"À beira de uma catástrofe". O que são armas nucleares táticas e quais os seus riscos?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Reuters

O termo “armas nucleares táticas” está cada vez mais presente no dia-a-dia à medida que o presidente russo reitera as ameaças do recurso ao nuclear na guerra na Ucrânia. Mas, afinal, o que são armas nucleares táticas e qual a sua potência? Neste artigo explicamos as diferenças entre armas nucleares táticas e estratégicas e procuramos responder à questão que mais se impõe neste momento: irá mesmo Putin cruzar a linha vermelha e quebrar o tabu do uso das armas nucleares?

O mundo enfrenta atualmente a mais séria escalada militar desde a II Guerra Mundial. Ao invadir a Ucrânia e colocar as suas forças nucleares em estado de alerta máximo, Vladimir Putin despertou o receio de um conflito nuclear iminente – um sentimento que estava adormecido desde a crise dos mísseis de Cuba.

Desde o início da invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro, o presidente russo tem reiterado a ameaça de recurso às armas nucleares, referindo-se, possivelmente, às chamadas armas nucleares táticas.
O que são armas nucleares táticas e estratégicas?
O coronel Luís Alves de Fraga resume a diferença entre estas duas armas nucleares num conceito básico: “Tudo aquilo que é distante do teatro de operações é estratégico, e tudo aquilo que é próximo do teatro de operações é tático”.

As armas nucleares táticas são frequentemente apelidadas de “armas não estratégicas”, em contraste com as armas estratégicas, que os militares dos EUA definem como projetadas para atingir “a capacidade de guerra do inimigo e a vontade de fazer a guerra”, ou seja, infraestruturas, transportes e sistemas de comunicação, bem como outros alvos.

“O armamento estratégico é todo aquele que visa não exatamente o campo de batalha, mas retirar ânimo e vontade de combater a quem está na retaguarda”, explica Luís Alves Fraga.

As armas nucleares estratégicas são intercontinentais. Apenas um só míssil estratégico pode provocar destruições simultâneas em vários pontos diferentes, uma vez que um míssil pode carregar quatro ou cinco ogivas que se dirigem para pontos diferentes num determinado momento do percurso.

Recuando a 1945, o coronel e antigo professor de História recorda que a ação mais estratégica da II Guerra Mundial foi o lançamento das duas bombas atómicas, que destruíram completamente as cidades de Hiroshima e Nagasaki e levaram o Japão à rendição. “Eles [EUA] não atacaram as tropas, atacaram a retaguarda das tropas”, afirmou.

Com o avanço do tempo e, por sua vez, da tecnologia, fabricaram-se as chamadas armas nucleares de teatro de guerra ou armas nucleares táticas. “São armas nucleares que, não tendo o mesmo efeito prejudicial por consequência da radioatividade, não são tão catastróficas como as armas nucleares estratégicas", explicou o general Pezarat Correia, em entrevista à RTP.

Ao contrário das armas nucleares estratégicas, que são intercontinentais, as armas nucleares táticas são utilizadas na frente de batalha e numa determinada zona. “A arma tática já não é dirigida tão precisamente para um ponto, mas para uma zona”, explica Luís Alves Fraga. As armas nucleares táticas são consideradas de “baixo poder”, podendo armazenar uma potência de dez a 100 quilotoneladas. Em contrapartida, as armas nucleares estratégicas podem ter uma potência até 1000 quilotoneladas e são lançadas a partir de uma distância maior. Uma única quilotonelada equivale, em potência, a mil toneladas de TNT altamente explosivo.

“São a miniaturização das armas nucleares”, resumiu Pezarat Correia.
“Digamos que a arma nuclear tática é uma bomba de artilharia com um pouco mais de potência”, explicou.

Estas armas podem ser lançadas do ar, em mísseis ou até mesmo por uma peça de artilharia, que tem um alcance relativamente curto.
Efeitos de uma arma nuclear tática podem ser iguais aos de Hiroshima e Nagasaki
A arma nuclear atua de três formas: pelo calor, pelo sopro e pela nuvem radioativa. O calor da detonação pode ser mais quente do que a superfície do Sol e o imenso poder libertado pela arma (o chamado sopro) produz uma onda de explosão incrivelmente poderosa que destrói tudo pelo caminho por vários quilómetros.

Por sua vez, a intensa libertação de radiação e a nuvem radioativa que se forma, e consequente precipitação, polui o solo e o ar de dezenas de quilómetros a partir da zona de explosão.
70 anos do lançamento da bomba atómica em Hiroshima (Foto: Ho New, Reuters)
Lançamento da bomba atómica em Hiroshima (Foto: Ho New, Reuters)

“Estas armas matam toda a gente, no imediato, no curto e no médio prazo, e até no longo prazo, porque quem estiver naquela zona ou morre queimado ou pela radioatividade libertada”, explicou o coronel Luís Alves de Fraga.

As armas nucleares táticas, consideradas de baixa potência e concebidas para serem utilizadas num campo de batalha limitado, transmitem a ideia de que é possível utilizar armas nucleares de forma controlada e delimitada. No entanto, esta ideia é “completamente falsa”. “Os efeitos de uma arma nuclear estratégica e tática são os mesmos, a dimensão é que é diferente”, explicou Luís Alves Fraga.

Para melhor explicar as consequências de cada uma das armas nucleares, o antigo professor recorreu a uma analogia. “Imaginemos um lago de jardim e várias pedras de vários tamanhos. A pedra mais pequena, quando atirada ao lago, provoca umas ondas pequenas no sítio do impacto. Quando se atira a pedra maior, a onda é bastante maior e faz transbordar a água. É isto mesmo que acontece com uma bomba nuclear”, explicou.

