A Ucrânia está a investir na criação de uma indústria de armamento ligeiro para equipar as suas forças, desde artilharia de 155mm a drones de capacidade acrescida e incluindo a novidade mais recente, um míssil de longo alcance.
"Penso que este outono haverá um boom na produção de vários drones ucranianos: voadores, flutuadores, rastejadores, etc. E isto irá continuar a crescer em volume", afirmou Rezmikov à agência estatal de notícias Ukrinform.
Uma das explicações para este incremento foi o relaxamento das regras e dos regulamentos, acrescentou. "Reescrevemos os regulamentos e simplificámos os processos. Creio que fomos bem-sucedidos e que isso tornou possível esse impulso. Especialmente para os fabricantes de drones que começaram a produzi-los em garagens" disse Rezmikov.
Seja uma ação de propaganda de Kiev ou a simples realidade, não se espera que o seu sucessor, Rustem Umerov, um negociador experiente e especialista financeiro, altere a estratégia referida por Rezmikov, a qual estará a permitir à Ucrânia atacar a Rússia, com efeitos por enquanto sobretudo psicológicos, e levar a ofensiva à Crimeia.
A aposta está longe de ser recente. A indústria ucraniana de armamento tem décadas, tendo chegado a ser a principal fornecedora da União Soviética, incluindo em desenvolvimento. Desde a independência da influência de Moscovo que se voltou para armamento mais ligeiro, como comprova a sua mais recente joia, um míssil de longo alcance que resultará de um projeto iniciado há três anos.
Após o eclodir da guerra, em 2022, o naufrágio do Moskva, o principal navio da frota de guerra russa no Mar Negro, foi atribuído a uma arma de fabrico ucraniano. Recentemente, a aposta em drones subiu em flecha, com o uso destes engenhos, para vigilância e ataque, a vulgarizar-se na linha da frente.
Irritantes mas eficazes
Nas semanas mais recentes sucederam-se as salvas com drones voadores equipados com explosivos contra território russo, apontando um incremento tanto em produção como em alcance e em potência, por vezes incluindo dezenas de engenhos num único dia e atingindo alvos tão longínquos como as pistas de uma base aérea na cidade de Pskov, a 600 quilómetros da Ucrânia.
Navios ancorados em portos ucranianos ou ao largo da costa ucraniana e a ponte que liga a Crimeia ao continente têm também sido alvo de drones aquáticos, forçando a poderosa marinha russa a manter-se em constante alerta.
Para os ucranianos submetidos aos ataques incessantes de drones e de mísseis russos, estas ações, apesar de pouco mais do que irritantes, são uma vingança e aumentam o moral.
Volodymyr Zelensky justificou estes ataques como um "processo inevitável". "A guerra está a regressar ao território da Rússia – aos seus centros simbólicos e bases militares, e isto é um processo inevitável, natural e absolutamente necessário".
O Presidente ucraniano prometeu contudo aos seus aliados ocidentais que nenhuma das armas fornecidas será usada para atacar território da Rússia. Ainda na semana passada, o conselheiro presidencial, Mykhailo Podolyak, garantia que "a Ucrânia adere implicitamente à obrigação de não utilizar armas dos seus parceiros para atacar território russo".
A quantidade de drones ucranianos que a Rússia afirmou ter destruído só na semana passada, 281, incluindo 29 sobre as suas regiões ocidentais, indica tanto a escala de produção já atingida por Kiev como a importância da guerra de drones atualmente em curso entre os dois países.
Um novo e misterioso míssil
Kiev quer alargá-la a outras armas e têm-se sucedido as pistas sobre o desenvolvimento de um novo míssil de cruzeiro, cujos testes têm sido "bem-sucedidos", comprovando o seu uso "efetivo", nas palavras recentes de Oleksii Danilov, responsável pelo Conselho Nacional Ucraniano de Segurança e Defesa, sem revelar pormenores da missão.
Danilov referiu um programa de desenvolvimento já com três anos "para atingir uma distância de milhares de quilómetros". "O "trabalho de grandes equipas, trabalho capaz. Podemos agora ver o resultado".
