Bruxelas.PT - O Orçamento Comunitário: os recursos

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 3 de novembro de 2023 | Foto: Fred Marvaux © European Union 2020 - Fonte: EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Rui Henrique Alves, Professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e ex-Coordenador do Núcleo de Economia e Finanças da Representação Portuguesa junto da União Europeia.

Os objetivos do Orçamento ComunitárioPara que serve o Orçamento Comunitário?

O Orçamento Comunitário, tal como o Orçamento de um qualquer país ou de uma qualquer família, se quisermos, é uma espécie de documento onde de um lado, temos quais são as despesas que se pretende fazer e, do outro lado, quais são os recursos para fazer essas despesas.

Portanto, é uma listagem dos programas que queremos realizar e quais os recursos para realizar esses programas.

Sendo que ele é pensado a longo prazo.

Sim. E muitas vezes, quando falamos do Orçamento Comunitário, fazemos alguma confusão entre esse, que é um documento anual, e um outro documento que tem duração de sete anos, e que é o chamado Quadro Financeiro Plurianual e esse sim, digamos, é o verdadeiro documento orientador de tudo o que é a política da União Europeia a longo prazo. Esse Quadro Financeiro Plurianual é negociado mais ou menos de sete em sete anos e começa a ser negociado, normalmente, dois a três anos antes do seu início. E é sempre uma negociação muito complicada porque é lá, de facto, que fica registado o que é que se vai fazer e de onde é que vem o dinheiro ao longo de cada um dos sete anos.

E para ser aprovado é preciso que todos os países estejam de acordo, o que é sempre muito complicado, até porque no fim, todos têm que sair da negociação a dizer que ganharam alguma coisa.

Tem que ser aprovado por todos os países e pelo Parlamento Europeu?

Tem, depois, de ir também ao Parlamento Europeu e o Parlamento Europeu tem de consentir. Mas realmente a grande negociação acontece no Conselho.

O Orçamento Comunitário normalmente é mais fácil de aprovar, embora haja sempre um drama – e estamos a aproximar-nos dessa altura que costuma ser em meados de novembro – porque o Orçamento tem um esquema mais ou menos assim, para as pessoas perceberem: a Comissão faz uma proposta baseada no Quadro Financeiro Plurianual e em função do que é a evolução das condições; essa proposta é analisada pelos Estados-Membros no Conselho, é também analisada pelos Deputados europeus no Parlamento Europeu, e cada um dos lados propõe alterações; normalmente o Conselho quer gastar menos e o Parlamento quer gastar mais; e depois têm de se encontrar para, numa longa noite, chegarem a um consenso sobre quais são as receitas e quais são, sobretudo, as despesas para o ano que vem a seguir.
Os Recursos do Orçamento Comunitário
E de onde é que vem o dinheiro para o Orçamento Comunitário?

O dinheiro basicamente vem de um sistema que se chama Sistema de Recursos Próprios da União Europeia. Basicamente, vem de um conjunto de recursos que são os chamados direitos tradicionais, ligados à Política Comercial Comum da União Europeia. O que é que eu quero dizer com isto? Quando os países da União Europeia importam bens de fora da União Europeia e esses bens são sujeitos a impostos – as chamadas tarifas – esse dinheiro das tarifas, embora seja recolhido pelo país que está a importar, é dinheiro que é Recurso Próprio do Orçamento da União Europeia.

Todo?

Todo. Na verdade, julgo que há umas pequenas taxas que podem ficar para os países, mas enfim, em teoria, todo o dinheiro é para o Orçamento da União Europeia.

