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João Ferreira, o candidato que quer cumprir a Constituição, defender a saúde e valorizar os salários

Licenciado em Biologia, eurodeputado, vereador na Câmara Municipal de Lisboa e sempre com um pé em projetos relacionados com o ambiente, João Ferreira é o candidato às eleições presidenciais de 2021 apoiado pelo Partido Comunista Português. Se conquistasse Belém, não abdicaria "de nenhum dos poderes que o Presidente da República tem (...) para garantir a resposta aos problemas pendentes que o país enfrenta e uma resposta em conformidade com a Constituição".

Nascido e criado em Lisboa, João Manuel Peixoto Ferreira, de 42 anos, é o candidato pelo Partido Comunista Português ao Palácio de Belém.

Biólogo de formação e ligado a vários projetos ambientais, já tem alguma experiência em eleições. João Ferreira é deputado no Parlamento Europeu desde 2009, tendo sido o cabeça de lista da CDU (coligação do PCP e do PEV) nas duas últimas eleições europeias, e vereador sem pelouro na Câmara Municipal de Lisboa desde 2013.

Licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 2001. Mais tarde, foi bolseiro no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e Museu, Laboratório e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa, tendo ainda trabalhado numa empresa de estudos e projetos na área do ambiente e na Associação Intermunicipal de Água da Região de Setúbal.

Embora continue como vereador na capital, grande parte do percurso do candidato comunista tem sido trilhado fora do país, principalmente em Bruxelas, e sempre ligado a projetos relacionados com o ambiente, o ordenamento e a gestão do território.

Em 2009, foi eleito pela primeira vez deputado pelo PCP ao Parlamento Europeu, cargo que mantém até agora. Dentro da instituição europeia é vice-presidente do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, e membro de várias Comissões, como: Pescas, Transportes e Turismo, Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar e Assuntos Constitucionais. Anteriormente, já tinha integrado as Comissões da Indústria, Energia e Investigação e Orçamentos.

Em 2013 chegou mesmo a ser premiado como "Embaixador do Desenvolvimento", pelo Instituto Marquês de Valle Flôr, pelo seu papel na "promoção de políticas europeias mais justas e coerentes".

Tornou-se membro do Comité Central, da Direção da Organização Regional de Lisboa e da Direção do Sector Intelectual de Lisboa do PCP em 2012. E nas eleições autárquicas do ano seguinte foi eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa, função que exerce ainda.

De facto, João Ferreira não é um novato nestas andanças e é já um rosto bem conhecido nas listas dos comunistas: em maio de 2014, voltou a encabeçar a lista do PCP às eleições Europeias e repetiu a dose nas eleições autárquicas em Lisboa em 2017 – sendo novamente eleito para os dois cargos e mantendo-se, por isso, como eurodeputado e vereador até então.

A contar com esta candidatura a Belém é, portanto, a quinta vez que João Ferreira é cabeça de lista pelo PCP - embora, como disse ao Diário de Notícias e à TSF, seja "a primeira vez que o nome de João Ferreira surgirá nos boletins de voto", porque nas anteriores "surgiu a força pela qual fui candidato".

Mas não é só na política e nas questões ambientais que o candidato a Chefe de Estado se tem destacado. Para além de ter sido diretor da revista "Portugal e a UE", entre 2009 e 2012, é ainda autor do livro "A União Europeia não é a Europa".

Foi promovido no XXI Congresso Nacional do PCP, em novembro de 2020, à comissão política do Comité Central comunista e já circulam rumores de que será o sucessor de Jerónimo de Sousa, como secretário-geral do partido. Mas com uma campanha pela frente, João Ferreira garante que não dá aso a tal afirmação, podendo esta contribuir para desvalorizar a candidatura a Belém.

A prioridade, por agora, são as eleições presidenciais. João Ferreira tem sobre os ombros a tarefa de levantar o partido do pior resultado de sempre de há cinco anos – a missão do eurodeputado é de melhorar o resultado obtido pelo anterior candidato do PCP, Edgar Silva, que em 2006 somou 3,85 por cento dos votos nas presidenciais.
Campanha mais próxima de todos
Desde que anunciou a candidatura, em setembro, João Ferreira fez questão de deixar claro que a assumia como um "espaço de luta comum – da juventude, dos trabalhadores, do povo".