O próprio Zelensky terá saudado os resultados obtidos, numa mensagem misteriosa enviada ao Ministério das Indústrias Estratégicas. "Uso bem-sucedido das nossas armas de longo alcance: o alvo foi atingido a 700 quilómetros de distância", escreveu o Presidente ucraniano.
Sexta-feira, o Centro para as Comunicações Estratégicas reforçou a notícia, publicando na rede Telegram que, "tendo lançado uma agressão em larga escala, os russos contavam com a sua impunidade: que o combate se localizaria na Ucrânia e que se sentiriam seguros na sua retaguarda".
"O aumento no alcance [das armas ucranianas] destrói a ilusão russa de segurança e aumenta o custo da agressão do inimigo", acrescentou, num evidente esforço de propaganda.
Mikhaylo Podolyak reiterou a estratégia de Kiev. "A guerra está a mudar-se cada vez mais para o território russo e não pode ser travada", afirmou recentemente o conselheiro de Zelensky, citado pela CNN, referindo que a Rússia está a ser confrontada com a sua falta de investimentos sobretudo em sistemas de defesa aérea, entre outras áreas da Defesa, "apesar de todos os mitos criados pela propaganda".
De irritantes, os estragos alcançados ameaçam tornar-se graves. Em agosto, pelo menos um bombardeiro Tu-22M estratégico foi incendiado na base aérea de Soltsy-2 no norte da Rússia. A par do ataque de Pskov, levantou a possibilidade da existência de células pró-ucranianas na Rússia, a operar drones fornecidos por Kiev, hipótese confirmada implicitamente por declarações de Kyrylo Budanov, chefe dos Serviços de Informação da Defesa ucraniana.
Levar a guerra à Rússia
Mick Ryan, um antigo general australiano, escreveu no seu blogue, Future Doctrina, que, "quase sem probabilidade de desenvolver a sua própria frota naval convencional para combater os russos, os ucranianos desenvolveram capacidades autónomas. Ostensivamente produzidas para afundar ou incapacitar navios de guerra de superfície, também procuram o efeito psicológico de dissuadir os navios russos de se fazerem ao largo".
As forças russas, tanto aéreas como navais, estão a ser forçadas a alocar recursos e meios para impedir estes ataques, desviando-os dos objetivos primários da ofensiva.
O Kremlin terá, por exemplo, estacionado em torno de Moscovo, alvo frequente dos ataques de drones ucranianos, diversas baterias de defesa aérea Pantsir-2 que poderiam estar a proteger outras infraestruturas militares, como as pistas de Pskov, fez notar recentemente o Instituto para o Estudo da Guerra.
Vários sinais, incluindo a nomeação de Umerov, um ucraniano oriundo da Crimeia, revelam que Kiev está ainda a assestar baterias à península, de forma a quebrar as linhas de abastecimento russas, como comprovam ataques recentes a vias de transporte e bases aéreas.
"Temos a capacidade atualmente de atingir qualquer parte da Crimeia temporariamente ocupada. Podemos alcançar o inimigo esteja ele onde estiver", garantiu Kyrylo Budanov, na sequência de uma operação para destruir um dos modernos sistemas de defesa aérea S-400 na costa da Crimeia.
Psicologicamente a ameaça é clara. Nenhum soldado russo na frente de batalha tem certeza de poder fugir para lugar seguro.
Mick Ryan considera que operações semelhantes "vão crescer em importância e visibilidade. Serão uma forma de continuar a lutar quando as operações no terreno se tornarem difíceis na época fria e chuvosa. E são uma forma de mostrar resultados aos apoiantes da Ucrânia, num período de acalmia noutras operações".
Citado pela CNN, o porta-voz da Força Aérea ucraniana, Yuri Inhat, afirmou sexta-feira passada que a Rússia deve preparar-se. "Pode ver-se a histeria entre a opinião pública russa, nos canais de propaganda russa. Não gostam mesmo nada do que está a suceder. Mas de que estavam à espera?"