Depois há ainda um outro recurso que é o chamado recurso IVA, que é um recurso calculado de uma forma mais ou menos estatística – mas se quisermos e de uma forma percetível para as pessoas – que significa que uma pequena parte do IVA que é cobrado em cada país é considerado como receita não do país, mas da União Europeia. Portanto, uma vez mais: é cobrado no país mas é receita do Orçamento da União Europeia.
Mais recentemente apareceu um novo recurso, cuja dimensão é relativamente pequena, que é um recurso estatístico em que cada país entrega uma parte relacionada com o consumo de plásticos não reciclados.
E, portanto, estes são os Recursos Próprios. E depois há um outro que, embora seja chamado de Recurso Próprio, eu confesso que me custa a chamar-lhe assim. E de que é que nós estamos a falar? Bem, aqui vale a pena recordar que o Orçamento da União Europeia é muito diferente dos Orçamentos de cada país ou do Orçamento de cada família. Por exemplo, numa família e se eu em determinado ano precisar de fazer despesas que vão acima dos meus rendimentos, tenho, por exemplo, a hipótese de me tentar endividar. O mesmo acontece com o Orçamento Português.

No caso da União Europeia, isso não é possível porque há uma regra que diz que o Orçamento tem que estar equilibrado, ou seja, define-se o conjunto das despesas e depois é preciso encontrar recursos que sejam exatamente iguais a esse montante das despesas. Como é que isso faz? Portanto, primeiro definem-se as despesas, imaginemos que as despesas são X. Depois vamos aos recursos – aqueles de que eu já falei – e imaginemos que dá Y. A seguir é preciso encontrar o resto, o X menos Y, e que normalmente é a maior parte, é cerca de dois terços pelo menos. E de onde é que vem este valor? Vem das contribuições dos Estados-Membros a partir do seu Produto Interno Bruto, do seu rendimento per capita.

Ou seja, nem todos os países entregam o mesmo dinheiro, mas fazem-no de acordo com as possibilidades medidas pelo Produto Interno Bruto?

Exatamente, mas de qualquer modo eu digo que se chama a isto um Recurso Próprio, mas enfim…

É um Recurso Próprio na medida em que está legalmente definido que tem de ser assim. Mas, de facto, o Orçamento da União Europeia continua a ser, ainda hoje, extremamente dependente do que são estas contribuições dos Estados-Membros.

E se não chegar?

Tem que chegar. No limite, este recurso de que estamos a falar – as contribuições dos Estados-Membros – faz com que chegue, porque é calculado de maneira a que as receitas cubram exatamente as despesas.
Aliás, há uma coisa que vale a pena também ter presente: o Orçamento da União Europeia – apesar de para qualquer um de nós, o valor que eu vou dizer ser uma “brutalidade” – mas o Orçamento da União Europeia, anualmente, é de mais ou menos um por cento do PIB de toda a União Europeia. Um por cento.

Quando às vezes nos queremos equiparar a outros grandes blocos – e estou a pensar, por exemplo, nos Estados Unidos – bom, o Orçamento Federal dos Estados Unidos corresponde a 20 ou 30 por cento do PIB dos Estados Unidos. Só isso já nos dá uma ideia de grandeza. Por isso quando nós nos queixamos de que a União Europeia faz ou não faz ou deixa de fazer, bem na verdade a União Europeia não tem muitos meios para fazer mais.

Há uma questão que se levantou quando falamos aqui do IVA: se cada país tem que entregar uma parte do IVA à União Europeia, se o país decidir mexer no IVA tem que ter autorização da Comissão Europeia? Porque no fundo vai cortar, se decidir baixar o IVA, vai cortar um valor do que tem que dar ao Orçamento Comunitário?

Normalmente há uma faixa de valores dentro da qual o país pode decidir e há depois algumas áreas onde para fazer mais alguma coisa – eu recordo-me que, não há muito tempo, em Portugal pretendeu-se descer o IVA sobre a eletricidade para uma taxa bastante mais baixa – tem de pedir autorização.
Mas isso não tem tanto a ver com isto de que estamos a falar, porque, enfim, quando eu digo que uma parte do IVA é entregue ao Orçamento da União Europeia é uma maneira de simplificar a forma como isto funciona porque, de facto, o cálculo deste recurso é um cálculo matemático e estatístico complicado.
Novos Recursos Próprios da União Europeia
Mas há possibilidade de virem a existir novos Recursos Próprios? Na verdade essa possibilidade já existe há muito tempo, mas ainda não se avançou…

A verdade é que é uma discussão que já vem de há muito tempo, mas a única alteração que aconteceu – desde há muitos anos – foi a criação daquele recurso assente nos plásticos não reciclados.

