"Estamos a perder a guerra". Chamadas intercetadas mostram desordem e desmotivação no exército russo

por RTP
Bucha foi uma das cidades junto a Kiev que mais sofreu no início da ofensiva russa. Zohra Bensemra - Reuters

O New York Times teve acesso a milhares de chamadas não autorizadas entre soldados russos para mulheres, namoradas, amigos e familiares logo nas primeiras semanas de invasão. Estes telefonemas, intercetados pelo Governo ucraniano e verificados pelo jornal norte-americano, dão uma perceção interna de um exército desmotivado e com falta de recursos logo no início da guerra.

Em várias chamadas, os soldados descrevem as dificuldades no terreno e atacam os líderes russos, incluindo o presidente. “O Putin é um idiota. Quer controlar Kiev. Mas não há forma de conseguirmos isso”, refere um soldado numa das chamadas intercetadas.

“Mãe, esta guerra é a decisão mais estúpida que o nosso governo já tomou”, diz outro soldado.

Os telefonemas intercetados pelos responsáveis ucranianos foram verificados pelos jornalistas do New York Times.

A autenticidade das mesmas foi comprovada com o cruzamento de dados, incluindo números de telefone russos com aplicações de mensagens e perfis em redes sociais para identificar os militares e as respetivas famílias.

Para proteger a identidade dos soldados, o jornal divulgou apenas o primeiro nome de cada militar e oculta os apelidos.

Nos vários excertos disponibilizados, surgem os relatos da brutalidade da guerra, nomeadamente em Bucha, junto a Kiev. “Recebemos ordens para matar toda a gente que virmos”, ouve-se numa das chamadas.

“Estávamos a conduzir pela cidade, a regressar às nossas posições. Os corpos ficaram na estada, ninguém os retirou. (…) Não são nossos, são civis”, refere um dos soldados em conversa com um amigo.

Outro militar, Sergey, descreve à namorada um momento em que matou civis por ordem de um dos seus superiores. “Detivemo-los, despimo-los e verificámos todas as suas roupas. Depois disso, tinha de se tomar uma decisão sobre se os deixávamos ir. Se os deixássemos ir, eles revelariam a nossa posição. Então decidiu-se que os mataríamos na floresta”, descreve.

Questionado pela namorada sobre se estes homens poderiam ter sido mantidos como prisioneiros, Sergey responde: “Teríamos de ter comida suficiente para os alimentar, e nós não temos comida suficiente para nós”, refere.

“Já me tornei num assassino. (…) Não quero matar mais pessoas, especialmente aquelas que tenho de olhar nos olhos”, acrescenta ainda. Outras chamadas descrevem pilhagens de casas e empresas. Um dos soldados pergunta à namorada: "Queres que televisão? Uma LG ou Samsung? (...) Dois rapazes pegaram em televisões que são do tamanho da nossa cama".

Para além disso, os soldados criticam os seus comandantes e o próprio presidente do país e admitem abandonar o exército logo que possível. “Quando voltar para casa desisto. Que se f… o exército”, refere um dos militares num telefonema.

Outras chamadas evidenciam a desmoralização das tropas. “A nossa ofensiva está parada. Estamos a perder a guerra”, refere Sergey. “Metade do nosso regimento desapareceu”, confessa Andrey noutro contacto.

Há ainda soldados que dizem terem sido enganados antes do início da invasão. “Ninguém nos disse que vínhamos para uma guerra”, diz um dos militares. “Eu não sabia que isto ia acontecer. Disseram-nos que íamos para um treino. Estes bastardos não nos disseram nada”, refere outro.
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