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Ana Gomes. A mulher que divide opiniões e ambiciona ser a primeira a chegar a Belém

Ana Maria Rosa Martins Gomes nasceu em Lisboa, a 9 de fevereiro de 1954. É licenciada em Direito, mas começou desde cedo na diplomacia. Acompanhou de perto o nascer da independência em Timor-Leste, esteve 14 anos no Parlamento Europeu e enfrenta agora Marcelo Rebelo de Sousa e cinco outros candidatos na corrida à Presidência da República. Ana Gomes quer ser a primeira mulher a chegar a Belém e promete não ser uma Presidente “discreta”, assim como uma candidata que divide opiniões, mesmo dentro do próprio partido.

Exercer advocacia era, inicialmente, o sonho de Ana Gomes e em 1979 terminou a licenciatura em Direito na Faculdade de Direito de Lisboa. Mas foi na diplomacia que encontrou a sua verdadeira vocação.

Um ano depois de terminada a licenciatura, com 26 anos, Ana Gomes foi desafiada por amigos a entrar no concurso para o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) – uma ideia que nunca lhe passara pela cabeça. “Assim fiz, um pouco desportivamente, porque gostava de estar a trabalhar no escritório e era monitora na faculdade. Mas acabei [o concurso] classificada em primeiro lugar, o que decidiu a minha vida", revela a diplomata à revista Máxima.

Uma mulher na carreira diplomática era uma novidade na altura. O concurso em que Ana Gomes participou foi o terceiro aberto a mulheres após o 25 de abril. No livro “Ana Gomes, a vida e o mundo”, da autoria do jornalista do Diário de Notícias João Pedro Henriques, a socialista admite que os primeiros tempos neste meio ainda muito dominado pelo sexo masculino não foram fáceis. “Vi resistência de alguns diplomatas mais velhos e vi resistência de algumas mulheres de diplomatas”, revela Ana Gomes, num excerto do livro publicado pelo jornal Público.

Era já funcionária no MNE quando, em 1982, foi convidada para ser assessora diplomática do então Presidente da República Ramalho Eanes. “Foi por sugestão do chefe da Casa Civil [o embaixador Fernando Reino], que referiu as suas altas qualidades, a competência, o interesse pelos assuntos que lhe eram entregues e uma certa capacidade de crítica que não escondia quando considerava que isso podia contribuir para melhorar a tomada de decisões”, explica Ramalho Eanes à Visão sobre a decisão de convidar Ana Gomes para sua consultora. “A crítica era a característica mais interessante dela”, recorda o antigo chefe de Estado.

De 1986 a 1989 serviu na Missão Permanente nas Nações Unidas em Genebra e em 1997 coordenou a delegação portuguesa do Conselho de Segurança na ONU, em Nova Iorque. Foi aqui que começou a sua longa e marcante jornada na Indonésia, quando o Presidente Hadji Mohamed Suharto renunciou ao cargo, em 1998. "É aí que se decide abrir a secção de interesses de Portugal em Jacarta, no âmbito das negociações que já existiam entre o governo português e o indonésio", explica Ana Gomes ao Diário de Notícias.

É em 1999 que Ana Gomes ganha notoriedade mediática ao viver um dos períodos mais marcantes da sua carreira, quando é convidada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama para assumir o cargo de embaixadora de Portugal em Jacarta. Esta foi a primeira missão de Ana Gomes enquanto diplomata, ao negociar acordos de paz com o objetivo de garantir um referendo à independência de Timor-Leste, depois de duas décadas de ocupação indonésia.

Ana Gomes “foi uma das figuras audaciosas” naquela missão, recorda na Visão José Ramos-Horta, antigo Presidente de Timor-Leste e Nobel da Paz. A embaixadora “conquistou o respeito dos adversários, teve um papel fundamental e não hesitava em criticar o seu governo quando este não era coerente e ativo na questão de Timor”, acrescenta o antigo líder timorense, que descreve Ana Gomes como uma “mulher muito dura, muito frontal, sem medos e sem prestar favor a ninguém”.

