Bruxelas.PT - A União Monetária e a União Bancária

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 29 de outubro de 2023 | Foto: Markus Winkler - Unsplash

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com o Embaixador Pedro Lourtie, Representante Permanente de Portugal junto da União Europeia.

A União Monetária
O que é a União Monetária e que obrigações e direitos cria para os Estados que aderem a esta união?

A integração económica inclui um Mercado Comum, inclui o Mercado Interno, uma União Aduaneira e Comercial e – a partir do Tratado de Maastricht negociado em 1992 – passou a incluir também uma União Monetária. Essa União Monetária tem o seu elemento mais visível numa moeda única. Ou seja, todos os países que fazem parte da União Monetária têm uma política monetária única, centralizada numa Instituição da União Europeia que é o Banco Central Europeu.

Mas nem todos os países da União Europeia fazem parte do Euro?

Não, é verdade. Enfim, na verdade todos os Estados que aderem à União Europeia têm a obrigação de aderir ao Euro. Só ainda não estão todos dentro da moeda única porque há derrogações a essa obrigação.

A Dinamarca, por exemplo, quando foi criada a União Monetária negociou um chamado opt-out, por isso desde logo se “pôs de fora”. Mas há outros países – e, de facto, neste momento, há sete países da União Europeia que não fazem parte do Euro – que, na prática, tem utilizado derrogações para não fazer parte da Zona Euro.

Há dois que não fazem, mas que estão num caminho de adesão, que são a Bulgária e a Roménia. Os restantes, de uma maneira geral, têm indicado que querem manter esta derrogação de forma a não fazerem parte da moeda única.

Mas para fazer parte da moeda única, também não é só dizerem que querem. Têm que cumprir condições?

Precisamente e por isso é que, quando um Estado-Membro adere à União Europeia, tem que aderir ao Euro mas pode não passar a utilizar imediatamente a moeda única. Os países têm de cumprir certos critérios. Têm que cumprir o critério da inflação – por isso baixa inflação – têm que cumprir critérios em termos das contas públicas, têm que cumprir critérios em termos da sua estabilidade cambial ao nível da sua moeda nacional, e critérios de convergência com a Zona Euro, ou seja, o nível das taxas de juro de longo prazo.

Estes critérios não podem estar desalinhados com o resto da Zona Euro no caso de os países que querem aderir.

E que benefícios é que existem, realmente, para quem faz parte do Euro?

São vários os benefícios desde logo, o mais evidente, é o da estabilidade cambial, a estabilidade dos preços. A Zona Euro, não só permite que todos os países tenham a mesma moeda, mas também assegura que nas trocas comerciais não há questões cambiais, de diferença cambial ou de instabilidade cambial.

A Zona Euro tem provado que também é um contributo importante para a estabilidade de preços de uma maneira geral – apesar de estarmos agora a viver um período de uma inflação mais elevada – pois de facto a história da Zona Euro é também uma história de baixa inflação. E isso obviamente é favorável aos cidadãos. Existe maior facilidade de comparação de preços entre países e isso favorece também a concorrência entre as várias empresas e beneficia os consumidores. A moeda única faz com que seja mais fácil e mais barato, e até mais seguro, que as empresas comprem e vendam os seus bens na Zona Euro. E há também ganhos evidentes de eficiência com a integração dos mercados financeiros.

Disse-me que há sete Estados-Membros que não fazem parte da Zona Euro. As políticas monetárias que esses Estados-Membros decidem adotar podem ser diferentes das dos outros 20 que fazem parte da Zona Euro?

Poder podem, mas normalmente não são. E não são porque esses países não têm interesse em seguir uma política monetária diferente da dos países que fazem parte da Zona Euro. Se não seguirem – e os seus bancos centrais podem, de facto, fixar taxas de juro a um nível diferente – assumem alguns riscos, porque estão num espaço de tal forma integrado, em termos económicos, que correriam riscos de alguma instabilidade.

E por isso o que nós verificamos é que, de uma maneira geral, os países que estão na União Europeia, mas não estão na Zona Euro, acabam por seguir uma política monetária muito alinhada com aquela que é definida pelo Banco Central Europeu.
O Banco Central EuropeuQual é exatamente o papel do Banco Central Europeu?

O Banco Central Europeu, é uma Instituição Europeia autónoma e independente. A sua principal função, o seu principal objetivo é manter a estabilidade de preços. A estabilidade de preços é um valor reconhecido como sendo positivo para os cidadãos e essa é a principal tarefa do Banco Central. O Banco deve manter a estabilidade de preços a um nível baixo, através de uma inflação que deve ser próxima dos dois por cento e que deve ser previsível. Ou seja, que não tenha grandes variações.