"É minha e é vossa. É nossa", declarou a 17 de setembro, quando apresentou a candidatura a Belém.



As habituais campanhas pelas ruas, pelos locais de trabalho, com os "afetos" e o contacto próximo à população ficaram bastante limitados nestas eleições devido à pandemia da Covid-19. Mas o candidato apoiado pelo Partido Comunista Português apostou tudo nesta campanha.

João Ferreira é o candidato presidencial com o orçamento mais elevado: são cerca de 450 mil euros.

"Este orçamento, que como se sabe é uma previsão que procura incluir todas as possibilidades e que vai sempre além dos valores das despesas efetivas, apresenta um valor global de 450 mil euros", indicou o eurodeputado em comunicado.

O biólogo garante que este valor "corresponde a uma campanha que, mesmo nas atuais circunstâncias, exige contacto com os trabalhadores e as populações e o envolvimento de todos em ações de esclarecimento e mobilização para o voto", uma vez que "os cidadãos não são meros assistentes ou espetadores e devem ser participantes e isso envolve, ainda mais na atual situação, despesas que permitam uma ampla informação, contacto e participação".

No entanto, o candidato comunista assegurou que houve "uma redução do conjunto das despesas, uma redução de quase metade do valor do orçamento da candidatura apoiada pelo PCP nas anteriores eleições presidenciais", em 2015, protagonizada pelo dirigente madeirense Edgar Silva.

Mas talvez a grande aposta do candidato do PCP tenha sido a aposta nas redes sociais, na página oficial de candidatura na Internet e a aproximação à comunidade através dos meios digitais.

De facto, a campanha de João Ferreira garante que todos podem acompanhar os passos do candidato nesta jornada eleitoral. Para além da página sobre o eurodeputado, a sua campanha apostou e tem explorado cada ferramenta que as diversas redes sociais disponibilizam.


Qualquer pessoa pode, portanto, seguir a campanha eleitoral através do Facebook, do Instagram, do Twitter, do YouTube e até através de uma linha do WhatsApp.

Para João Ferreira "estas eleições não podem passar ao lado dos portugueses", o que exige levar "a campanha eleitoral e o esforço de informação, esclarecimento e mobilização que necessariamente lhe está associada a todo o país".

Como assumiu quando anunciou a candidatura, nestas eleições dirige-se "a todos e a cada um, independentemente das escolhas eleitorais que fizeram no passado".

"Esta candidatura apela à força que há em todos, em cada um de nós. Assumam-na como vossa".Sondagens à parte, João Ferreira foi o primeiro a formalizar a candidatura à Presidência da República entregando 15 mil assinaturas, o máximo para formalizar no Tribunal Constitucional, e garante que tem o apoio de muitos portugueses de "diversos quadrantes" diferentes do seu.

"Diria que [as 15 mil assinaturas reunidas] são uma expressão do apoio a esta candidatura, que é ela própria uma manifestação de confiança no povo português e uma afirmação de esperança na vida deste país", congratulou-se na altura.
As críticas a Marcelo
Quase desde que foi anunciado como candidato a Presidente da República, João Ferreira não tem poupado o atual Chefe de Estado e até mesmo o Governo a críticas. Seja pela atuação na gestão da pandemia, seja pela (des)valorização dos salários e dos trabalhadores ou até como usa os "poderes" que a Presidência da República e a Constituição lhe concedem, o candidato comunista tem apontado várias falhas ao mandato de Marcelo Rebelo de Sousa.

"Foi claro na intervenção do atual Presidente da República, em vários domínios, a forma como, em questão fundamentais, esteve sempre do lado dos interesses mais poderosos, que dominam a sociedade portuguesa, por exemplo do ponto de vista económico", referiu numa entrevista ao Diário de Notícias.

"Faltou uma certa presença e uma certa intervenção em defesa dos interesses da generalidade das pessoas", continuou, referindo-se à promulgação de alterações à legislação laboral, à Saúde e à Habitação.

Já em novembro, durante o Congresso do PCP, o candidato comunista às presidenciais apontou dez falhas ao Presidente da República. João Ferreira centrou o seu discurso, na altura, no "mal" de Marcelo Rebelo de Sousa durante os últimos cinco anos, mas sem mencionar o seu nome durante o discurso.