A Comissão apresentou uma proposta mais completa, em junho de 2023, no sentido de adicionar mais alguns Recursos Próprios. Em particular, voltou a pegar na ideia de ter um recurso assente no sistema de negociação de emissões de carbono. Enfim, eu não lhe atribuiria muita possibilidade de êxito porque há muitos países que estão contra.

Há depois um ajustamento que a União Europeia vai introduzir – para já numa fase experimental, mas a partir de 2026 de forma efetiva – que é o chamado “Ajustamento de Carbono nas Fronteiras”. A ideia é esta: a União Europeia, tem uma legislação muito restritiva – e bem – nos domínios ambientais, nomeadamente da produção, e isso faz com que acabe por ficar prejudicada quando, nos mercados internacionais, concorre com produção que vem de países que têm standards muito mais baixos. Portanto, a ideia será a estabelecer, para a importação desses países, uma espécie de taxa que os produtos vão ter que pagar por terem menos exigências ao nível da produção e das emissões de carbono. É uma forma de encontrar maior igualdade de tratamento entre a nossa produção e a produção dos outros países. Ora, está previsto que uma parte dessas receitas passem a ser Recursos Próprios da União Europeia. A última proposta que eu vi dizia que, por exemplo, se fossem cobrados 100, 25 ficavam no país – é quase o valor do trabalho que dá a cobrar – e 75 iriam para a União Europeia.

Há depois também, nessa proposta da Comissão, mais um recurso estatístico, este baseado num cálculo sobre os lucros das empresas ou, pelo menos, das maiores empresas. Também é algo que já se fala há muito tempo e eu, confesso, tenho alguma expectativa para ver no que é que isso dá.

A Comissão propõe também um outro recurso que estaria associado aos chamados lucros residuais das multinacionais. É um recurso relacionado com o acordo que está a ser negociado, há muito tempo, no âmbito da OCDE e do G20 e no qual já foi possível estabelecer um acordo sobre a ideia de que devia haver uma tributação de um mínimo de 15 por cento dos lucros.

Portanto, ideias há muitas. O tema está em cima da mesa e está agora para discussão entre os vários países no âmbito do Conselho. A minha experiência, dos anos de Bruxelas, mostra-me que esta questão dos novos Recursos Próprios será das coisas mais difíceis de alguma vez se negociar.

Destes quatro de que eu falei, eu daria, de facto, grande probabilidade ao Ajustamento de Carbono nas Fronteiras, porque esse vai mesmo entrar em vigor. Já quanto aos outros, tenho sérias dúvidas sobre a possibilidade de se ir mais longe.

Nos próximos tempos continuarão a ser os países, através do PIB, a sustentar fortemente o Orçamento Comunitário?

Sim e isso levanta um grande problema relacionado com o chamado Next Generation EU.

Ou seja, como é que vamos pagar a dívida que fizemos?

Sim, porque, de facto, para reagir à pandemia houve uma grande novidade que foi a iniciativa, em grande escala, de a União Europeia se endividar junto dos mercados internacionais, para ajudar os países. E é de muito dinheiro que estamos a falar. Esse dinheiro vai ter de começar a ser reembolsado a partir de 2028. E verdade que será reembolsado por um período longo – ao longo de 30 anos – mas a ideia era que surgissem novos recursos para ajudar a pagar essa dívida. Para, por um lado, reembolsar o valor pedido e, por outro, para pagar os juros que estão inerentes a estes empréstimos.

A verdade é que se não houver novos recursos só há duas soluções: ou as tais contribuições diretas dos países para o Orçamento Comunitário vão ter de aumentar – e já sabemos que há muitos países não gostam dessa ideia – ou a única solução será comprimir o Orçamento naquilo que já existe e nas políticas europeias que financia.

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