O Banco Central tem também um segundo objetivo, sem prejuízo deste primeiro objetivo de baixa inflação, que é o de apoiar as políticas económicas da União Europeia.

Mas quando o Banco Central Europeu toma decisões em relação às taxas de juro, por exemplo, nesta altura de inflação, essa decisão só se aplica aos 20 Estados-Membros da Zona Euro?

Aplica-se aos 20 Estados-Membros da Zona Euro.

Os outros não têm que seguir essa decisão?

Não, mas como eu dizia há pouco, e de uma maneira geral, seguem. Não têm que seguir, é verdade, mas de uma maneira geral seguem.
A União Bancária
A União Bancária, que foi criada em 2014, é algo completamente diferente ou não faz parte desta política europeia?

A União Bancária faz parte daquilo que chamamos a União Económica e Monetária. Eu julgo que para perceber o que é a União Bancária, talvez seja importante compreender o contexto no qual este projeto surgiu. A iniciativa de uma União Bancária surge no seguimento da crise financeira de 2008 e 2009 e depois da crise das dívidas soberanas na Zona Euro que se seguiu a este período. Essa crise evidenciou a fragilidade na construção da União Económica e Monetária. Em particular verificou-se, durante essa crise, que havia uma forte exposição do setor público, o chamado soberano das dívidas públicas, ao respetivo sistema bancário de cada um dos países, e vice-versa. E verificou-se também que isso era uma fragilidade tanto para as dívidas públicas e, por isso para os países, como para o próprio sistema bancário. E assim se começou a construir a chamada União Bancária, que tem, eu diria, três passos principais. O primeiro foi o da avaliação dos bancos que fazem parte da Zona Euro e sobretudo dos grandes bancos através do Mecanismo Único de Supervisão. Este foi o primeiro passo, foi o primeiro momento da União Bancária.

Avaliar a saúde financeira dos bancos?

Exatamente. Definiu-se um conjunto de regras único, criou-se um Mecanismo Único de Supervisão e os bancos de maior dimensão, dentro da Zona Euro, passaram a ser supervisionados diretamente pelo Banco Central Europeu, enquanto os restantes bancos são supervisionados, de forma indireta, através das autoridades de supervisão nacional. Este foi o primeiro passo.

O segundo passo foi criar um Mecanismo Único de Resolução. Foi criado um poder centralizado de resolução.

Resolução, para que se entenda, é por fim a um banco.
 
Sim, ou seja, de forma que um banco que tenha dificuldades possa eventualmente ser resolvido, mas sem recurso ao dinheiro dos contribuintes. Todos nos lembramos das consequências da crise das dívidas soberanas e, por isso, este era um dos objetivos principais na criação desta União Bancária. Foi instituído, como dizia, um poder centralizado confiado a um organismo, o Conselho Único de Resolução, e também às autoridades nacionais, e definiu-se um regime harmonizado para gerir as crises dos bancos que estivessem em situação de falência ou em risco de falência.

Foi também criado um fundo, o Fundo Único de Resolução, constituído com contribuições das próprias instituições bancárias, precisamente para evitar que tivessem que ser os contribuintes a suportar os custos, se um banco estivesse em risco de falência.

E porque é que isto é importante? Porque este regime de resolução é feito de forma a evitar situações de instabilidade no sistema financeiro. Porque é evidente que a falência de um banco, nomeadamente um banco de certa dimensão, cria instabilidade. Primeiro no sistema financeiro e, depois, pode mesmo ter consequências económicas potencialmente graves.

E esse Fundo é constituído por dinheiro que é lá posto pelos próprios bancos?

Sim, pelas próprias instituições, pelos próprios bancos.

Há ainda um passo a dar que é o que diz respeito à Garantia Europeia de Depósitos.

Sim, há um terceiro passo que diz respeito, de certo modo, à Garantia Europeia de Depósitos. Uma União Bancária não está totalmente completa sem um Fundo de Garantia de Depósitos.

É verdade que todos os Estados-Membros têm Fundos de Garantia de Depósitos. Todos eles, Portugal incluído, têm um fundo que garante que até um determinado montante – nomeadamente até cem mil Euros por depositante e por instituição – os depositantes estão protegidos no caso da falência de um banco.

Mas para que a União Bancária esteja verdadeiramente completa é importante, e esta tem sido também a posição de Portugal, que este Fundo de Garantia de Depósito exista também a nível europeu. Precisamente para desligar a instituição financeira, o banco, do país onde está. Ou seja, para garantir que um problema numa instituição financeira não derive, necessariamente, num problema para esse país. Porque se estamos numa União Monetária é fundamental que exista um nível idêntico, não só de proteção dos investidores, como dos próprios clientes. E também dos consumidores em toda a União Monetária.

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