24 de junho de 2016, o dia depois do referendo. O mundo, e em particular a Europa, acordavam em estado de choque. A consulta popular sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia ditou a primeira saída, histórica, de um Estado-membro. Para choque e tristeza dos europeístas, de 28 passariam a 27, ainda para mais consumando-se a perda de um elemento de grande peso a nível político, económico e diplomático no bloco europeu. No rescaldo destes acontecimentos, três amigos de diferentes nacionalidades decidiram criar um movimento político pan-europeu com o objetivo de combater os nacionalismos e extremismos no Velho Continente.
A ideia dos três amigos - o italiano Andrea Venzon, o alemão Damian Boeselager e a francesa Colombe Cahen-Salvador – chegou a mais jovens e a mais geografias. Nos anos seguintes, o Volt passou de plataforma política a partido político em vários países europeus.
A história particular do Volt em Portugal começou em finais de dezembro de 2017, após o contacto entre Andrea Venzon, na altura presidente do Volt Europa, e Tiago Matos Gomes, de 46 anos, um ex-jornalista que é o atual dirigente do partido.
O “braço” português deste movimento estreia-se nas redes sociais no início de 2018 e, ainda sem ser partido, o movimento Volt Portugal participa em várias ações de protesto associadas à proteção do clima e dos direitos LGBTIQ+.
Em junho de 2018, inicia-se a recolha de assinaturas para constituir uma força partidária, processo que iria levar mais de um ano. Em plena pandemia de Covid-19, a 25 de junho de 2020, o Tribunal Constitucional aprova a constituição da nova força partidária após entrega de assinaturas, manifesto e estatutos. O primeiro congresso e eleição dos órgãos internos acontece meses depois, a 26 de setembro de 2020.
No ano seguinte, em menos de um mês, o Volt Portugal acolheu a Assembleia Geral do Volt Europa e participou pela primeira vez num escrutínio no país, as eleições autárquicas, obtendo resultados modestos.
Em Lisboa, o partido concorreu com Tiago de Matos Gomes à Câmara Municipal, tendo arrecadado apenas 1012 votos (0,42%).
No Porto, com o diretor financeiro André Eira como cabeça de lista, os mesmos pontos percentuais (0,42%) e 422 votos. O melhor resultado foi mesmo obtido em Tomar, com 1,22 por cento dos votos (220 votos) na votação para a Câmara Municipal. Em Coimbra, mais especificamente em Almalaguês, a volter Inês Reis dos Santos foi eleita como deputada de freguesia.
Agora, nestas primeiras eleições legislativas, o Volt Portugal concorre a 19 dos 22 círculos eleitorais, ficando de fora nos círculos de Bragança, Castelo Branco e Madeira.
Tiago Matos Gomes esteve na origem do Volt Portugal e é atualmente o presidente do partido.
“Flexibilidade ideológica”
O movimento Volt Europa já conseguiu garantir a eleição de deputados nos Parlamentos nacionais dos Países Baixos e da Bulgária e de um eurodeputado no Parlamento Europeu, Damian Boeselager, em representação da Alemanha.
Nestas eleições de 30 de janeiro, o Volt define como objetivo conseguir entrar no Parlamento, e logo com dois deputados.
Mas o que distingue afinal o Volt de outros pequenos ou grandes partidos? O VP define-se recorrentemente como o partido dos três P’s: pan-europeísmo, progressismo e pragmatismo. Olhemos com mais pormenor para cada um deles.
A vertente europeia está obviamente associada à forma como o partido nasceu e às ligações com outros países. O programa político do Volt para estas eleições, assume-se, é desde logo construído com base no programa europeu, que foi “criado em conjunto por pessoas de todos os cantos da Europa aproveitando a riqueza da diversidade que encontramos no nosso continente”.
“Tal como acontece com todos os programas nacionais do Volt, este é agora adaptado pelo Volt Portugal à realidade Portuguesa através dos seus membros mas também de não membros demonstrando assim a abordagem inovadora que o Volt traz à Política Portuguesa”, lê-se no programa do partido disponível online.
Critica, desde logo, a crise política e os motivos que levaram a esta eleição a que concorre pela primeira vez. “Infelizmente os partidos da geringonça não pensaram nos interesses do país e dos portugueses, mas nos seus interesses! O PS sonha com a maioria absoluta, e o BE e PCP privilegiam a sua ideologia”, afirmam os volters nas redes sociais.
Leia-se, por exemplo, a interpretação sobre o papel do Estado: “Colocamo-nos ao centro do espetro político na forma como vemos o papel do Estado, pois vemos este como um meio e não como um fim, acreditamos que o Estado deve intervir tão pouco e tão rápido quanto possível e tanto e por quanto tempo for necessário”.
Ou em relação à economia, onde a maleabilidade do Volt fica bem patente: “A nível económico, o Volt pode ser considerado um partido ‘de centro, na média’, já que defende tanto medidas tradicionalmente conotadas com a esquerda, como com a direita. Esta flexibilidade ideológica do Volt é meramente um reflexo do seu pragmatismo”.