Na opinião do eurodeputado, o atual Presidente da República não cumpriu os valores que a Constituição lhe confere e "tomou sempre partido dos interesses financeiros".

Há "valores de Abril" na Constituição que o atual Presidente da República ignorou e teve "uma ação que contribuiu, direta ou indiretamente, para degradar as condições de vida dos trabalhadores", apontou João Ferreira.
Debate entre João Ferreira e Marcelo Rebelo de Sousa: José Sena Goulão - Lusa

De acordo com o candidato, a segunda grande falha de Marcelo foi o que fez para "conter e nunca para promover a evolução dos salários, num país em que muitos empobrecem a trabalhar", para "pôr em causa o Serviço Nacional de Saúde (SNS), caucionando o desvio de recursos públicos para alimentar o negócio da doença".

O Presidente da República falhou ainda ao tomar partido pelos "interesses dos grupos económicos e financeiros", apontou, ao lembrar-se apenas do "interior abandonado depois da catástrofe" dos incêndios e ao não valorizar "a Cultura e quem nela trabalha".

Mais tarde, em entrevista à RTP, João Ferreira apontou, mais uma vez, que "as posições do Presidente da República em matéria salarial foram de apoio às entidades patronais".

Para João Ferreira, "num momento crítico", o Presidente da República ajudou a "fragilizar direitos, liberdades e garantias, intrínsecos ao regime democrático, algo que a emergência sanitária não justifica".

Em vários momentos nas últimas semanas, criticou ainda o atual Presidente da República por não cumprir completamente o "amplo leque de direitos consagrados na Constituição".

"O exercício que tem sido feito pelo exercício dos poderes do Presidente da República não tem contribuído para que seja essa a realidade na vida de todos os portugueses. Algumas vezes, desajudou", salientou.Também no que toca aos "afetos", que caracterizam o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, João Ferreira deixa duras críticas. Em destaque, o candidato a Belém aponta a falta de afetos pelos trabalhadores e pelo interior do país.

Mas "é importante que os afetos cheguem a toda a gente", realçou à RTP.

Recentemente, num debate com Marcelo Rebelo de Sousa emitido pela TVI, João Ferreira acusou o atual Chefe de Estado de ter feito um mandato à direita e de não ter estado do lado dos trabalhadores. Neste frente a frente, o candidato apoiado pelo PCP alegou que Marcelo Rebelo de Sousa no seu mandato como Presidente da República "convergiu com o que foram as posições ao longo do tempo dos partidos mais à direita" em áreas como a legislação laboral.

É certo para o biólogo e eurodeputado que um Presidente da República deve "mobilizar o povo português" na defesa da "valorização do trabalho e dos portugueses", no reforço dos serviços público e do SNS ou ainda no "aprofundamento da democracia e no fortalecimento das suas raízes na sociedade portuguesa". E estes são valores inscritos "nas páginas na Constituição" e não podem ser "letra morta como alguns querem", disse o candidato apoiado pelo PCP.
"Um Presidente deve usar todos os poderes que a Constituição prevê"
Confrontado com os valores das sondagens e com a possibilidade de muitos militantes e eleitores próximos do PCP votarem em Marcelo Rebelo de Sousa, João Ferreira não se acanha e garante que a sua candidatura não é apenas apoiada pelo partido, além de se diferenciar das restantes campanhas.

Ao DN, afirmou que esta é uma candidatura apoiada pelo Partido Comunista Português, "mas é uma candidatura que se dirige muito para lá das fronteiras do eleitorado do PCP”.

"Esta candidatura dirige-se a muita gente, a todos aqueles que sentem hoje, na situação especial, difícil e complexa que o país vive, que o país tem condições e o potencial para superar estes problemas"."Devo dizer que tenho recebido apoios de setores e quadrantes diversos, alguns muito diferentes do meu", reafirmou posteriormente, na entrevista à RTP.

"Tenho procurado afirmar esta candidatura, sobretudo, pela positiva. Afirmando-a pela positiva eu estabeleço uma diferença face a todas as outras e também ao que foi o exercício dos poderes do Presidente da República pelo atual Presidente".

