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Bruxelas.PT - O alargamento da União Europeia

por Andrea Neves - correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 23 de Fevereiro de 2024 | Foto: Yves Herman - Reuters

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com o Embaixador Pedro Lourtie, Representante Permanente de Portugal junto da União Europeia.

Os alargamentos como parte do ADN da União Europeia
Quantos alargamentos já se registaram e quando?

A União Europeia, na altura a Comunidade Económica Europeia, quando se iniciou, iniciou-se com seis Estados-membros e hoje em dia tem 27 – já teve 28, agora tem 27 – e obviamente que estava no seu ADN, poder alargar-se aos restantes países do continente europeu. Isso está previsto. Já houve sete processos de alargamento – a seguir a 1958 quando foi criada a Comunidade Económica Europeia – o primeiro teve lugar em 1973 na altura com a Irlanda, com a Dinamarca e com o Reino Unido, e depois houve outros – Portugal e Espanha aderiram em 1986 – e em 2004 deu-se o chamado grande alargamento e entraram na altura dez novos Estados-membros, a maior parte de países vindos do chamado antigo Bloco de Leste, e depois em 2007 aderiram a Roménia e a Bulgária e por fim, e foi o último alargamento, em 2013 entrou a Croácia.

E quais são os países que querem agora aderir à União Europeia?

O processo de alargamento tem continuado mesmo depois de 2013 e há países que estão em negociações há muitos anos. Existem, neste momento dez países que já exprimiram a sua intenção e que estão no processo de perspetiva europeia, alguns há mais tempo, como é o caso da Turquia, mas também da Sérvia e Montenegro. O processo com a Turquia está parado, essa é a realidade.

Há muito tempo que a Turquia manifestou interesse?

Sim, iniciou negociações já há bastante tempo e o processo tem estado parado porque foi considerado que a Turquia não tem feito, nomeadamente no capítulo dos direitos humanos, do Estado de Direito e da democracia, as evoluções necessárias para que esse processo continuasse a progredir ao ritmo a que eventualmente poderia a progredir.

Mas antes de entrarmos nesses critérios – e peço desculpa de o ter interrompido – vamos saber quais são os outros países que querem aderir à União Europeia.

Há ainda os restantes países dos chamados Balcãs Ocidentais: a Sérvia e o Montenegro são os candidatos mais avançados em termos de capítulos abertos – e já vamos explicar um pouco o que é que são os capítulos no processo de adesão – temos a Albânia e a Macedónia do Norte – que abriram recentemente as suas negociações – e temos a Bósnia Herzegovina, que é considerada um país candidato e que ainda não iniciou negociações, mas a expectativa é de que as possa iniciar em breve. Há ainda o Kosovo. O Kosovo pediu em dezembro de 2022, formalmente, a sua adesão à União Europeia. Mas esse pedido ainda não teve resposta por parte da União Europeia, principalmente porque o Kosovo não é reconhecido ainda, enquanto país independente, por todos os países da União Europeia. Há ainda cinco países que não o reconhecem, e, obviamente, essa é uma condição indispensável para que esse processo se possa iniciar.
A Adesão da Ucrânia
Já percebemos que há fases e há critérios e que andam necessariamente lado a lado: para se avançar para uma fase seguinte é preciso cumprir uma série de critérios.

Sim. Vão sendo colocados critérios e os mais importantes, para a adesão, são os chamados critérios de Copenhaga. São critérios que foram definidos em Copenhaga, numa reunião do Conselho Europeu em 1993, e que são considerados como indispensáveis para que um país possa aderir à União Europeia: o respeito pelos princípios democráticos e pelo Estado de direito e pelos Direitos Humanos; o respeito pelas minorias; a capacidade que a economia desses países têm de fazer face à concorrência no mercado interno europeu (e a capacidade administrativa para aplicar o direito europeu); e, depois, foi fixado um critério que não depende dos países candidatos mas que depende da União Europeia, que é a capacidade que a União Europeia tem de absorver os novos países candidatos.

Por isso, estes processos têm várias fases: primeiro os países são considerados e têm o estatuto de candidato e abrem-se depois as negociações que são, na prática, a aproximação da legislação desses países à legislação europeia.

Esses países, quando entram na União Europeia, têm que estar totalmente conformes com a legislação europeia – para que a concorrência seja justa – e por isso é negociado o chamado Acervo Europeu, ou seja, todo o conjunto da legislação europeia, dividido em 35 capítulos. Cada capítulo é negociado separadamente. Por vezes há vários capítulos a serem negociados ao mesmo tempo, mas separadamente, e estes processos negociais são conduzidos, do lado da União Europeia, pela Comissão Europeia. 

