Bruxelas.PT - O NextGenerationEU

por Antena 1

Episódio original publicado a 22 de dezembro de 2023 | Foto: ©European Union, 2021, Fonte: EC - Audiovisual Service

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Rui Henrique Alves, Professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e ex-Coordenador do Núcleo de Economia e Finanças da Representação Portuguesa junto da União Europeia.

O que é o NextGenarationEU?

É, eu diria, talvez a maior inovação da União Europeia nos últimos anos no que diz respeito ao modo de intervenção ao nível económico. O NextGenerationEU nasce na sequência da crise pandémica e da necessidade de ajudar as economias a, por um lado, recuperarem mais rapidamente, e, por outro lado, a tornarem-se mais resilientes. Isto é, a prepararem-se de forma mais eficiente para que uma futura crise não afete os países da mesma maneira, enfim, dentro do que é possível. Correspondeu a uma forma bastante inovadora de atuação em que, pela primeira vez – pelo menos à escala de que estamos a falar, que são muitos mil milhões de euros – a União Europeia, através da Comissão Europeia, foi autorizada a contrair financiamento nos mercados internacionais com a garantia do Orçamento da União Europeia, canalizando depois esse dinheiro, que é obtido em circunstâncias mais favoráveis – porque a União Europeia tem um rating muito favorável – para os países.

Tudo isto foi difícil de alcançar porque houve países divididos entre se esse valor total devia ser mais em empréstimos ou mais em fundos perdidos e estiveram a negociar durante cinco dias e quatro noites.

Sim, para além da preparação desses cinco dias e quatro noites. Mas apesar de tudo, foi mais rápido do que muitas coisas que acontecem na União Europeia. Mas também acho que desta vez não havia alternativa, porque a

forma como aqueles primeiros meses da pandemia afetaram todas as economias, mostrou que não havia outra solução que não fosse uma ajuda de caráter comum e muito forte. Todos precisavam, até os Países Baixos.

Portanto, não havia muita alternativa. Claro que os detalhes são sempre o problema e, como referia, a questão de se é através de subsídios ou se é a através de empréstimos, se é mais dinheiro ou se é menos dinheiro, estiveram dentro das grandes discussões. Também se discutiram as questões de saber até quando é que as verbas tinham que ser comprometidas e até quando é que podiam ser pagas.

Foram esses os grandes detalhes. Mas, felizmente, acho que nesses cinco dias e quatro noites, ou ao fim desses cinco dias e quatro noites, os líderes, por uma vez que seja, cumpriram aquilo que se esperava deles e aprovaram uma das coisas mais importantes que a União Europeia foi capaz de fazer nos últimos anos.
Os montantes em subvenções e empréstimosQual o valor que se acordou naquela decisão: 750 mil milhões de euros?

Na altura, sim, 750 mil milhões de euros.

Agora mais.

Eu achei curioso porque fui procurar mais recentemente os números e talvez tenha a ver com a questão da evolução da inflação – que chegou a ter até valores negativos durante a crise pandémica – o que o site da comissão que tem imensa informação sobre NextGenerationEU, e neste momento diz é que aos preços de 2022, nós estamos a falar de um bloco de 807 mil milhões de euros, dos quais a componente mais importante – e que às vezes é até confundida com o Next GeneratonEU porque de facto tem mais de 90 por cento do instrumento – é o chamado Mecanismo de Recuperação e Resiliência que

dá origem aos tais Planos de Recuperação e Resiliência – os PRRs – que conta neste momento com 724 mil milhões de euros, a preços de 2022, a que ainda podemos acrescentar mais 20 mil milhões de um programa que foi acordado entre o Conselho e o Parlamento Europeu, que é o chamado RepowerEU e que é mais voltado para as questões da independência energética da União Europeia.

Dinheiro a fundo perdido?

Uma parte deste valor são subvenções, portanto a fundo perdido e isso é o que corresponde geralmente à parte que não é Mecanismo de Recuperação e Resiliência que apesar de tudo é mais pequena. Na parte dos Planos de Recuperação e Resiliência dos 724 mil milhões de que eu falava a repartição é quase 50 por cento, 50 por cento. É um pouco mais de empréstimos. São cerca de 390 mil milhões de empréstimos e cerca de 340 mil milhões de subsídios.

Como é que se calculou, na altura, aquilo a que cada país ia ter direito?

Isso foi função basicamente de duas grandes componentes: uma que tinha a ver com, digamos assim, a situação do país ser mais rico, mais pobre, etc., medido pelos indicadores tradicionais, nomeadamente o PIB per capita, a taxa de desemprego, a população – portanto, seria de esperar que países com mais população recebessem mais, países com um PIB per capita mais baixo, portanto menos desenvolvidos e com mais dificuldade de resolverem os problemas da crise, recebessem mais e por aí adiante.