Se fosse Presidente da República, João Ferreira "seria alguém (…) que levaria a sério o juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição".

Embora a Presidência da República não seja um Governo, o eurodeputado reconhece que há um conjunto de poderes que corretamente utilizados pelo Chefe de Estado podem dar um contributo muito importante para enfrentar os problemas do país.

"Usaria todos os meus poderes e o poder das intervenções públicas do Presidente da República para melhorar a distribuição da riqueza nacional, para valorizar os salários em geral, para conseguir uma valorização do Serviço Nacional de Saúde", enumerou, lamentando que não exista "na Constituição da República um sistema de saúde, mas sim um serviço".

"Defender a saúde, reforçar o SNS, defender as famílias, as empresas, isto são as urgências", na ótica do candidato comunista, que assume que "não abdicaria de nenhum dos poderes que o Presidente da República tem (…) para garantir a resposta aos problemas pendentes que o país enfrenta e uma resposta em conformidade com a lei fundamental do país, com a Constituição".

Em diversas intervenções ao longo da campanha, João Ferreira fez questão de reiterar que a sua candidatura "contribuirá para um clima sereno de discussão e de confronto de ideias, de visões de projetos para o país, no que toca aos poderes do Presidente da República" e para "abrir um horizonte de esperança neste país", apesar de Portugal estar a enfrentar "uma situação difícil, complexa e exigente" devido à crise económica e social causada pela pandemia de Covid-19.

Sem papas na língua, João Ferreira afirma mesmo que "um Presidente da República deve usar todos os poderes que a Constituição prevê".E considerando a situação económica, social e sanitária que Portugal enfrenta, o candidato considera que é imprescindível que a intervenção do Chefe de Estado se baseie em valores e princípios que a sua candidatura assume - como o papel e a importância do trabalho, dos direitos laborais, sociais e cívicos como componente inalienável da democracia; a defesa dos serviços públicos como componente também fundamental do regime democrático, a afirmação da soberania nacional (uma vez que, segundo o candidato, Portugal foi arrastado para uma posição na União Europeia de subordinação económica e política que pesa negativamente no curso da vida nacional).

"Esta candidatura transporta consigo uma visão do exercício dos poderes do Presidente da República que é única, não é delegável, e portanto muito centrada no papel da Constituição e no que ela tem de projeto de desenvolvimento para o país e um guia para a ação do Presidente da República", explicou numa outra entrevista ao Diário de Notícias. "A Constituição é para levar a sério e não se pode encarar como mera formalidade o juramento que é feito no momento em que se toma posse".
Ataques à direita
Um dos momentos mais polémicos da candidatura de João Ferreira terá sido quando o candidato presidencial apoiado pelo PCP admitiu que daria posse como Presidente da República a um Governo apoiado pelo Chega, uma vez que só teria em conta "os resultados eleitorais" e a "composição do Parlamento" no momento de dar posse ao primeiro-ministro.

Contudo, recordou que "as funções do Presidente não cessariam" com a nomeação do primeiro-ministro e que "se um Governo iniciasse funções afrontando a Constituição, demitiria esse Governo".

Em entrevista à RTP, João Ferreira afirmou que, nesse cenário, "não deixaria de ter em conta" que, enquanto Chefe de Estado que jura "cumprir e fazer cumprir a Constituição", o Chega é uma "força que declaradamente, nos seus princípios e na sua ação, assume posições contrárias a princípios e valores".

Mas o candidato não escondeu que tudo faria "para evitar chegar a uma situação em que o Presidente fosse confrontado" com esse cenário.

"Não abdicaria de nenhum dos poderes, mas o Presidente não pode, não deve inventar poderes", afirmou.
Foto do debate entre João Ferreira e André Ventura: António Cotrim - Lusa

Anteriormente, João Ferreira já tinha deixado claro que considera que a ascensão de forças políticas como o Chega partiam da falta de resposta aos problemas do país.

"A ascensão de forças de cariz anti democrático e até fascizante que nós vemos agora em Portugal, como já vimos noutros países na Europa e no Mundo, tem as suas causas fundamentais na ausência de respostas concretas a problemas concretos sentidos pela esmagadora maioria das pessoas", alegou ao DN, esclarecendo que estes problemas "vão do emprego às oportunidades de realização na vida".