E sempre que se fecha um capítulo, sempre que essa negociação termina, o Conselho, ou seja, os 27 Estados-membros têm que o decidir por unanimidade. Por isso pode ser um processo longo. 

É um processo difícil, porque o Acervo Europeu abrange todas as áreas da governação e, por vezes, com um detalhe muito preciso e, por isso, a adaptação desses países é um processo difícil, mas é um processo pelo qual todos nós passámos. Todos os países que aderiram à União Europeia, passaram por este processo. Obviamente que nos anos 80, quando Portugal fez as suas negociações, o Acervo Europeu era menor e é certo que agora abrange mais áreas, é mais detalhado. Mas os países que aderiram mais recentemente passaram por todo este processo.
O processo de adesão
Permita-me, voltar um pouco atrás: um país manifesta interesse em aderir à União Europeia e qual é a instituição que propõe que se possa começar a negociar, qual é a que aceita e qual é a que acompanha estas fases?

Quando um país manifesta interesse a resposta é dada pelo Conselho da União Europeia e depois cabe à Comissão Europeia ir propondo as várias fases do processo, através dos relatórios que faz sobre a evolução desse país.

Foi assim, por exemplo, no caso da Ucrânia. A Comissão decidiu, no seu relatório, que considerava que a Ucrânia já cumpria suficientemente os critérios para que fosse considerado um país candidato e o Conselho Europeu decidiu atribuir esse estatuto e avançar na abertura de negociações.

Neste momento temos uma etapa importante que é o chamado quadro negocial, que na prática é a posição de partida para as negociações que a União Europeia. A Comissão vai ter que apresentar esse quadro negocial relativamente à Ucrânia e à Moldova que são os dois países com os quais vamos agora iniciar as negociações.

O conselho vai analisar a proposta da Comissão, fará as alterações que entender e depois decide por unanimidade, dar o seu acordo. Quando esse acordo for alcançado estaremos, então, preparados para fazer a primeira reunião de negociação que é conhecida como sendo uma conferência intergovernamental porque, na prática, é uma negociação entre estados: entre os 27 Estados-Membros da União Europeia e o Estado que se está a candidatar.

É a Comissão que conduz estas negociações, e vai ser a Comissão que as vai conduzir ao longo dos anos e que vai apresentar relatórios, de forma muito regular, ao Conselho.
Parcerias pré-adesão
Mas antes de pertencer à União Europeia, ou sequer de começar a negociar com a União Europeia, os países candidatos ou que venham a ser candidatos, podem já ter algumas parcerias com a União Europeia. Até no sentido de os preparar para essa adesão.

Sim, e é isso que acontece. Normalmente quando um país pede a adesão à União Europeia – nós estamos a falar de países europeus – têm já acordos com a União Europeia, acordos de associação. Por exemplo, os países dos Balcãs Ocidentais desde o final dos anos 90, na altura no contexto do processo de estabilização e associação, que têm precisamente os chamados acordos de estabilização e associação, que são acordos que já os aproximam da União Europeia em várias áreas. A Ucrânia, a Moldova e a Geórgia têm, aliás, acordos mais modernos que os aproximam mais ainda e, por exemplo, a última reunião do Conselho Europeu decidiu dar luz verde para que se fizesse também um processo de aproximação gradual e mais intenso aos países dos Balcãs.

De certo modo, é quase uma um processo de integração gradual, é criar a possibilidade de que os países candidatos possam participar em certas áreas do mercado interno, mesmo antes de virem a aderir. Isso é vantajoso para todos. Obviamente que é vantajoso para a União Europeia, porque em certas áreas vai alargando o seu mercado. É vantajoso para os próprios países porque tem algumas das vantagens de ser membro, ainda sem o serem.

Os processos de adesão são, por vezes, longos e nós temos verificado que as expectativas que são criadas são frustradas, nalguns casos, e isso tem um efeito político difícil de gerir por parte dos países candidatos.

Esta aproximação gradual procura precisamente colmatar essas expectativas frustradas e, atualmente, temos várias áreas nas quais os países candidatos já podem participar.

Há uma área que tem sido apresentada como simbólica, mas que é interessante: na União Europeia, nós já não pagamos despesas de roaming nos nossos telemóveis quando viajamos e o objetivo é alargar essa possibilidade também aos países candidatos, para que os cidadãos desses países, que têm telemóveis com redes desses países, percebam as vantagens.

