Bruxelas.PT - A Proteção Civil e a Ajuda Humanitária da União Europeia

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 23 de outubro de 2023 | Foto: Piero Cruciatti © European Union 2020 - Fonte EC: EP

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Ana Ascenção e Silva, Chefe de Equipa de Comunicação em Emergências Globais do Departamento de Proteção Civil e Ação Humanitária da União Europeia.

A Ajuda Humanitária da União Europeia
Que tipo de Ajuda Humanitária pode oferecer a União Europeia? E a quem?

Eu começava por explicar o Centro de Crise. Estamos no Centro de Resposta a Emergências que na realidade é o coração das operações de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia. Funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. O centro mapeia os riscos de desastre e fornece informação em tempo real tanto aos parceiros de Ajuda Humanitária como aos Estados-Membros na área da Proteção Civil.

É aqui que chegam as situações que estão a acontecer pelo Mundo, que podem precisar da ajuda da União Europeia. Ajuda que pode ser dada em regime de Proteção Civil ou de Ajuda humanitária.

Correto, mas, por exemplo, no caso da Ajuda Humanitária, não chegam aqui só pedidos inseridos em crises de última hora. Também temos crises que se desenrolam ao longo do tempo e que são consideradas uma emergência. Estas não precisam de um financiamento de emergência, mas sim de um financiamento humanitário anual que alocamos aos nossos parceiros humanitários. Esses parceiros, que trabalham com a União Europeia, vão desde as grandes Agências das Nações Unidas até organizações internacionais mais pequenas.

A Ajuda Humanitária é sempre feita através de parceiros?

Sim. A Ajuda Humanitária tem um orçamento anual que este ano, inicialmente, era de 1.7 mil milhões de Euros. Esse valor é distribuído pelas diferentes regiões em que operamos com base em necessidades identificadas pela União Europeia. Os nossos parceiros, com base nas necessidades que são publicadas pela União Europeia no ano anterior, decidem se os seus projetos e as suas atividades se adaptam a essas necessidades e enviam-nos uma proposta de projeto de Ação Humanitária. Depois são eles que, no terreno, implementam esses projetos graças ao financiamento da União Europeia.

E como é que eles recebem o dinheiro da União Europeia?

Os nossos parceiros recebem o financiamento a partir do momento em que a sua proposta de projeto é validada. É avaliada, aqui em Bruxelas, pelos colegas do Departamento Legal e Financeiro e, se o projeto realmente for viável, é aprovado. O parceiro recebe o financiamento e pode começar a implementar o projeto no terreno. É monitorizado regularmente pelos nossos colegas especialistas, que estão distribuídos pelas cinco regiões onde nós atuamos, e tem que que enviar relatórios frequentes para realmente provar, como em qualquer projeto, que está a executar o financiamento e as operações de acordo com o que tinha sido decidido.

Sendo que quando falamos de Ajuda Humanitária, falamos sempre de ações fora da União Europeia. Quando as necessidades são muito grandes, a própria Comissão por vezes organiza fóruns de doadores?

Sim sobretudo para crises muito grandes. Por exemplo, recentemente houve um fórum de doadores para a crise no Sudão. Essas conferências são organizadas normalmente em parceria ou com uma Agência das Nações Unidas ou com um Estado-Membro. Nestes fóruns os Estados – não só os Estados-Membros como Estados terceiros – reúnem-se para tentar angariar mais fundos para determinada crise. Também já foram organizadas conferências para a Ucrânia. Anualmente é também organizada uma para a Síria.

E também nesse caso, podem vir parceiros privados fazer doações.

Nesses fóruns pode haver doações privadas, como aconteceu principalmente nos fóruns da Ucrânia e da COVID-19.

Essas iniciativas de Ação Humanitária fora da União Europeia destinam-se a uma área específica?

Não, destinam-se a várias áreas nomeadamente a da alimentação e nutrição, a da educação, a ajuda em situações de crise provocadas por conflitos como na Ucrânia, Síria, Iémen, etc… Na verdade, depende das necessidades de cada país e de cada região.

Mas é preciso deixar claro que não é a União Europeia que implementa estes projetos. A União Europeia tem um Orçamento – que é mais ou menos três Euros por cidadão da União Europeia por ano – e este Orçamento é distribuído aos nossos parceiros para executarem os seus projetos de Ajuda Humanitária. Projetos que podem passar por ajuda em sistemas de água potável e de saneamento, em abrigos, etc… São só exemplos.

A União pode contribuir através de vouchers, que proporcionam uma ajuda bastante mais rápida pois os parceiros criam uma espécie de cartão multibanco que é carregado – ou semanalmente ou mensalmente – com uma quantia que, depois, podem utilizar para comprar bens de primeira necessidade no terreno. Isto também ajuda a economia local.
A Proteção Civil da União Europeia
Deve ter havido muitos pedidos na altura da COVID-19?

Sim, mas na crise da COVID-19 houve principalmente grandes pedidos na parte da Proteção Civil, porque a Proteção Civil opera não só dentro da União Europeia, mas também fora. Nessa altura, em 2020 e 2021 houve realmente uma avalanche de pedidos, principalmente de máscaras, de álcool gel e de vacinas.

Então, já estamos a entrar na área da Proteção Civil?

Sim, as duas áreas andam de mão dada, principalmente em grandes emergências.

E a Proteção Civil não é só apoio em dinheiro?

Não. A Proteção Civil, aliás, não é apoio em dinheiro. É principalmente apoio em itens e pessoas, digamos. Por exemplo, quando as necessidades do país –seja dentro da União Europeia, ou fora – ultrapassam a sua capacidade de resposta, o país pode ativar o Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia. Isso significa que aqui no centro, onde nós estamos agora, toca o telefone e o país informa qual é a crise que está a enfrentar e de que ajuda precisa.