"Há uma insatisfação que é causada pela ausência de respostas a esses problemas. E há depois há uma instrumentalização que algumas forças - sempre apoiadas por setores do poder económico - fazem desse descontentamento, mas de forma a levar a água ao moinho não da resolução efetiva desses problemas, mas sim da manutenção do estatuto de privilégio que esses setores do poder económico têm hoje e que não querem perder".

Como disse no momento de avançar com a candidatura, "Portugal carrega sérios problemas estruturais, consequência de décadas de política de direita, que a situação atual expõe com grande nitidez". E segundo admitiu à RTP "a projeção que hoje se dá a determinadas forças é parte do problema".
Defender o SNS e os salários
A falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde, a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores, dos seus salários e dos seus direitos, e a desigual distribuição de riqueza nacional são das principais lutas da candidatura de João Ferreira.

"Para Portugal, os problemas não começaram este ano. Os impactos da pandemia somam-se a problemas estruturais que o país arrasta há muitos anos: as desigualdades na repartição da riqueza, os baixos salários, a precariedade, a degradação dos serviços públicos, o elevado endividamento e dependência do país, as desigualdades no território", enumerou numa mensagem de Ano Novo.



Se antes o candidato do PCP considerava que havia falta de recursos na Saúde, agora que Portugal enfrenta uma pandemia, João Ferreira tem a certeza é preciso um Presidente da República que defenda o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a valorização dos salários.

"Precisamos de alguém que tenha em conta na sua ação aquilo que dispõe a Constituição: é que o direito à saúde se assegura através de um SNS geral, universal, tendencialmente gratuito. Não é esta visão que tem propriamente prevalecido a partir do exercício dos poderes do Presidente da República, que tende muito mais a acolher aquelas visões que normalmente põem em pé de igualdade o SNS e aquilo que eu chamaria o negócio da doença, o negócio que alguns grupos económicos fazem com a doença", sustentou o candidato, num momento da sua campanha.

Segundo o eurodeputado, a pandemia da Covid-19 provou que "na hora do aperto foi e é com o Serviço Nacional de Saúde (SNS)" que os portugueses puderam contar.

"Nós tivemos uma lição fundamental ao longo destes últimos meses: é que na hora do aperto foi e é com o Serviço Nacional de Saúde que nós podemos contar"
, afirmou após uma visita ao Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS), em Penafiel.

Referindo-se aos hospitais privados, o candidato apoiado pelo PCP recordou que estes "puseram-se ao fresco e desertaram do combate pela saúde dos portugueses". E acentuou: "Não pudemos não contar com eles".

João Ferreira considera fulcral investir no SNS, através da contratação de mais profissionais, tendo mais meios complementares de diagnóstico e "reforçando a capacidade das unidades, seja dos hospitais, seja dos centros de saúde".

Alguém que se candidate às funções de Presidente da República, apontou, "tem de perceber que a Constituição diz claramente que o direito à saúde dos portugueses se assegura através do SNS público, geral, universal e tendencionalmente gratuito".

"Esta deve ser a preocupação do Presidente da República e não estar, de alguma forma, a abrir caminho, a caucionar o desvio de recursos que fazem falta ao SNS".

Segundo o eurodeputado, há ainda "outra lição" a tirar da pandemia: a "importância que têm aqueles que trabalham no SNS" e que passaram a ser "louvados" e classificados como "imprescindíveis".

"Mas não passaram a ser imprescindíveis em março, já o eram antes disso e continuarão a ser imprescindíveis depois da pandemia", lembrou o candidato presidencial, sublinhando que o trabalho deve-se "cuidar e valorizar" e "isso não tem acontecido com os trabalhadores na saúde, como de resto com todos os outros trabalhadores, que precisam de ser valorizados".

João Ferreira acha que Portugal precisa de "um Presidente da República que leve a sério o juramento que faz de defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, porque isso, no que diz respeito à saúde, implica um compromisso inabalável pela defesa do direito à saúde dos portugueses e pela defesa do SNS".

Quanto aos salários, o candidato apoiado por PCP e PEV recordou diversas vezes que o Presidente da República, há um ano, ao promulgar o aumento do salário mínimo nacional para 635 euros em 2020 considerou tratar-se de "uma solução razoável, a pensar na economia e na sociedade portuguesa".