Quando um país aderir, de facto, apesar desse processo ser longo, vai aderir a tudo o que é e faz a União Europeia ou pode fazer derrogações e decidir que não quer fazer parte do Espaço Schengen ou da Moeda Única, por exemplo.

Em princípio, adere a tudo o que é a União Europeia. É evidente que quando nós olhamos para o passado, vemos que existem os chamados opt out, por exemplo, ao nível da moeda única, a Dinamarca na altura negociou um opt out.

Um opt out significa manter-se fora, por assim dizer?

Sim, e por isso o país não aplica uma parte das políticas: no caso da Dinamarca é a Moeda única, no caso da Irlanda é o Espaço Schengen, mas de uma maneira geral, e é isto que eu acredito que se vai passar com os próximos alargamentos, toda a legislação europeia vai ter que se aplicar nos países candidatos, incluindo a legislação da política monetária e da Moeda Única ou da livre circulação e do Espaço Schengen.

Não quer dizer que quando esses países aderem não existam derrogações temporárias, em certas áreas. Por exemplo, uma área que tem normalmente um período de derrogação é a livre circulação de trabalhadores.

Os últimos Estados-membros a aderir, por exemplo, a Roménia e a Bulgária, tiveram uma derrogação de sete anos. São derrogações negociadas, muitas vezes até devido ao interesse dos próprios países da União Europeia, para facilitar a adaptação desses países depois da entrada da União Europeia.

A entrada da União Europeia implica várias obrigações, mas também dá muitos direitos e para que se possa fazer com o mínimo de perturbação possível, essas derrogações – em várias áreas não é apenas na livre circulação de trabalhadores, mas este é um exemplo simbólico – por vezes são negociadas.

Não sei se será o caso, mas é preciso ter em atenção que são sempre derrogação temporárias. Passado esse período, os países aplicam toda a legislação europeia, tal como todos os Estados-membros.
O que vai ser preciso mudar com os alargamentos
Vai ser preciso um novo Orçamento Comunitário se e quando entrarem novos países?

Vai ser preciso reformar bastante o atual Orçamento Comunitário.

Atualmente o Orçamento Comunitário, no geral, tem um terço da sua despesa na Política Agrícola Comum, um terço na Política de Coesão e Política Regional e um terço nas restantes políticas.

Basta ver o perfil dos países candidatos para perceber que estas duas grandes políticas – a Política Agrícola Comum e a Política de Coesão – serão muito afetadas com a sua entrada.

A Política de Coesão porque todos estes países, que são agora candidatos, são países com um nível de PIB per capita, por isso, de riqueza, bastante inferior à média da União Europeia, muito inferior mesmo ao mais pobre dos atuais membros da União Europeia. Por isso é natural que sejam beneficiários da Política de Coesão e Regional e haverá um efeito financeiro evidente.

E isso terá que ser estudado e ter-se-á que perceber quais os impactos que o alargamento vai ter também na relação financeira dos atuais Estados-Membros com a União Europeia.

No que se refere à Política Agrícola Comum, neste caso a questão está mais concentrada na Ucrânia. A Ucrânia é uma potência agrícola mundial, maior do que qualquer Estado-Membro da União Europeia, e se se aplicar à Ucrânia – quando ela aderir – as regras atuais da Política Agrícola Comum, a Ucrânia seria beneficiária de uma boa parte da atual PAC e isso também terá um efeito financeiro alargado que terá que ser estudado.

A União Europeia – e é um dos desafios para os próximos anos – tem que rever o seu orçamento, rever as suas políticas de forma a que seja sustentável e sustentável não só do ponto de vista financeiro – e os Estados-membros têm que ter consciência das consequências financeiras de um alargamento que são inevitáveis – mas que também seja sustentável do ponto de vista político, porque estas adesões têm impacto nos países que aderem, mas também nos países que já são membros da União Europeia.

A entrada de novos Estados-Membros tem que ser aprovada por unanimidade?

Unanimidade, sim. Todas as etapas do processo de alargamento são aprovadas por unanimidade e por isso este é um processo longo. Desde logo porque tem que ser extremamente consensual e basta um país, basta um Estado-membro se opor para que um determinado capítulo de negociação, por exemplo, já não ser fechado ou nem sequer ser aberto.

Mas sim, os Estados aprovam por unanimidade todas as etapas do processo de alargamento.

Para consulta:
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