A missão acabaria por ser bem-sucedida, com o referendo a ser alcançado a 30 de agosto desse ano e a independência a ser proclamada em maio de 2002. O papel relevante de Ana Gomes valeu-lhe, na altura, o prémio de personalidade do ano, pelo Jornal Expresso, e o prémio dos Direitos Humanos da Assembleia da República.

O trabalho de Ana Gomes não ficaria, no entanto, por ali. Depois de os timorenses terem votado em massa na independência do país, as ruas de Timor foram palco de uma enorme violência, com as milícias pró-indonésias a não reconhecerem o veredicto das urnas.

"Seguiu-se uma enorme onda de violência das milícias pró-indonésias e cerca de 250 mil timorenses foram levados à força para Timor Ocidental. Passei a visitar essa parte de Timor com o João Câmara que havia estado preso com o Xanana Gusmão e que, mais tarde, foi funcionário da Embaixada. Tentávamos persuadir as pessoas a voltarem para Timor-Leste, garantindo-lhes que seriam bem-vindos. Foi um trabalho arriscado - eu cheguei a ter uma catana apontada à cabeça -, mas exaltante”, disse Ana Gomes em entrevista à Máxima.

Foi nesta altura que Ana Gomes se juntou a Ali Alatas, o chefe da diplomacia indonésia, e a Susilo Bambang Yudhoyono, o militar que viria a tornar-se Presidente da Indonésia, num programa de rádio que procurava convencer os timorenses a regressarem ao seu país. A partir daqui, Gomes e Alatas desenvolveram um grande laço de amizade e a diplomata portuguesa diz mesmo que o seu homólogo indonésio foi o “maior aliado” na independência de Timor-Leste.

“Foi um extraordinário diplomata. Foi meu amigo, amigo de Portugal e amigo de Timor-Leste”, disse Ana Gomes na altura da morte de Ali Alatas, em 2008.

Sobre a passagem por Jacarta, Ana Gomes admite que “foi, sem dúvida, a mais importante missão”.
Da diplomacia à política
Em 2002, Ana Gomes deixa Jacarta para trás e, com ela, a carreira de diplomata. Regressa a Portugal onde encontra uma conjuntura política diferente daquela de quando tinha partido. António Guterres, há seis anos no Governo, tinha-se demitido após a derrota socialista nas autárquicas de 2001. Ferro Rodrigues assumiu os comandos do PS, mas acabou por perder para Durão Barroso, do PSD, nas legislativas de 2002.

"Fiquei irritada por o Ferro, um homem extremamente sério, ter perdido as eleições. No dia seguinte, fui ao Largo do Rato inscrever-me como militante do PS”, relembra Ana Gomes na Máxima.

Aqui marcou o fim da diplomacia e o início da política na vida de Ana Gomes, apesar de a veia política há muito estar presente. Nos tempos de estudante, Ana Gomes tornou-se militante do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP).

“Quando entro na faculdade sei que tenho de estudar, claro. Mas estudar era instrumental, o que contava era a oportunidade de me juntar a gente, como eu, que queria acabar com a ditadura. O que que me importava era descobrir quem eram os grupos, as forças [mais bem] posicionadas a quem eu me juntaria para dar cabo do regime”, explica Ana Gomes no livro Ana Gomes, a vida e o mundo.

"Fui para a cantina ouvir o que propunham os vários grupos políticos que lá existiam. Achei que os do MRPP, que eu não sabia bem o que era, seriam os melhores e, ainda por cima, tinham humor. Fui recrutada para fazer pinturas na rua contra a guerra colonial, numa espécie de prova iniciática. Rapidamente passei a fazer parte daqueles que eram conhecidos como os ‘agitadores’", disse à revista Máxima.

No livro de João Pedro Henriques, a diplomata explica que a adesão ao MRPP se deveu, principalmente, a dois homens que a “entusiasmaram”. “Um era o José Luís Saldanha Sanches e o outro era o João Isidro, que era muito culto e tinha muita graça, de humor mordaz e corrosivo contra o regime (…) Pensei para os meus botões: é com estes que quero trabalhar”.

