O sentimento de que estas eram as europeias mais importantes de sempre levou à maior adesão eleitoral dos últimos 25 anos, com metade dos 425 milhões de eleitores europeus a irem às urnas. Não com o contributo português: ficámos no top 4 dos maiores abstencionistas - e isso merece reflexão aprofundada.
Parece um paradoxo, mas terá a sua explicação.
O sentimento de que estas seriam as eleições mais importantes de sempre para o projeto europeu levou a uma forte subida na participação em países como França, Reino Unido ou Espanha.
No caso português, a elevadíssima abstenção pode, em parte, ser enquadrada na perceção de que “estas eleições não serviriam para nada” – e que nada de verdadeiramente importante estaria em causa.
Sem uma ameaça populista ou extremista séria, os eleitores portugueses não se terão sentido suficientemente mobilizados para trocar um belo dia de praia por um voto em quem “já lá está e nem merece assim tanto”.
Fizeram mal.
Ficam num embaraçoso Top4 dos mais abstencionistas entre os 28 Estados Membros.
A Europa é, nos dias que correm, um dos temas mais importantes para o nosso futuro.
Num mundo em que os EUA são liderados por um presidente nacionalista e anti-projeto europeu, com a China em ascensão e a Rússia apostada em boicotar (sobretudo pela via cibernética) a integração europeia, nunca foi tão importante reforçar a ideia de Europa.
Já não podemos ter como certo o guarda-chuva americano e devemos ter cada vez mais o crescimento chinês e a ameaça russa.
A Europa dá-nos integração, inclusão, diversidade, desenvolvimento, garantias de qualidade alimentar, industrial e ambiental. É um espaço social notável, com mais de 500 milhões de cidadãos, que congrega quase um quarto da riqueza mundial.
Não se trata de um tema “dos outros”: tem a ver com todos nós – e o eleitorado português mostrou hoje não ter percebido ainda isso verdadeiramente.
Tem que começar a haver formas das pessoas perceberem os benefícios e as oportunidades que o projeto europeu lhes dá.
Já agora: a conversa de que a culpa da abstenção vergonhosa de hoje é "dos políticos e dos fracos cabeças de lista" não colhe -- havia 17 possibilidades de escolha (17!) e possivelmente estas foram as eleições em que os partidos sem representação parlamentar tiveram cabeças de lista mais bem preparados e credíveis: Rui Tavares (Livre), Paulo Sande (Aliança) e Ricardo Arroja (Iniciativa Liberal).
A explicação para a altíssima abstenção de hoje é pouco dignificante, mas relativamente fácil de identificar: falta de civismo e cultura de desresponsabilização individual.
Um vencedor improvável: os Verdes
A extrema-direita e os populismos autoritários e nacionalistas têm alguns focos de vitória, mas no global mostram estagnação ou até algum recuo na sua expressão eleitoral, confirmando a tendência identificada em estudos recentes de que cerca de 1 em cada 4 eleitores europeus têm, neste momento, uma forte adesão às ideias de políticos como Marine Le Pen, Orban, Farage, Salvini, ou Abascal.
É preocupante, não é de desvalorizar - mas não é escalada galopante que muitos anunciaram.
Ao contrário do que muitos temiam, a grande história política desta noite de eleições europeias nos 28 Estados Membros não é o fantasma da extrema-direita, é, sim, o crescimento eleitoral espetacular dos Verdes: segundo lugar na Alemanha, à frente de SPD e AfD; terceiro lugar em França, com 12 eurodeputados; mais 70 mandatos para os Verdes/Aliança Europeia no total, uma subida de 20 em relação ao último ato eleitoral.
É um bom sintoma: significa que há um segmento importante do eleitorado europeu que quer dar mais força à agenda ambiental e tem preocupações fundadas em relação às alterações climáticas.
O sinal do eleitorado europeu, ao tirar mais de 40 eurodeputados ao PPE e dar mais 20 aos Verdes, é que pretende ver incluída no "mainstream" político e mediático uma agenda que, até agora, era visto como um nicho elitista e essencialmente urbano.
Por cá, o PAN com perto de 5% dos votos, na ordem dos 5%, é a surpresa da noite e não por acaso já anunciou que vai integrar a família dos Verdes.
Era interessante saber o que está neste momento a pensar o PEV (Partido Ecologista os Verdes), há muito "engolido" eleitoralmente pela absorção na CDU com os comunistas. Quanto valeria hoje se estivesse a concorrer sozinho?
Macron aguenta-se e lança os Liberais como pêndulo
Em França, Macron sorri e Le Pen teve vitória de Pirro. Há cinco anos, a Front National já tinha ganho as europeias com 25%. A extrema-direita não conseguiu aumentar a votação e empatou em número de mandatos com a nova força política liderada pelo Presidente.
Nada mau para quem, como Macron, se tem deparado com níveis de popularidade baixos e uma altíssima (e violenta) contestação social por parte do movimento “coletes amarelos”.
O presidente francês escolheu os liberais como família política a integrar-se, lançando o ALDE como pêndulo para a formação de uma maioria de 376 eurodeputados.
Em Espanha, o PSOE venceu, o PP agravou queda livre, Ciudadanos e VOX agradecem.
Falta conhecer resultados no Reino Unido, mas tudo indica que o Partido do Brexit de Farage ganhará, com votação acima do 30%, surfando a onda da total incapacidade dos conservadores de concretizarem algum tipo de saída da UE (“soft”, “hard”… whatever!)
Mas a extrema-direita esteve abaixo do esperado na Alemanha, na Áustria, na Polónia e na Holanda.
A Europa continua sob ameaça – mas as notícias da sua capitulação definitiva depois de 26 de maio de 2019 revelaram-se manifestamente exageradas.