Na altura, 70 por cento do dinheiro foi afetado com base numa chave matemática que tinha indicadores como estes, os outros 30 por cento só foram definitivamente calculados em 2022 – estamos a falar de um programa que foi aprovado em 2021 – porque foram calculados em função da dimensão que a crise teve em cada um dos países e, portanto, qual foi a quebra que o produto teve em Portugal ou na França, etc., nos anos da pandemia.

Isso deu origem em 2022 a alguma reafectação de fundos – uns países tiveram um bocadinho mais, outros países tiveram um bocadinho menos –mas portanto, basicamente foi desta forma que o dinheiro foi atribuído a cada um dos países.
Verbas para PortugalE Portugal vai receber?

Ora bem Portugal ia receber, inicialmente, em termos de subvenções nada mais nada menos que 14 mil milhões de euros. Com a reformulação de 2022 – e como Portugal acabou por ser um dos países mais negativamente impactados pela pandemia – teve um acréscimo de 1,6 mil milhões. Portanto, em termos de subvenções, Portugal tem neste momento a possibilidade de recorrer, e vai recorrer, a um pouco mais de 16 mil milhões de euros. Estes 16 mil milhões que eu me estou a referir, já agora, correspondem ao valor inicial, mais a reformulação, mais à outra verba que veio do programa RepowerEU e ainda houve a facilidade, que se atribuiu aos países, de poderem pegar no dinheiro a que tinham direito por causa dos efeitos do Brexit. Recordo que havia um instrumento para isso, mas que não estava a ser muito utilizado (Reserva de Ajustamento ao Brexit) e então foi possível que os países usassem esse dinheiro também no PRR e Portugal resolveu utilizar, também, os 80 milhões a que tinha direito desse programa do Brexit. E tudo isto junto dá um pouco mais de 16 mil milhões de euros.

A fundo perdido?

A fundo perdido. Porque em termos de empréstimos Portugal no Plano de Recuperação e Resiliência que apresentou inicialmente, começou por pedir apenas 2,7 mil milhões de euros. Portugal tem neste momento uma reformulação do PRR inicial que vai permitir, por um lado, passar do uso dos

13, 9 mil milhões para cerca de 16 mil milhões em subvenções e tem ainda pedidos mais 3,2 mil milhões de euros de empréstimos.

E não é tudo aquilo que Portugal poderia conseguir?

Não, e eu confesso que não tenho aqui o número, mas tenho ideia que andava também à volta dos 13/14 mil milhões de euros a que podia recorrer em empréstimos. Mas a isso Portugal ainda não se candidatou.

Mas cada país pode decidir quanto é que quer dos empréstimos que lhe podem ser atribuídos?

Em termos de empréstimos, o que foi definido é que – enquanto nos subsídios houve as tais grelhas matemáticas que deram X a cada um – havia um limite máximo a que o país podia recorrer, que está definido em função do seu PIB. Inicialmente andava à volta de um máximo de sete por cento do PIB e houve países que tomaram as mais variadas decisões, desde aqueles que não recorreram…

Países Baixos…

Por exemplo. E é normal que não recorram ou era normal que não recorressem porque nós estávamos em 2021/2022, num contexto de taxas de juro ainda muito baixas, e para alguns países, particularmente baixas – a Alemanha tinha taxas a dez anos negativas, portanto, não era de esperar que fosse recorrer a estes empréstimos – enquanto outros países, como por exemplo a Itália, logo no início, resolveram pedir todo o montante a que poderiam dispor de empréstimos.

Qual é o único problema aqui? É que se todos resolvessem recorrer ao montante máximo de empréstimos que está estabelecido, a Comissão tinha que fazer um rateio de alguma maneira, porque o dinheiro que está afeto a empréstimos não dava para isso tudo. Mas como, de facto, é de esperar que

alguns não recorram, outros recorram apenas a uma parte, e outros como a Itália recorram a tudo, isto acaba por ser equilibrado.

Mas tanto o dinheiro a fundo perdido, ou seja, em subvenções como o dinheiro em empréstimos têm que ir para projetos concretos?

Sim, estamos a falar de um programa em que o dinheiro só vem se o país cumprir aquilo a que se comprometeu em termos de duas coisas: por um lado, realização de reformas e, por outro lado, realização de investimentos concretos. Portanto, não é simplesmente apresentar um programa e dizer nós estamos a pensar fazer isto e o dinheiro vem.

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