Foi nesta altura que Ana Gomes conheceu o seu primeiro marido, António Monteiro Cardoso, também ele militante do MRPP. Tinham os papéis do casamento prontos a entregar precisamente a 25 de abril de 1974, quando Ana Gomes tinha 20 anos. Casaram-se um mês depois. Fruto desse casamento nasceu Joana Gomes Cardoso, a única filha de Ana Gomes. Com o nascimento da filha, em agosto de 1975, Ana Gomes decidiu abandonar a política e sair do MRPP. Voltou a trabalhar como secretária e reingressou aos estudos durante a noite na mesma faculdade. Terminou a licenciatura em direito quatro anos após o nascimento da filha.
14 anos no Parlamento Europeu
A passagem por Jacarta e o seu papel na independência de Timor-Leste atribui a Ana Gomes um grande reconhecimento e passou a ser um alvo desejável. Depois de se juntar ao PS, o primeiro-ministro Durão Barroso convidou Ana Gomes a juntar-se ao PSD, um pedido que recusou de imediato. “Não tenho nada que ver com o teu partido”, disse a antiga embaixadora. Dias antes, Ana Gomes tinha também recebido um convite de Ferro Rodrigues para assumir o cargo de dirigente nacional do PS.

Foi secretária nacional para as Relações Internacionais do Partido Socialista entre 2003 e 2004. Neste último ano foi eleita eurodeputada pelo PS, uma nomeação proposta, entre outras pessoas, pelo atual presidente da Assembleia da República e seu amigo, Eduardo Ferro Rodrigues. “Eu tenho muito orgulho por a ter seduzido para a política. Foi uma grande deputada no Parlamento Europeu, proposta por mim e pelos dois secretários-gerais do PS que me sucederam. E no momento em que fui miseravelmente caluniado, em 2003, a Ana foi igual a si própria: verdadeira, frontal, corajosa. Ter o coração ao pé da boca nos momentos que vivemos ainda é mais importante do que há 20 anos”, diz Ferro Rodrigues, citado pela revista Máxima.

Nos 14 anos que esteve no Parlamento Europeu, Ana Gomes distinguiu-se pelos temas ligados aos Direitos Humanos, ao combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira.


Ana Gomes foi uma voz ativa no negócio dos submarinos. Enquanto assistente no processo, a eurodeputada admitiu desde o início que existiam suspeitas de corrupção e defendeu a reabertura do processo, solicitando uma investigação a Paulo Portas e a Durão Barroso. O processo acabou, no entanto, por ser arquivado.

Nos últimos meses, Ana Gomes tem também sido participativa em temas como o Football Leaks e o Luanda Leaks, assumindo uma posição controversa em relação ao pirata informático Rui Pinto.

No caso de Isabel dos Santos, Ana Gomes escreveu vários tweets a acusar a filha do antigo Presidente de Angola de lavagem de dinheiro e apontou o dedo a algumas instituições portuguesas, acusando-as de serem "coniventes" com os esquemas fraudulentos da empresária angolana.

Os comentários levaram a antiga eurodeputada a ser processada por Isabel dos Santos. Ana Gomes manteve, no entanto, em tribunal todas as acusações e voltou a incriminar Isabel dos Santos de utilizar a banca portuguesa para "branquear" fundos desviados de Angola.

Desde então, Ana Gomes tem vindo a defender Rui Pinto, o pirata informático responsável pelo Football Leaks e Luanda Leaks. Rui Pinto é acusado de 90 crimes num julgamento que arrancou em setembro e onde se debate se é um denunciante ou apenas um pirata informático. Para Ana Gomes, a questão é simples: “o papel dos denunciantes é fundamental”.

Em entrevista à RTP, a ex-eurodeputada defendeu que, “indiscutivelmente, ele [Rui Pinto] prestou um grande serviço público a Portugal e a outros países, denunciando aqueles que se valem do sigilo profissional para perverter a lei”.