Todavia, para o também vereador da Câmara de Lisboa "este é um valor que arrasta para a pobreza milhares de trabalhadores que têm este salário mínimo nacional". Quando foi criado, permitiu retirar da pobreza milhares de trabalhadores, lembrou, "o problema é que se desvalorizou ao longo dos anos".

E pegando mais uma vez na Constituição que foi aprovada em 1976, João Ferreira quer realçar a necessidade de valorização desse salário mínimo nacional.
Recuperação da TAP e dos empregos
A situação da TAP é uma das que mais preocupam o candidato. Tanto por causa da importância da empresa para o país como pelos empregos que estão em causa. João Ferreira defende, por isso, a sua recuperação e reestruturação, sem questionar os custos.

"A TAP é uma empresa muito importante para o país. Que não existam dúvidas sobre isto", começou por afirmar, em entrevista à RTP.

"A TAP tem um papel fundamental num país como Portugal, cujo território nacional se distribui por uma parte continental e por dois arquipélagos com 11 ilhas habitadas. Num país como Portugal, que tem comunidades emigrantes espalhadas pelos quatro cantos do mundo, a TAP tem um papel fundamental na garantia da continuidade territorial e na garantia à ligação às nossas comunidades".

Para além da função de soberania da empresa, a TAP "é um dos maiores exportadores nacionais", um dos responsáveis pela "dinamização do Turismo" e que tem "um efeito de arrastamento, para o mal e para o bem, para um conjunto enorme de micro e médias empresas".

"Daqui decorre a importância da TAP: nós precisamos de uma companhia aérea de bandeira".

Recordando que Portugal vive um momento particular e complexo, o comunista referiu nessa entrevista também que os prejuízos apresentados pela TAP, antes da pandemia, são o "resultado de opções erradas tomadas no passado", como por exemplo, "a privatização, não apenas da TAP, mas também dos próprios aeroportos".

"Durante muitos anos a ANA forneceu uma receita muito considerável ao Estado. (...) Esta sinergia entre a companhia aérea de bandeira e os aeroportos nacionais é muito importante. Desde a privatização da ANA, a empresa tem dado centenas de milhões de euros de lucro por ano", explicou.

Sobre até que ponto é que o Estado deve injetar capital na TAP, João Ferreira lembrou que a presente crise é transitória e que deve ser garantida a sobrevivência da companhia aérea "enquanto durarem as restrições ao trafego aéreo".

"Temos de garantir que a TAP é sustentável e que não a deixamos ir à falência".É preciso garantir, na ótica do candidato, que, "a companhia é sustentada, que não vai abaixo, que não deixamos a companhia ir à falência". Por isso, "é importante que, com esta reestruturação, não se ataque aquilo que é essencial para garantir a viabilidade futura da TAP".

"Os trabalhadores são essenciais para o futuro da companhia", argumentou. "A TAP para ser viável tem que ter uma dimensão adequada e suficiente".

A estratégia, segundo João Ferreira, passa por defender a TAP "para que possa operar logo que passem as restrições", considerando que se o plano de restruturação deixar a TAP "numa mini companhia", "vamos estar a criar as condições para que a empresa seja absorvida por uma companhia maior".

Ainda na linha do que o PCP tem defendido nos últimos tempos, Joaão Ferreira considera ainda que Portugal não deveria aceitar as imposições que possam vir de Bruxelas quanto à TAP: "Nós não temos de pedir licença a ninguém para defender aquilo que é nosso. Esta é uma decisão que cabe ao Governo tomar".

"Submeter a TAP a critérios que, neste momento, estão a ser impostos pela União Europeia significa reduzir a TAP a uma dimensão que a vai tornar facilmente absorvível por outras companhias, pondo em causa a função de soberania que desempenha e a ligação às nossas comunidades", justificou.
Reflexão na segurança interna
Um dos temas que marcou mais as intervenções de João Ferreira durante a pré-campanha foi o caso da morte imigrante ucraniano nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O candidato presidencial comunistaconsiderou "inqualificável" o homicídio de um cidadão ucraniano nas instalações do SEF e lembrou que esse não é o único caso referenciado de violações de direitos humanos pelo SEF. Para João Ferreira, deve ser criado um mecanismo de garantia de direitos, que pode não excluir a extinção do SEF.

