"Carne para canhão". Pelo menos 50 mil militares russos morreram na guerra da Ucrânia

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Jose Colon - Anadolu via AFP

O número de mortos do exército russo na Ucrânia já ultrapassou os 50 mil e é oito vezes superior ao único reconhecimento público oficial dos números de vítimas mortais feito por Moscovo, em setembro de 2022, avança a BBC Rússia. De acordo com uma nova investigação, os ganhos territoriais no último ano de combate deveram-se ao enorme custo humano: mais de 27 mil soldados morreram vítimas de uma estratégia de "carne para canhão" levada por Moscovo. A Rússia recusa-se a comentar.

A BBC Rússia, o órgão de comunicação social russo independente Mediazona e voluntários documentaram mais de 50 mil mortes entre os militares russos desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, revela o canal britânico BBC, esta quarta-feira, confirmando que as suas equipas passaram a pente fino informações de fonte aberta.

Uma vez que a análise não incluiu as mortes das milícias em Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia, atualmente ocupadas pelos russos, prevê-se que o número real de mortos russos seja de facto muito superior aos oficiais e aos avançados por esta investigação, à semelhança dos números reais das perdas ucranianas no campo de batalha.

Se, em fevereiro deste ano, o presidente ucraniano Volodymyr Zelenky avançou que 31 mil soldados ucranianos tinham sido mortos nos últimos dois anos de conflito, as estimativas dos serviços secretos norte-americanos sugerem perdas maiores.
A estratégia da “carne para canhão”
A BBC escreve que, no segundo ano da invasão russa na Ucrânia, Moscovo apostou numa estratégia de “carne para canhão”, que resultou no aumento de quase 25 por cento das vítimas mortais face ao primeiro ano, e que é possível verificar com o aumento de novas sepulturas em cemitérios russos.

O termo tem sido utilizado para descrever a forma como Moscovo recrutou, no segundo ano de conflito, voluntários, civis e prisioneiros russos russos sem treino ou experiência militar e enviou vagas de soldados para a frente de batalha, com o objetivo de desgastar as forças ucranianas e expor os seus locais à artilharia russa.

A investigação relaciona o aumento das perdas humanas com os ganhos territoriais em três momentos: em janeiro de 2023, quando se verificou o aumento do número de mortes com o início da ofensiva em grande escala na região de Donetsk; na primavera de 2023, durante a batalha de Bakhmut, quando o grupo mercenário Wagner ajudou a Rússia a capturar a cidade ucraniana e o seu líder, Yevgeny Prigozhin, estimou que 22 mil dos seus homens tinham perdido a vida; e por fim no outono do ano passado, quando a cidade de Avdiivka foi capturada pela Rússia.

Samuel Cranny-Evans, analista de defesa do Royal United Services Institute (RUSI), explica à BBC que “a Rússia pôde usar as suas tropas profissionais para conduzir operações militares complicadas” no início da invasão, em fevereiro de 2022. Mas atualmente muitos desses soldados experientes estão provavelmente mortos ou feridos e que tiveram de ser substituídos por pessoas com pouco treino ou experiência militar.
Recrutados para morrerem

Sem treino ou qualquer experiência militar, por vezes sem equipamento adequado, material médico ou mesmo espingardas automáticas Kalashnikov, muitos homens, sobretudo prisioneiros, foram recrutados para combater na frente de batalha, sob a esperança de alcançarem a liberdade,
segundo relatos de soldados ainda vivos ou de familiares de prisioneiros que morreram.

Mas se inicialmente, de junho de 2022 a setembro de 2023, os reclusos eram recrutados por seis meses pelo líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, para integrar um exército privado em nome do Governo russo - se sobrevivessem, recebiam a liberdade no final -, desde setembro do ano passado os prisioneiros têm de lutar até morrerem ou até a guerra acabar, o que acontecer primeiro, de acordo com o Ministério russo da Defesa, escreve a BBC.

Segundo a investigação, os ex-prisioneiros recrutados sob bandeira Wagner tinham sobrevivido, em média, três meses, ao passo que os recrutados posteriormente pelo Ministério russo da Defesa só viveram, em média, dois meses. O que poderá justificar-se pelo treino “insuficiente” denunciado pelos soldados: o grupo Wagner dava pelo menos 15 dias de formação militar antes de enviar para o campo de batalha, mas a BBC descobriu que prisioneiros recrutados diretamente pelo Executivo russo tinham sido mortos nas primeiras duas semanas de contrato.
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