O que é o novo Pacto de Migrações e Asilo?
O Pacto de Migrações e Asilo é um acordo histórico que a União Europeia acabou por concluir em abril de 2024. São dez propostas legislativas que estavam em cima da mesa, algumas já há cerca de dez anos, e que ainda não tinham alcançado um acordo por parte dos Estados-membros e do Parlamento Europeu.
Foi preciso haver uma série de acidentes infelizes, numa dimensão maior, acidentes que acabaram por criar uma pressão política para, tanto o Parlamento como o Conselho de Ministros, chegarem a um acordo sobre esta matéria.
A dimensão histórica deste acordo, na prática, consiste no facto de passarmos a ter um regime jurídico único, um conjunto de leis que se vão aplicar aos 27 países.
Ou seja, ao contrário da situação atual – em que temos uma legislação diferente em cada país e métodos diferentes de acolhimento dos migrantes e dos refugiados – vamos passar a ter um procedimento único que se aplicará a todos os 27 países da União Europeia, de uma forma harmonizada.
É um acordo solidário e responsável?
Sim. Se eu tivesse que resumir este Pacto Migratório em duas palavras, seriam as de solidariedade e responsabilidade.
Solidariedade porque este acordo cria um mecanismo que permite repartir, entre os 27 países, o ónus da responsabilidade do acolhimento ou seja, já não passa a ser só a Grécia, individualmente, ou a Itália ou a Espanha – países de primeira linha – a assumirem sozinhos a responsabilidade e os custos inerentes do acolhimento dos refugiados e dos migrantes. Passa a existir um mecanismo que reparte essa responsabilidade entre todos. Trata-se de um mecanismo obrigatório que estabelece uma solidariedade flexível, ou seja, não vamos impor quotas de X migrantes por país (e obrigar os países a acolher esses migrantes) porque cada país tem situações e capacidades diferentes. Por isso, será com base nessa realidade concreta que cada país vai contribuir para o esforço comum, da forma mais apropriada, seja financeiramente seja materialmente.
Responsabilidade porque através deste acordo os Estados-Membros passam a ter um processo para dar uma resposta mais rápida, um tratamento mais acelerado a quem realmente necessita de proteção. Ou seja, passa a existir uma triagem que é feita – mais facilmente e mais rapidamente – entre os migrantes por motivos económicos e os refugiados que beneficiam e que devem beneficiar de uma proteção de direito internacional através da Convenção de Genebra.
A questão fundamental é saber quem entra no território da União Europeia e cabe-nos a nós tomar essa decisão. Isso não pode ser imposto pelos traficantes de seres humanos.
Assim sendo - e logo à entrada -, cada migrante é sujeito a três avaliações: identidade, segurança e saúde/vulnerabilidade. Há perguntas que devem ser respondidas no imediato – quem entra, constitui uma ameaça à segurança europeia? É vulnerável? Precisa de cuidados de saúde imediatos? – e com base no resultado dessa avaliação, as entidades nacionais encaminham quem chega para uma de três situações possíveis: ou para um procedimento clássico do pedido de asilo, por ter direito a esse estatuto; ou para um procedimento acelerado, no qual é tratado como um migrante económico por não existirem as condições para ser requerente de asilo ou por se terem constatado circunstâncias que podem pôr em perigo a segurança europeia; ou ainda para o procedimento de regresso porque ficou claro que o migrante não podia permanecer em território europeu.
Ao criar estes três procedimentos específicos para atender aos diferentes casos de migrantes, a União Europeia permite um tratamento célere dos pedidos, limitando a permanência em centros de acolhimento temporários.
Outra dimensão fundamental na palavra responsabilidade é, sobretudo, o destaque que é dado à luta contra o tráfico de seres humanos. Uma das situações muito específicas das migrações, tanto de origem africana como de origem do Médio Oriente, é que recorrem a um sistema de criminalidade organizada e de tráfico de seres humanos. Com este acordo, passamos a ter mecanismos preventivos, mas também mecanismos sancionatórios para todas as situações de criminalidade organizada ligada às migrações.