“Acho que é um serviço público da maior importância que já permitiu a outros países recuperar milhões. Não defendo a ilegalidade. Quem tem de avaliar se houve ilegalidade é o tribunal. Eu não me substituo aos tribunais”, explicou Ana Gomes.

“As autoridades não podem desaproveitar os serviços de quem, como Rui Pinto, quer colaborar com a justiça”, sublinhou a socialista à RTP. Referindo-se ao caso dos submarinos, Ana Gomes lembrou que houve condenados na Alemanha, mas não em Portugal, e que o procurador-geral na altura dera instruções para arquivar a investigação.

Enquanto candidata à Presidência da República, Ana Gomes prometeu que, com respeito pela separação de poderes, trataria de impedir que houvesse obstruções ao curso normal da justiça. “Sendo Presidente da República eu saberei, com respeito pela separação de poderes, fazer a diferença e apoiar quem na justiça quer fazer a diferença”, afirmou.
De corajosa e frontal a extremista e populista ou mesmo "um rottweiler"
Ana Gomes não é, decididamente, uma mulher e candidata à Presidência de consensos. A sua frontalidade e o seu sentido crítico fizeram da diplomata uma figura que divide opiniões, mesmo dentro do seu círculo político.

António Campos, um dos fundadores do PS, dizia em setembro que não iria, de “certeza absoluta”, votar em Ana Gomes. Ao semanário Sol, Campos descreve a socialista de “muito populista” e “um bocado justiceira”. O presidente do PS, Carlos César, também descartou o voto em Ana Gomes, argumentando que nunca apoiará “um candidato ou candidata distante das pessoas, rude, divisionista”.

Citada pela revista Visão, Elisa Ferreira, atual comissária europeia e antiga colega de Ana Gomes na bancada do PS no Parlamento Europeu, admite que há “matérias em que, de facto, não se pode dizer que seja uma pessoa moderada”, mas sublinha: “essa é precisamente uma das características que a Ana não pode perder”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, também apelidou Ana Gomes de extremista, considerando a socialista “uma boa candidata, mas que não merece o apoio do PS”.

“Não sou nada extremista”
, responde Ana Gomes em entrevista no podcast Perguntar Não Ofende. “Mas se essa crítica do extremista é a mesma do radical que também me querem lançar, depende do que é. Se é contra a corrupção, a falta de ética, de isenção na vida política sim, sou extremista e radical”, acrescenta.

A diplomata chegou mesmo a ser comparada a um rottweiler. Em conversa com diplomatas americanos em 2010, Jorge Roza de Oliveira, ex-assessor diplomático de José Sócrates, terá descrito Ana Gomes como “uma senhora muito excitada, pior do que um rottweiler à solta”.

Para outros, coragem é a palavra que melhor define a socialista. Ramalho Eanes destaca o espírito crítico de Ana Gomes e José Ramos-Horta exalta a sua dureza e frontalidade.
Candidata à Presidência da República
A 10 de setembro, Ana Gomes apresentou oficialmente a candidatura à Presidência. “Devo dizer que não contava. Durante meses e meses esperei que o meu partido apresentasse o seu candidato”, disse a socialista quando anunciou a sua candidatura.

“Como pode o socialismo democrático não participar nesta eleição?”, questionou. “Não compreendo nem aceito a desvalorização de um ato tão significante como a eleição para a Presidência da República”, acrescentou. “A eleição para a presidência da República não pode ser posta atrás de uma eleição para um clube de futebol”, sublinhou.

Para a diplomata, “um grande partido como o PS não pode furtar-se nem ao debate político, nem a ter posição e a apoiar um candidato ou do seu partido, ou da sua área política. Sempre que o PS se dividiu ou não foi a jogo, não se pode queixar. Depois a direita ganhou”. E sublinha: “Nesta conjuntura extremamente preocupante em que a própria extrema-direita levanta a cabeça é inaceitável uma deserção do PS”.

