Quem inventou o fogo, quem inventou a roda, quem inventou os cravos vermelhos da revolução? Invenções, todas, tão óbvias que não lhes ficou associado nenhum nome de Colombo, e que podem ter sido obra de várias pessoas, em locais e momentos diferentes, a procurarem a solução para o mesmo problema. Mas há vinte anos, a jornalista Ana Sousa Dias fez sair do anonimato uma das inventoras dos cravos vermelhos, o ovo de Colombo da revolução.
E havia as floristas que vendiam cravos. Na euforia do momento, começaram a distribuir às tropas revolucionárias os seus cravos, brancos e vermelhos. Logo as preferências se fixaram nos cravos vermelhos - pelo simbolismo da cor, explicou Maia, que os fotógrafos também favoreceram.
O capitão de Abril tinha na altura outras preocupações que a de reter para a posteridade o nome de alguma das inspiradas floristas do Rossio, ou o de algum dos soldados que escolheram o vermelho hoje usado em tantas lapelas floridas. Mas a jornalista Ana Sousa Dias deu à estampa em 1994 no "Público" a história emblemática de Celeste Martins Caeiro (em cima na foto), que teve um momento de inspiração semelhante, com efeitos semelhantes.
Em 1974 Celeste Caeiro tinha 40 anos e vivia num quarto que alugara ao Chiado, com a mãe e com uma filha que criava sem a ajuda do antigo companheiro. Trabalhava na rua Braancamp, na limpeza do restaurante Franjinhas, que abrira um ano antes. O dia de inauguração fora precisamente o 25 de Abril de 1973.
O gerente queria comemorar o primeiro aniversário do restaurante oferecendo cravos à clientela. Tinha comprado cravos vermelhos e tinha-os no restaurante, quando soube pela rádio que estava na rua uma revolução. Mandou embora toda a gente e acrescentou, como Celeste recorda na entrevista: "Levem as flores para casa, é escusado ficarem aqui a murchar".
Celeste foi então de Metro até ao Rossio e aí recorda ter visto as "chaimites" e ter perguntado a um soldado o que era aquilo. Ao Público e em entrevistas posteriores, recorda também que o soldado lhe falou da ideia de irem para o Largo do Carmo, onde Marcelo Caetano se tinha refugiado. O soldado, que já lá estava desde muito cedo, pediu-lhe um cigarro e Celeste, que não fumava, só pôde oferecer-lhe um cravo.
O soldado logo colocou o cravo no cano da espingarda. O gesto foi visto e imitado. No caminho, a pé, para o Largo do Carmo, Celeste foi oferecendo cravos e os soldados foram colocando esses cravos em mais canos de mais espingardas.
As G-3 assim enfeitadas ajudavam o povo a distinguir as tropas amigas. Era mais um motivo para não fazer caso dos repetidos apelos dos capitães a que os civis permanecessem em casa, mais um motivo para vir para a rua e para confraternizar com a tropa libertadora. "Afinal, em vez de dar tiros, as espingardas tinham flores", diz Celeste Caeiro, singelamente, na entrevista a Ana Sousa Dias.
Impossível saber se as floristas ofereceram cravos à tropa por mais soldados quererem imitar o primeiro, que o recebera de Celeste; ou se os ofereceram por lhes ter ocorrido espontaneamente. Certo é que a espontaneidade da primeira oferta não era uma ideia caída do céu. Celeste não tinha qualquer militância política anterior, mas sabia o que se passava nos tribunais plenários, desde o dia em que fora assistir ao julgamento de um tio, preso durante dois anos.
A jornalista investigou esta história de vida, que predispunha a trabahadora do Franjinhas ao gesto inspirado de 1974, e averiguou também a sua vida posterior: no incêndio do Chiado, de 1988, ardeu o quarto que tinha alugado e perdeu tudo o o que tinha. Pouca coisa: o pior foi ter perdido as fotografias.
Teve de alugar uma casa, ainda em escudos, quando tinha começado a receber a reforma correspondente aos seus 40 anos de descontos. Pagava o equivalente a 470 euros de renda e recebia o equivalente a 760 euros de reforma. No 40º aniversário do 25 de Abril, com 80 anos de idade, Celeste terá a renda aumentada e a pensão de reforma cortada.