O modelo de segurança nacional vigente em Portugal foi, além disso, considerado "anacrónico", pela ambiguidade da demarcação de competências, por exemplo, entre a PSP e a GNR.

Para o candidato era "absolutamente imprescindível, com caracter de urgência, no momento em que veio a público esta situação, garantir que este serviço funciona através de mecanismos internos e externos de fiscalização que garantam o respeito escrupuloso pelos direitos fundamentais". O que teria de ser feito "agora – garantir que no imediato são adotados os métodos de funcionamento interno e as condições de fiscalização externa".

João Ferreira considerou ainda necessário fazer uma reflexão ampla sobre o modelo de segurança interna, depois de o diretor nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP) ter admitido uma fusão entre a PSP e o Serviço de Estrangeiros Fronteiras (SEF). Reflexão essa que não pode atrasar a adoção imediata, "com carater de urgência, de todos os procedimentos do plano interno e de todas as medidas de fiscalização no plano externo, que garantam o escrupuloso cumprimento dos direitos fundamentais dos cidadãos imigrantes e requerentes de asilo", voltou a apelar.

"Mas essa reflexão não deve ser feita em cima do joelho e tem de ser mais abrangente. Temos várias forças de segurança, não é apenas a PSP e o SEF. Essa reflexão deve ser feita num quadro mais amplo sobre o modelo de segurança interna que defendemos. Que sentido tem manter uma PSP e GNR com funções no essencial idênticas, uma com natureza civil e outra militar a fazerem a mesma coisa consoante a parte do território em que se está", questionou numa intervenção pública.

O respeito pelos direitos dos estrangeiros que chegam a Portugal deve ser a principal preocupação, segundo o candidato comunista, depois da morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk em março, pela qual estão acusados três elementos do SEF.

"O que é essencial desde já é assegurar que este serviço (SEF) tem, no plano interno e externo, os mecanismos de fiscalização que assegurem o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos imigrantes e requerentes de asilo. É fundamental desde já e não pode ficar à espera de nenhuma reflexão nem nenhum debate. Já deveria ter sido assegurado logo que foram conhecidas estas situações. Mecanismos do funcionamento interno e no plano da fiscalização externa da atividade destes serviços, nomeadamente de entidades como a provedoria de Justiça, a Ordem dos Advogados o IGAI (Inspeção Geral da Administração Interna), entre outras, têm de assegurar que os direitos fundamentais são cumpridos", vincou.

Quanto à responsabilização, ou mesmo penalização governamental, do ministro da Administração Interna, João Ferreira diz que não cabe ao Chefe de Estado, mas sim ao Governo tal decisão. No entanto, assegura que se se mudar o ministro, "mas não se adotarem mecanismos de controlo, serve de pouco".
Mais sorrisos e afetos para todos

As sondagens mostram uma ligeira subida do candidato João Ferreira, mas continua a lutar pelo terceiro lugar na corrida, contra André Ventura do Chega. Segundo a sondagem da Aximage, o candidato pelo Chega consegue oito por cento das intenções de voto, enquanto o deputado do PCP alcança 7,5 por cento.

E embora a candidatura de João Ferreira não seja uma "candidatura para desistir", não são as sondagens que o preocupam, porque sente ter apoio de pessoas de vários quadrantes.

Apesar de o caracterizarem, frequentemente, como um homem austero, reservado e que raramente sorri, o eurodeputado garantiu à RTP que seria um "presidente de afetos", mas que os afetos não seriam apenas para alguns.

"É importante que os afetos cheguem a toda a gente", afirmou.
"Há uma reserva de vida privada e pessoal que prezo, mas tirando isso não tenho nenhum problema em trazer para o exercício de funções públicas a exteriorização de sentimentos e de emoções que fazem parte da vida", admitiu também numa entrevista ao DN.

João Ferreira entende que a empatia "não é sorrir a despropósito perante uma situação de sofrimento", mas que "se mede pela identificação que conseguimos ter com os que sofrem".

"Se tivermos oportunidades de conviver em mais campanhas eleitorais vou fazer um esforço para assegurar maior presença dos sorrisos", prometeu.