E no que se refere ao Asilo há também novidades?
Sobre a questão do Asilo, este Pacto acaba por trazer também uma solução única que será aplicada aos 27 países, ou seja, cria-se, um mecanismo que permite a cada Estado-Membro poder fazer uma triagem entre refugiados ou migrantes, e dar o seguimento necessário aos pedidos de asilo, pedidos que passam a ser reconhecidos pelos outros países. Isto evita situações em que se pode ter diferentes tentativas de pedidos de asilo, em paralelo, como tem sido a prática até agora.
O pedido de asilo, neste caso, é feito logo à chegada do migrante que é também requerente de asilo e feito com base nas normas que se aplicam pelas Convenções e pelos Tratados Internacionais, nomeadamente a Convenção de Genebra, que define as situações em que o requerente de asilo pode beneficiar desse estatuto.
Em circunstâncias normais – das pessoas que chegam de fora do espaço europeu – os pedidos devem ser processados dentro de seis meses. O requerente beneficia das condições de acolhimento a nível nacional, podendo ser em centros de acolhimento, refúgios ou abrigos oferecidos pelas entidades nacionais.
Nos procedimentos à fronteira – ou seja, quando o migrante já está dentro de espaço europeu e quer passar a fronteira para outro país da União – os pedidos devem ser tratados em 12 semanas (Convenção de Dublin). Nestes casos, os requerentes permanecem em centros de acolhimento em zonas de trânsito ou nas imediações da fronteira, não estando autorizados a permanecer em território da União Europeia.
Outra das particularidades que este Pacto Migratório introduz é uma ligação com o que nós chamamos uma lista de países seguros, ou seja, a partir do momento em que um país consta desta lista, à priori, o pedido de asilo não poderá ser feito porque a situação política desse país – política, económica e social – é considerada suficientemente estável para não poder permitir a aplicação desses pedidos de Asilo.
Como se faz a luta contra a instrumentalização dos migrantes?
Uma das outras particularidades deste Pacto Migratório é a de permitir converter em “lei europeia” – e que depois vai ser também transposta para os ordenamentos jurídicos nacionais – o conceito de instrumentalização, ou seja, quando um país fora da União Europeia, como tem sido o caso, acaba por utilizar as vagas migratórias com uma finalidade política.
Foi o caso recentemente, por exemplo, na Bielorrússia, que recebia diretamente refugiados da Síria e que empurrava esses refugiados para a fronteira da Polónia para apresentarem pedidos de asilo mas de uma forma completamente artificial, ou seja, instrumentalizando de facto a necessidade dessas pessoas.
O que é o Sistema de Proteção Temporária?
O sistema de Proteção Temporária que, em determinadas circunstâncias completamente excecionais – como é o caso de um conflito armado – permite recorrer ao estatuto de abrigo temporário das pessoas que chegam às fronteiras da União Europeia.
Foi o que aconteceu recentemente com os Cidadãos ucranianos: depois do início da guerra a União Europeia foi confrontada com uma vaga, um afluxo migratório muito elevado de ucranianos a quem foi necessário acudir, integrando-os dentro do espaço europeu de uma maneira temporária.
Para Consulta
https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20240408IPR20290/parlamento-valida-acordo-final-do-novo-pacto-sobre-migracao-e-asilo-da-ue
https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/eu-migration-policy/eu-migration-asylum-reform-pact/
https://eur-lex.europa.eu/PT/legal-content/summary/temporary-protection-if-there-is-a-mass-influx-of-displaced-people.html
Destaques da legislatura europeia. O Pacto de Migrações e Asilo
Entrevista a Alfredo Sousa de Jesus, conselheiro político no Parlamento Europeu.
por Andrea Neves - correspondente da Antena 1 em Bruxelas