A socialista apresentou-se, assim, à corrida presidencial sem o apoio do seu partido, mas garante ter do seu lado muitos dos seus camaradas. “Sinto-me muito acompanhada por socialistas e por muitos jovens socialistas em particular”, disse Ana Gomes à RTP. Para além do apoio de alguns socialistas, Ana Gomes conta também já com o apoio do PAN (Pessoas–Animais–Natureza) e do Livre.

A camada mais jovem da população foi precisamente uma das razões que levou Ana Gomes a apresentar a candidatura. A diplomata diz mesmo que foi uma carta de um jovem de Fânzeres que a fez tomar a decisão de avançar com a candidatura. “Tenho a ambição que os jovens têm de ser implicados, chamados e não podem baixar os braços”, defende a socialista, explicando que será uma candidata “contra as desigualdades, contra a desumanidade de descartar os mais velhos e a tacanhez de não facultar oportunidades aos jovens, contra a lentidão na justiça, que só serve a injustiça, contra a iniquidade fiscal, contra a corrupção a frouxidão no combate ao crime económico e financeiro”.

A entrada na corrida presidencial foi uma decisão ponderada em conjunto com o seu marido, António Franco, que faleceu em pleno processo de decisão, em julho deste ano. Casados desde 1994, Ana Gomes e António Franco, também ele diplomata, conheceram-se em 1983, durante a presidência de Ramalho Eanes.

“Foi um processo longo e maturado. Fui conversando com o meu marido. Ele estava muito preocupado com a atual conjuntura, com o levantar de cabeça da extrema-direita, violenta e racista, e com o desinteresse do PS por esta campanha. Uma semana antes de ele falecer, tivemos uma conversa em que ele me disse que eu tinha de fazer o que tinha de fazer”, disse Ana Gomes na RTP.

“É pelos jovens, pelos nossos netos. É por um futuro melhor para o nosso país. É pelos nossos netos que não podemos desistir. Temos de corrigir o que precisa de ser mudado. Esta conversa com o meu marido foi determinante para eu racionalmente chegar à conclusão que tinha de avançar”, explicou a socialista.
Críticas a Marcelo Rebelo de Sousa
Para Ana Gomes, o seu adversário nesta corrida é Marcelo Rebelo de Sousa, de quem faz um balanço “globalmente positivo” sobre o seu mandato, designadamente no que toca à descrispação do país”.


“A descrispação que introduziu na sociedade portuguesa por causa de todas as maldades da Troika” é um dos pontos positivos que Ana Gomes aponta no mandato de Marcelo. “[A sociedade] precisava de ser estimulada. Nesse sentido, a ação de Marcelo foi útil”, disse a candidata socialista ao podcast Perguntar Não Ofende.

No entanto, Ana Gomes não poupa nas críticas a Marcelo nos cinco anos em que assumiu a presidência.

Em primeiro lugar, a socialista critica a forma como António Costa lançou Marcelo a um segundo mandato durante uma visita à Autoeuropa, em maio de 2020. “Eu nunca teria tolerado, com um sorriso cúmplice, que um primeiro-ministro lançasse a minha recandidatura”, disse Ana Gomes à RTP, acusando Costa, com esta atitude, de também ser responsável pelo PS não ter um candidato das suas próprias fileiras.

“Cada macaco no seu galho. É preciso distinguir qual é o papel do Presidente e qual o papel do Governo e nos últimos meses os portugueses não têm visto muito bem essa distinção. Há demasiado encosto do Presidente ao Governo e do Governo ao Presidente”, acusou a socialista. “E por vezes há não só oposição, como inclusivamente costas voltadas e até tapete retirado, principalmente da parte do Presidente da República relativamente ao Governo”, acrescentou a socialista após formalizar a sua candidatura ao Palácio de Belém, no Tribunal Constitucional, em Lisboa.

Ana Gomes critica ainda o Presidente da República pelas intervenções excessivas e pela falta de seletividade. “Não podemos ter o Presidente todos os dias a ter uma intervenção que é mais de comentador. Eu trabalhei na Presidência da República com o general Ramalho Eanes e percebi a importância de ser seletivo nas intervenções. O que não quer dizer menos afetivo e sobretudo não quer dizer não ouvir as pessoas. Pelo contrário, ouvir as pessoas, mas ser seletivo nas intervenções”, disse Ana Gomes à RTP.

