairro de Omdurman, perto do local onde tiveram lugar os ataques de drones.A CNN já tinha noticiado que o grupo Wagner tem estado a fornecer mísseis terra-ar às RSF, apoiando os combatentes paramilitares das RSF e o seu líder Mohamed Hamdan Dagalo - amplamente conhecido como Hemedti - na sua luta pelo poder com o general Abdel Fattah al-Burhan, o governante militar do Sudão e chefe das suas forças armadas.

Wim Zwijnenburg, líder do projeto de desarmamento humanitário da PAX, uma organização de paz holandesa, disse que foi a primeira vez que os drones identificados foram observados em África.

Estes drones (FPV) estão a ser vistos pela primeira vez no continente africano", disse Zwijnenburg, que é especialista em tecnologias militares emergentes, incluindo drones. "No entanto, assistimos a um aumento da utilização deste tipo de drones na Ucrânia no último ano".

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, Zwijnenburg sublinhou que tanto as forças ucranianas como as russas têm experimentado drones FPV, equipando-os com granadas propulsoras de foguetes. As munições altamente manobráveis e precisas podem transportar uma carga útil suficientemente grande para destruir um veículo. Embora os drones tenham sido anteriormente utilizados para lançar bombas na Etiópia, Nigéria e Líbia, a utilização de drones comerciais armados que explodem com o impacto é nova em África.
Alguns dos indivíduos vistos como alvos nas filmagens vestiam trajes locais e fardas pálidas, combinando com as usadas pelos soldados da RSF e milícias aliadas. Num vídeo, os combatentes podem ser vistos a fugir do local do ataque empunhando espingardas automáticas AK-47.


A RSF, que tem uma grande presença na capital Cartum e em Omdurman, tem sido alvo de frequentes ataques aéreos por parte das forças armadas sudanesas desde o início dos combates entre os dois grupos em abril.
Num discurso, o chefe da RSF, Hemedti, afirmou que as suas forças tinham praticamente dominado o Estado de Cartum, que inclui Omdurman, e falou de recentes ataques aéreos indiscriminados em Omdurman e noutras cidades.

Antes da eclosão da violência em meados de abril, Burhan e Hemedti eram aliados numa junta militar que derrubou um governo de transição reconhecido internacionalmente em 2021.
O governo militar do Sudão recebeu o apoio do grupo Wagner em 2022, mas Hemedti emergiu ao longo dos anos como o aliado preferido do grupo de mercenários em o país.

A Wagner abandonou o exército do Sudão quando eclodiram os combates, apoiando Hemedti e os seus combatentes no conflito.

A CNN expôs rotas de fornecimento de armas que ajudaram a sustentar este conflito, passando pelos principais pontos de trânsito da Wagner: a base aérea e naval da Rússia na região costeira síria de Latakia, as bases do grupo na Líbia e o aeroporto de Bangui na República Centro-Africana.A Wagner tem uma presença significativa na República Centro-Africana (RCA), bem como em grandes partes do leste da Líbia, que faz fronteira com o Sudão, e onde o renegado General Khalifa Haftar controla vastas extensões de território.

“Cerca de 90 por cento das armas da RSF vieram da Wagner”,
disse a fonte sudanesa à CNN, acrescentando que o fornecimento de armas da Wagner à RSF continuou inabalável, apesar da morte do líder do grupo mercenário, Yevgeny Prigozhin, e do seu vice, Dmitry Utkin, num acidente de avião a 23 de agosto.

A morte de Prigozhin levantou questões sobre o futuro das operações do grupo Wagner em África, onde o grupo de mercenários usou táticas brutais para apoiar grupos militantes e regimes autoritários em troca de riquezas minerais. Acredita-se que esses recursos – incluindo enormes concessões na indústria mineira de ouro do Sudão – tenham ajudado o esforço de guerra de Moscovo na Ucrânia e ajudado a contornar as amplas sanções ocidentais.Prigozhin tinha regressado recentemente de África para a Rússia quando seu jato caiu nos arredores de Moscovo, matando todos os passageiros que seguiam a bordo. Dois dias após a morte de Prigozhin, o vice-ministro russo da Defesa, Yunus-Bek Yevkurov, embarcou numa viagem por cinco países, nos antigos redutos do Wagner: Líbia, Síria, Mali, Burkina Faso e RCA.

Durante a cimeira Rússia-África em São Petersburgo, no final de julho - menos de um mês antes da morte de Prigozhin - o chefe das operações ofensivas secretas do serviço de inteligência militar da Rússia (GRU), general Andrey Averyanov, participou em reuniões com os chefes do Mali, a RCA, Eritreia e Burkina Faso.

“Perguntámos repetidamente ao Kremlin sobre o apoio da Wagner à RSF e eles disseram-nos que não têm informações sobre isto”, disse a fonte sudanesa à CNN. “Para nós, o Kremlin e a Wagner tornaram-se a mesma coisa”.

Ao combater a Rússia, Kiev atribuiu importância estratégica ao aprofundamento dos laços no exterior, inclusive entre os países africanos. O ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, fez três deslocações ao continente africano em 2022, visitando mais de dez países.

“A Rússia está a tentar arduamente manter os países na sua órbita através da coerção, do suborno e do medo. A Rússia tem duas ferramentas para o seu trabalho em África, as mais poderosas são a propaganda e o Wagner”, afirmou Kuleba numa entrevista recente à France Presse.

“A nossa estratégia não é substituir a Rússia, mas libertar África das garras de Moscovo”, realçou.
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