Bruxelas.PT - O Programa Espacial Europeu: a importância dos satélites da União Europeia no dia a dia dos cidadãos

por Andrea Neves - correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 26 de Abril de 2024 | Foto: Reuters

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Vera Pinto, Coordenadora na área do Programa Espacial Europeu.

Operações de Busca e SalvamentoComo podem os satélites do Programa Espacial Europeu ajudar em missões de busca e salvamento? São importantes nessas situações?

São importantes, são extremamente importantes e, por exemplo, o Galileo tem um serviço precisamente de busca e salvamento que confesso que é dos serviços de que mais orgulho por ter contribuído para que seja operacional.

No mar ou na terra ou é igual?

É igual. Basicamente é uma contribuição para um sistema internacional que com a participação do Galileo consegue agora ter um raio de busca mais preciso – passou de dez quilómetros para dois quilómetros – e um tempo de receção do pedido de socorro mais curto – passou de quatro horas para dez minutos no máximo. Isto é aquilo com que nós, no Galileo, nos comprometemos. Mas nós próprios fizemos alguns testes e, na verdade, conseguimos receber o sinal de socorro em menos de dois minutos.

Curiosamente uma das primeiras ativações deste serviço aconteceu em Portugal, no sul, no Algarve: os nossos satélites receberam o sinal, passaram essa informação para os centros terrestres que a transmitiram, por sua vez, para a Marinha que acionou os helicópteros da Força Aérea para fazer a busca e salvamento de um barco que estava à deriva no sul de Portugal.

De facto este sistema consegue ajudar salvar muitas vidas, porque da mesma forma pode ser utilizado nos Alpes, por exemplo, se alguém for fazer montanhismo e tiver algum problema. Desde que acione o Beacon, isso acontece.

E há uma nova característica, que nós adicionamos até muito recentemente – porque antes as pessoas carregavam no botão para pedir ajuda mas não tinham absoluta ideia se o pedido tinha sido recebido, se alguém o tinha visto e numa situação de vida ou de morte isso é muito complicado – e nós desenvolvemos uma forma de mandar um raio de esperança a quem faz o pedido de socorro: trabalhámos no sistema e na parte tecnológica dos recetores, trabalhámos também junto com as empresas que os produzem para que fosse possível a pessoa receber uma mensagem de volta, uma mensagem ou um sinal de luz ou um som, mas que lhe dissesse que nós recebemos o pedido de ajuda.

Já agora - e para quem não sabe - o que é um beacon?

O beacon é um dispositivo do tamanho de uma garrafa que é utilizado precisamente para ativar estes sistemas de socorro. São vendidos em lojas de produtos náuticos, por exemplo, e nalgumas lojas mais especializadas em montanhismo, mas é acessível a qualquer pessoa que, depois, tem que o registar para que as autoridades saibam de quem é que estão à procura, no caso de ser ativado.
Quando o tempo tem que ser contado ao milésimo de segundoQue papel têm os satélites do Programa Espacial Europeu nas operações nas quais o tempo tem que ser definido com precisão e é essencial?

Os satélites do Galileo têm a bordo o que nós chamamos relógios atómicos –não é por serem atómicos de nuclear mas é precisamente pelo nível de precisão que têm – e no Galileo temos dois tipos de relógio atómico em cada satélite. Nós funcionamos muito com o sistema de redundância: se um falhar, podemos ativar o outro e isso é também uma segurança extra.

Este tipo de precisão de tempo é utilizado, por exemplo, em cada vez que vamos fazer uma transação com Multibanco e fica registado no talão a hora a que foi feita essa transação. Esse tempo é dado pelos relógios atómicos. Isto é muito importante, por exemplo, para a Bolsa de Valores onde há tantas transações e é importante saber o tempo preciso das mesmas, mas também por exemplo, para as redes, para as infraestruturas críticas, como as redes de energia.

Portugal investiu imenso em redes e em fontes de energia renováveis, mas é preciso saber o momento preciso em que a energia renovável, por algum motivo, se esgota e temos – para conseguir manter a alimentação da rede –que passar a outra fonte de energia. Esta sincronização precisa de um nível de precisão imenso, porque senão vai haver um apagão nalgum lado, e este tipo de relógios atómicos ajuda neste tipo de sincronização das redes. São alguns exemplos.

Neste momento, dez por cento do Produto Interno Bruto da União Europeia depende diretamente dos sistemas de navegação por satélite o que significa que, pegando nesta questão do tempo, se houver um problema com este serviço de tempo, a economia colapsa, o sistema bancário colapsa. É um luxo a que não nos podemos dar o que também põe em cima de nós, aqui, uma grande responsabilidade.
Os satélites e os transportesOs satélites do Programa Espacial Europeu também são essenciais nas cadeias de transportes?

Sim, sobretudo quando estamos a falar da transição verde.

Nós temos vários estudos sobre a utilização tanto de Copernicus como do Galileo, em termos de poupança de combustível, por exemplo.

A utilização do EGNOS nas aterragens dos aeroportos não só é uma questão de segurança, mas também representa uma imensa poupança de combustível e obviamente utilizando menos combustível temos menos emissões.

Tivemos um projeto muito interessante com Praga, em que todos os elétricos foram equipados com recetores que usam o Galileo, e isto permitiu à empresa que gere a rede de transportes melhorar toda a questão logística e de manutenção dos elétricos. Ou seja, não só permitiu prolongar a vida do elétrico, como fazer as manutenções do elétrico no momento certo.

Isto, obviamente, se pensarmos em questões relacionadas com a economia circular, com a utilização dos materiais etc… representa uma diminuição de custos significativa para a empresa mas também uma vantagem considerável para o ambiente.
Os satélites na agriculturaQuando falamos do Programa Espacial Europeu falamos de interações com vários domínios, incluindo o da agricultura.