Por exemplo, no verão a Grécia sofreu grandes incêndios e como já não tinha capacidade para lidar sozinha com todos os fogos, ativou o mecanismo e, de imediato, os outros Estados-Membros puderam contribuir com o envio de bombeiros e de aviões, por exemplo.

Aconteceu no Canadá?

Sim, aconteceu no Canadá também. Houve uma operação de Proteção Civil em que três equipas de bombeiros especializados de Portugal, Espanha e França passaram algumas semanas no Canadá a ajudar os bombeiros locais.

A Ucrânia, por exemplo, é a maior e mais complexa operação da ajuda humanitária da União Europeia. De sempre. Já dura desde fevereiro de 2022 e já foi enviada para a Ucrânia toda a ajuda possível.

Para a Ucrânia ou para os países vizinhos?

Para os dois lados, mas muito principalmente para dentro da Ucrânia.

E para dentro da Ucrânia vai Ajuda Humanitária em dinheiro e a Proteção Civil atua, depois, ao entregar bens e ao responder a outras necessidades?

Exatamente. Como expliquei nós, em termos de Ajuda Humanitária, primeiro financiamos os nossos parceiros que atuam dentro da Ucrânia e muitos também na Moldávia. Este financiamento já vai em mais de 700 milhões de Euros.

Em termos de Proteção Civil, podemos estimar, mais ou menos, que o valor de todos os itens que já foram enviados chega quase aos 500 milhões de Euros. E estamos a falar de autocarros, de comida, de abrigos, de material médico, etc…

Quando se ouve dizer, na altura dos incêndios, que Portugal pediu ajuda à União Europeia é através do Mecanismo Europeu de Proteção Civil.

Exatamente.

E nessa altura Portugal pode receber o quê? Portugal ou outro país que peça ajuda?

Em termos de incêndios, principalmente os países podem contar com os aviões da frota da União Europeia, com bombeiros de outros Estados-Membros e também com peritos na análise de incêndios. Porque quando há um incêndio não são só os bombeiros que estão no terreno. Há muitas equipas que procedem, por exemplo, à análise do comportamento do incêndio. E há também equipas médicas.

E nesse caso de onde é que vem o dinheiro para financiar estas atividades da Proteção Civil?

O dinheiro vem do mesmo Orçamento da União Europeia. Neste caso é importante perceber que o Mecanismo de Proteção Civil é um mecanismo de solidariedade, ou seja, tudo aquilo que os Estados-Membros enviam para outros países – sejam peritos, sejam meios, seja equipamentos – é considerado como uma doação. A União Europeia financia até 75 por cento dos custos de transporte destas doações para os países em necessidade.
Os meios da própria União Europeia: o RescEU
O que é o RescEU?

O RescEU é, digamos, um upgrade do Mecanismo de Proteção Civil que foi criado na sequência dos incêndios que Portugal sofreu em 2017 e nos quais foi realmente constatado que, por vezes, o Mecanismo Europeu de Proteção Civil não é suficiente, porque os Estados-Membros se não têm para si próprios também não podem doar e, portanto, a solidariedade só pode ir até um certo ponto. Então a Comissão criou o RescEU que é a sua própria reserva de itens. Isto foi também muito visível na COVID-19, quando foi criada a reserva de máscaras e de vacinas. Neste caso é tudo 100 por cento financiado pela União Europeia porque é tudo propriedade da União Europeia.

Que distribui conforme as necessidades?

Exatamente. Os armazéns RescEU estão situados em certos países, mas todos eles são 100 por cento financiados pela União Europeia, tanto o local como a manutenção, como o transporte.
A Ajuda Humanitária custa três Euros por ano a cada cidadão europeu
Pode referir, de novo, qual valor com que cada cidadão europeu contribui para a Ajuda Humanitária?

Sim, é cerca de três Euros por ano.

Três Euros por ano. E isso é suficiente? É que é um número que parece tão, tão baixo?

Sim, é baixo. Aliás, o Orçamento da Ajuda Humanitária da União Europeia é apenas um por cento do orçamento total da União Europeia. Inicialmente, este ano, começámos com um 1.7 mil milhões de Euros. Obviamente tentamos, como se costuma dizer, fazer o melhor que podemos com aquilo que temos. Claro que mais seria sempre melhor, principalmente tendo em conta que as necessidades humanitárias não param de aumentar a cada ano.

Tem havido mais pedidos de Ajuda Humanitária por causa das questões climáticas?

Também, sim. A Ajuda Humanitária não funciona com base em pedidos, funciona com base em análise das necessidades. E sim, vemos que as alterações climáticas criam muitos problemas em termos de, por exemplo, alimentação e nutrição. Também há muita população deslocada devido a questões climáticas.

E a União Europeia consegue sempre encontrar parceiros disponíveis em todas as partes do Mundo para trabalhar?

Sim. Para já sim.

Mas têm de ser parceiros locais ou podem ser parceiros, por exemplo, de Portugal que decidem fazer um projeto em Moçambique?

Pode acontecer. Quando falamos em organizações não governamentais não significa que elas sejam locais. Por exemplo, na Ucrânia, não quer dizer que as organizações sejam ucranianas. Um dos grandes parceiros que temos, desde o início na crise da Ucrânia, é uma organização checa.

Portanto, os nossos parceiros precisam é ter operações a funcionar no terreno nos países em que estão, não precisam de ser daquele país. Também por isto é que o chamado acesso humanitário é tão importante.

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