No programa do Volt destacam-se seis grandes objetivos: “Estado Inteligente”, que engloba as áreas da saúde, educação e administração pública, por exemplo, o “Renascimento Económico”, com destaque para a sustentabilidade fiscal e da segurança social, mas também para a redistribuição, a “Igualdade Social”, na luta contra a discriminação dos mais frágeis e minorias, o “Equilíbrio Global”, em que se destaca a proposta de repensar o papel da energia nuclear, “Dar Voz aos Cidadãos”, onde se inclui a regionalização, e por fim, a “Reforma da União Europeia”.
Pode consultar aqui o programa do Volt Portugal para estas Legislativas.
Daqui resulta uma espécie de caderno de encargos à la carte, que poderia ser classificado como vindo do “centro pragmático”, a fazer lembrar declarações recentes do vice-almirante Gouveia e Melo.
Uma das medidas propostas mais sonantes é a da criação de um “Ministério da Digitalização”, numa lógica de “gestão eficiente dos serviços públicos” para redução de “custos e desperdício”, dando ao mesmo tempo ferramentas para um “sistema educativo inovador, cuidados de saúde de alta qualidade e um sistema judicial eficaz no combate à corrupção”.
O programa do Volt tenta acorrer a todos os grandes problemas da saúde, educação e administração pública, defendendo uma administração pública “meritocrática” e menos burocrática, mas com uma nova figura inspirada no médico de família, a do “administrativo público da família”.
Na Educação, os volters defendem creches gratuitas, um modelo de ensino vocacional inspirado nos modelos suíço e alemão, a introdução formal do “ano zero” nas escolas portuguesas, a criação de uma nova disciplina de “Desenvolvimento Pessoal e Social”, sem esquecer também a valorização dos professores.
No campo económico assumem um posicionamento indefinido, sobretudo quando expõem que o mercado português é "dual", onde há, por um lado, a “excessiva precariedade” de alguns, e por outro, “uma alta proteção” de trabalhadores efetivos.
“O Volt defende uma transição para um mercado de trabalho mais à semelhança do que acontece no Norte da Europa, em que existe maior facilidade em contratar e despedir por parte das empresas, ao mesmo tempo que a segurança social garante que trabalhadores que se encontrem no desemprego tenham apoios generosos por períodos prolongados”, lê-se no programa.
Defendem também, no âmbito económico, a abolição de alguns impostos e a criação de um novo escalão de IVA, a criação de novos impostos para as multinacionais e ainda a redução de funcionários públicos, com a limitação do crescimento dos salários base destes trabalhadores “em função do crescimento económico e da produtividade”.
O Volt debruça-se também sobre as questões de igualdade social, defendendo um ataque cerrado à discriminação de mulheres, pessoas LGBTQI+ e imigrantes. Apontam também à redução das desigualdades e proteção de famílias vulneráveis, com a criação do Rendimento Básico e Incondicional (RBI).
A posição em relação à eutanásia, tema que certamente voltará a ser discutido na próxima legislatura, é bastante híbrida como noutros temas: opõem-se à eutanásia ativa mas defendem a legalização da eutanásia passiva e do suicídio assistido.
Há ainda espaço para as preocupações ambientais, com o objetivo de “tornar Portugal neutro em carbono até 2040” e, em contra-corrente com alguns dos típicos movimentos ecologistas europeus, defendem que deve ser dada uma oportunidade à energia nuclear de nova geração.
Entre outras medidas concretas que são sugeridas destacam-se, por exemplo, a atribuição de “cheques culturais” no valor de 200 euros aos jovens entre os 16 e os 19 anos e que o dia 9 de maio, Dia da Europa, se torne feriado nacional.
A Europa é, de resto, o ponto de partida e de chegada do Volt, que pede mais poderes para o Parlamento Europeu e o fim das presidências rotativas do Conselho da União Europeia, por considerar que estas limitam o trabalho a longo prazo.
Com elementos que veríamos possivelmente em vários programas de partidos diferentes, o Volt Portugal procura estar na vanguarda ao não se comprometer por completo com nenhuma das visões típicas apresentadas pelas forças partidárias em Portugal ao longo das últimas décadas, correndo os riscos inerentes de se apresentar de forma potencialmente ambígua perante os eleitores.
Para justificarem o posicionamento político, os volters portugueses recorrem à obra de John Rawls, um filósofo norte-americano do século XX que adotou o conceito de “véu da ignorância” para os princípios de uma justiça equitativa sem amarras. Em “Uma Teoria sobre a Justiça” (1971), Rawls defende, num enquadramento liberal e racional, a necessidade de assumir uma posição imparcial em que os princípios não são escolhidos com base em interesses pessoais ou políticos, mas de um ponto de partida comum, numa situação inicial hipotética para toda a sociedade.
Com maior ou menor imparcialidade, com maior ou menor clareza, o Volt apresenta-se como um partido jovem, prático e enérgico, ou não fosse o seu nome designar a unidade de tensão elétrica no campo da Física. Uma unidade prática de força, desta feita política, que se propõe a aprimorar a Europa como um todo, um país de cada vez.
Fotografias: Paulo Novais e Mário Cruz - Lusa