Existe um projeto muito interessante que combina dados do Copernicus com dados dos serviços do Galileo.

É uma app no telemóvel do agricultor, nada mais do que isto, mas que lhe permite avaliar a qualidade do solo e os nutrientes que existem no solo e, portanto, ele consegue avaliar melhor se precisa de colocar já fertilizante ou não, ou perceber que provavelmente uma certa cultura não será a melhor para aquele terreno específico, por exemplo. Ou seja, também permite uma gestão mais eficiente dos recursos.

E, de facto, quando estamos a falar de agricultura de precisão – e porque somos mais de oito mil milhões de pessoas no Mundo para alimentar e isto não é negligenciável – é essencial conseguirmos otimizar as áreas em que são necessários fertilizantes ou pesticidas, ou perceber se aquele solo precisa de facto de mais água ou não, ou até se uma determinada cultura já está pronta para a colheita.

Tudo isto utiliza serviço de dados espaciais e permite uma otimização dos recursos que nos dias de hoje, com todas as questões relacionadas com as alterações climáticas e a escassez de recursos – as secas, por exemplo, que cada vez estão a assolar mais o sul da Europa – não é negligenciável.
Programa Espacial Europeu e oportunidades para as empresasTudo isto implica também uma nova política industrial que abre perspetivas para várias empresas, incluído para as pequenas e médias empresas poderem participar nestes projetos.

Nós trabalhamos em várias vertentes: aquilo a que nós chamamos o upstream, ou seja, construir os satélites, construir lançadores, lançar satélites, pô-los em órbita, construir os sistemas na Terra.

E obviamente que aqui também existe imenso potencial e nós temos, dentro do nosso programa espacial – e mesmo dentro do Horizonte Europa dedicado à parte espacial – ações específicas para fomentar este tipo de atividades e desenvolvimento de novas tecnologias e até mesmo, por exemplo, para encontrar soluções como a de substituição de certos tipos de materiais que utilizamos. É o caso do chumbo: há uma política da União Europeia que tem o objetivo de erradicar o uso do chumbo. Ora, nós na área do espaço, neste momento, não temos uma alternativa e precisamos de encontrar uma porque no espaço o ambiente é tão, mas tão agressivo que nós temos que garantir uma alternativa ao chumbo que nos consiga assegurar o mesmo tipo de performance. Mas, de facto e neste momento, não temos uma alternativa a esse material e, portanto estamos a financiar ideias e projetos cujo objetivo seja o de encontrar uma alternativa ao uso do chumbo no nosso programa espacial e através disso, obviamente, estamos também a moldar um pouco a indústria europeia, a criar novas oportunidades e, de certa forma, também promover a sustentabilidade do próprio setor espacial.

E portanto, isto é o que nós fazemos em termos de upstream: desenvolvemos, compramos os satélites, apoiamos as empresas etc… e temos critérios específicos, quando abrimos a nossa contratação, para dar oportunidade às pequenas e médias empresas de também participarem.

E depois temos aquilo que nós chamamos o midstream, ou seja, aquilo que está no meio e que basicamente é aquele tipo de tecnologia que permita fazer a ligação entre os satélites e as pessoas. E neste caso podem ser os recetores para os telemóveis, as antenas que é preciso construir, etc…

E por fim, temos o que nós chamamos de downstream e aqui pretendemos facilitar a ligação entre quem sabe pegar nos serviços de dados espaciais e transformá-los em algo que responda às necessidades desta pessoa: pode ser uma empresa na área da saúde, pode ser um agricultor, pode ser um pescador, pode ser uma pessoa que tenha uma floresta, pode ser uma pessoa que tenha um animal de estimação em casa.

Por exemplo, eu tenho dois cães e um deles gosta imenso de fugir. Portanto ele usa uma coleira com recetores de sistemas de navegação de satélite e eu tenho uma aplicação no telemóvel. Se por algum motivo eu perder o meu cão eu consigo saber onde ele está e consigo ir lá buscá-lo. Eu própria sou uma utilizadora dos serviços de dados espaciais.

Isto também é válido se estivermos a falar dos agricultores e de uma aplicação móvel – que referimos há pouco – que lhes dá todo o tipo de informação. Na verdade, essa aplicação – como muitas outras – surgiu de um projeto piloto no qual juntámos a comunidade de agricultores e perguntámos: o que é que vocês precisam: do que é que sentem falta? E depois chamámos os informáticos e todas as pessoas da área das tecnologias que sabem pegar nos dados espaciais e transformá-los em algo útil para os agricultores, em serviços para os agricultores.

Fazemos, com regularidade, uma espécie de consulta pública sobre o que é que cada setor precisa. E isto pode significar que os colegas que estão a trabalhar nos novos satélites percebam que podem ter que acrescentar alguma coisa para responder a uma necessidade já identificada por um determinado sector. Existe um diálogo constante para garantirmos que o investimento do dinheiro público é, de facto, útil para os nossos cidadãos.
A autonomia da União EuropeiaTer todo este programa é também uma sustentação para a autonomia da União Europeia?

Absolutamente. Já referi que dez por cento do Produto Interno Bruto da União Europeia depende diretamente de sistemas de navegação de satélite e, portanto, não é negligenciável quando as alternativas que existem são a americana, a russa ou a chinesa.

Ao contrário desses três sistemas, o nosso Programa Espacial está sobre controle e dependência civil e a decisão de o desligar, no nosso caso, depende de um consenso de 27 Estados-Membros e não de uma única pessoa. E o impacto que essas decisões podem ter é obviamente muito grande e nós não nos podemos dar a esse luxo de estar dependentes de terceiros.

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