Um míssil com explosivos comuns, não nucleares, seria aqui representado como a pedra mais pequena, provocando crateras e quedas de prédios. Um míssil estratégico, que pode transportar várias ogivas, provoca um impacto equivalente ao embate de uma pedra de dez quilos com água. “Se for uma arma tática, é o equivalente a atirar uma pedra de dois quilos: a água salpica, mas fica confinada ao lago. No entanto, tudo o que lá estiver sofre os mesmos efeitos como se se tivesse atirado uma pedra de dez ou 20 quilos”, esclarece Luís Alves Fraga. Para melhor perceber a potência e o impacto das diferentes armas nucleares, consulte este simulador.

“Uma arma tática pode ser uma arma para destruir uma cidade. É uma arma dirigida para um teatro de operações, como o Donbass por exemplo. Destrói a cidade e tudo o que estiver à volta da cidade”, afirmou o coronel.

A “Fat Man”, a bomba atómica lançada pelos EUA sobre Nagasaki, no Japão, em 1945, tinha 20 quilotoneladas de potência. Por sua vez, a potência das armas táticas pode variar entre 10 e 100 quilotoneladas, o que significa que o uso de armas táticas por parte de Putin na Ucrânia poderia ter o mesmo impacto que as bombas atómicas no Japão, que provocaram centenas de milhares de mortos.
Qual o stock nuclear da Rússia?
A Rússia é a maior potência em armas nucleares, com cerca de 6250 ogivas nucleares, seguindo-se os Estados Unidos, que têm mais de 5500.

De acordo com uma avaliação da Associação de Controle de Armas, a Rússia tem cerca de 1458 ogivas em 527 mísseis balísticos intercontinentais, mísseis lançados de submarinos e bombardeiros.
Já os EUA têm 1389 ogivas em 665 mísseis balísticos intercontinentais, mísseis lançados de submarinos e bombardeiros.

A Rússia assumiu ainda o controlo das armas de outras ex-repúblicas soviéticas, incluindo Ucrânia e Bielorrússia, na década de 1990.

Recentemente, nos dias que se seguiram à invasão da Ucrânia, a Bielorrússia, aliada de Moscovo, renunciou ao estatuto de Estado não-nuclear, o que teoricamente poderá permitir que a Rússia coloque mais armas nucleares naquele país.
“O mundo pode estar à beira de uma catástrofe”
Em setembro, Vladimir Putin anunciou uma “mobilização parcial” dos cidadãos do país e voltou a ameaçar com a utilização de armas nucleares.

“Se a integridade territorial do nosso país for ameaçada, usaremos certamente todos os meios à nossa disposição para proteger a Rússia e o nosso povo. Isto não é um bluff”, alertou Vladimir Putin, num discurso à nação.


A guerra que Putin esperava que terminasse em 15 dias, já se arrasta há oito meses. Enquanto Kiev tem impressionado o mundo com a sua resistência, Moscovo tem desiludido com as suas tropas mal organizadas e preparadas. Desta forma, o recurso a armas nucleares poderá ser a única solução, do ponto de vista do presidente russo, para não sair do conflito como uma nação humilhada e restabelecer a imagem da Rússia como grande potência.

A questão que se coloca é: irá mesmo Putin recorrer às armas nucleares? A resposta tem dividido os analistas.

Para o coronel Luís Alves de Fraga, as ameaças de Putin “são bluff”. “Se a terceira guerra mundial for feita com bombas atómicas, a quarta será feita à pedrada, porque destruirá tudo”, disse o coronel, reproduzindo a célebre citação de Einstein.

O secretário-geral da NATO também considera que a hipótese de uso de armas nucleares “é remota”. "A retórica nuclear da Rússia é irresponsável e perigosa, mas eles sabem que se usarem armas nucleares contra a Ucrânia, isso terá graves consequências e estão também cientes que uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve acontecer", disse Stoltenberg.

Apesar de ser uma possível tentação para vários líderes militares, nenhum país se atreveu ainda a quebrar o tabu sobre o uso de armas nucleares desde os desastres de Hiroshima e Nagasaki, há 77 anos. Desde então, as armas nucleares têm sido mais usadas como ameaça do que como armas reais. Tal deve-se a um fator fundamental: a chamada dissuasão nuclear.

“O princípio da dissuasão nuclear é: eu sei que, se eu utilizar a arma nuclear, posso ser sujeito a retaliações que causem danos que não compensem os ganhos que eu possa ter com a utilização de uma arma nuclear. E é isto que tem mantido a não utilização de armas nucleares”, explicou o general Pezarat Correia.

Pezarat Correia não descarta, porém, a eventual utilização de uma arma nuclear por parte de um chefe de Estado “que tenha os seus interesses vitais em jogo”.


“Quando as principais potências se dotaram de armas nucleares, não foi propriamente para servirem de vasos de flores ou de enfeites nas salas de visitas”, afirmou. “Quando se constroem armas nucleares, admite-se a possibilidade de, em último recurso, serem utilizadas”.

O uso de uma arma nuclear tática por parte de Putin seria o gatilho para o princípio da escalada. O alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, deixou claro que os aliados da Ucrânia (UE, EUA e NATO) não estão a fazer bluff. “Qualquer ataque nuclear contra a Ucrânia provocaria uma resposta militar tão poderosa que o exército russo seria aniquilado”, alertou Borrel.

“O mundo, neste momento, pode estar à beira de uma catástrofe”, declarou Pezarat Correia.
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