“Desde sempre achei que havia muita intervenção do Presidente que era despropositada e não servia os interesses do país”, acrescentou. “O falar sobre tudo e mais alguma coisa desvaloriza a intervenção do Presidente”, explica a antiga eurodeputada no podcast Perguntar Não Ofende.

“Não digo que serei discreta e não quero nunca um Presidente discreto. Mas um Presidente que seja seletivo nas suas intervenções”
, esclareceu a candidata.

Indo mais longe nas críticas, Ana Gomes afirma que “Marcelo tem sido o grande desestabilizador” e considera mesmo que um segundo mandato do professor universitário e antigo comentador será “perigoso”.

À RTP, a diplomata justificou a sua opinião, considerando que Marcelo “vai normalizar forças que têm o objetivo de destruir a constituição e, no fundo, destruir a democracia”.

Ana Gomes refere-se ao partido do também candidato André Ventura, argumentando que “o Chega não devia ter sido legalizado”. O presidente da República, acrescentou, “deveria ter pedido aos órgãos próprios, como o Ministério Público e o Tribunal Constitucional, que se pronunciassem sobre a legitimidade desse partido”.

“Eu não permitira sequer uma solução que fizesse a democracia ficar dependente de um partido com estas características. Enquanto Presidente da República não daria posse a um Governo que incluísse o Chega”, disse a candidata socialista à RTP.
Segundo lugar nas sondagens
A candidatura de Ana Gomes à Presidência da República foi encarada como um sinal de esperança de levar as eleições a uma segunda volta. No entanto, tal parece estar longe de acontecer.

Segundo a última sondagem da Universidade Católica para a RTP e para o jornal Público, Marcelo Rebelo de Sousa seria facilmente reeleito à primeira volta com 68 por cento dos votos.

A socialista Ana Gomes surge em segundo lugar, com 13 por cento das intenções de voto, e logo atrás está o candidato do Chega, André Ventura, com oito por cento dos votos.


Segundo indica a sondagem, Ana Gomes recebe apenas sete por cento dos votos do seu eleitorado, com 66 por cento do Partido Socialista a admitir votar no atual Presidente da República. É no Bloco de Esquerda que Ana Gomes encontra os principais eleitores, recebendo uma maior percentagem de votos do que a própria candidata bloquista Marisa Matias (17 por cento contra 13 por cento, respetivamente).

“Se há tantos socialistas que apoiam um candidato de direita, o problema não é meu, o problema é do próprio partido socialista”, disse a diplomata à RTP, admitindo que os socialistas estão “iludidos”.
No entanto, Ana Gomes diz não acreditar nas sondagens, recusando que mais de 60 por cento do seu eleitorado vote em Marcelo. “Eu acho que os socialistas não são palermas, pensam pela sua cabeça”, afirma.

Em setembro, na Grande Entrevista da RTP, Ana Gomes mostrava-se convicta na vitória, relembrando quando Mário Soares concorreu contra Freitas do Amaral. “Na primeira volta, o professor Freitas do Amaral até ganhou. E na segunda volta Mário Soares conseguiu e ganhou”, recordou a candidata.

“Todos os presidentes da minha família política – Mário Soares e Jorge Sampaio – fizeram excelentes presidências que muito honraram e que muito serviram o país. Eles são a demonstração de que quando houve unidade, fizemos a diferença. Quando o nosso campo político se desinteressou, foram eleitos Presidentes de direita”, disse a antiga eurodeputada.

Não é a primeira candidata mulher, mas quer ser a primeira a chegar a Belém. “Os portugueses estão mais do que preparados para ter uma mulher na Presidência”, defende Ana Gomes.

A seu lado na corrida presidencial, Ana Gomes tem outra mulher: Marisa Matias, do Bloco de Esquerda. A estas duas candidatas somam-se outros cinco: Marcelo Rebelo de Sousa, Tiago Mayan, André Ventura, Vitorino Silva e João Ferreira.