Bruxelas.PT - A Política de Energia da União Europeia

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas

Episódio original publicado a 10 de maio de 2024 | Foto: Lucy Nicholson - Reuters

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com Manuela Teixeira Pinto, Representante Permanente Adjunta de Portugal junto da União Europeia.

A União Europeia da EnergiaO que é que se pretende com a União Europeia da Energia?

A União Europeia da Energia foi apresentada pela Comissão Europeia em 2015 e, no fundo, pretende, em primeiro lugar, fazer uma maior coordenação entre os Estados-Membros nas suas políticas energéticas mas, ao mesmo tempo, avançar na criação de um verdadeiro mercado interno da energia, onde, teoricamente – e um pouco mal comparado – a energia pudesse circular livremente, tal como circulam as pessoas. Esta é de facto uma comparação um pouco exagerada, mas é só para se perceber qual era a ideia que é a de termos energia a circular.

Quando nós falamos de energia, no fundo, estamos a falar de tudo. Basta pensar que quando chegamos a casa acendemos a luz, ou seja, a energia é tudo: é o gás, a eletricidade, tudo o que faz mover os nossos transportes, os nossos hospitais, etc., portanto, é fundamental para o funcionamento da nossa economia, da nossa sociedade, do nosso dia a dia. Por isso todos beneficiaremos se tivermos uma verdadeira União da Energia.

A Comissão Europeia o que pretendia era criar este mercado mas, ao mesmo tempo, trazer mais segurança energética – eu - depois posso explicar um pouco o que isso quer dizer de trazer mais segurança energética aos Estados-Membros e à União Europeia, termos a possibilidade de produzir e de importar energia mais acessível a preços mais baixos – tornando também a nossa indústria e a nossa economia mais competitiva – e ao mesmo tempo – o que era um elemento muito importante da União da Energia – pormos a energia limpa no centro desta União, porque o que se pretende é também descarbonizar o setor da energia e contribuir para que este setor ajude no esforço climático da União Europeia.
A Segurança da EnergiaJá temos aqui várias questões. Primeira: o que é a segurança da energia?

A segurança da energia tem várias dimensões: é segurança no sentido de garantirmos que temos sempre a energia. Ou seja, se tivermos uma disrupção no funcionamento da nossa energia, a nossa economia para, a nossa sociedade para.

Portanto, não naquele sentido de que a energia chegue a casa sem explodir?

Também, mas o mais importante é que ela chegue, ou seja, porque basicamente a sociedade não pode parar. A segurança energética é sobretudo garantirmos que não temos disrupção do abastecimento da nossa energia. E isso consegue-se de várias maneiras que, no fundo, é o que a União Europeia faz ou quer fazer.

A União Europeia neste momento é, segundo os dados da Comissão, o maior importador de energia do Mundo. A energia que nós consumimos e que nós utilizamos não é produzida na União Europeia e, portanto, segurança de abastecimento significa também nós termos os contratos com os nossos importadores que nos permitam que tenhamos energia estável.

Mas, por outro lado, segurança energética também significa aumentarmos a nossa produção de energia internamente, apostando sobretudo, no contexto das energias limpas, nas energias renováveis, de forma a diminuir a dependência em relação ao exterior, porque isso também aumenta a nossa segurança.

Algo que se pôs muito em causa aquando da guerra na Ucrânia.

Veio sobretudo pôr essa questão na linha da frente, porque já era uma preocupação que existia em 2015 quando foi apresentada esta iniciativa da União da Energia. Essa já era uma preocupação mas, efetivamente, a invasão da Ucrânia pela Rússia veio mostrar os riscos de se depender em excesso de uma única fonte e, ao mesmo tempo, os benefícios de aumentarmos a nossa própria produção interna de forma a sermos mais soberanos, entre aspas, ou pelo menos termos mais autonomia na produção de energia.

E por isso o que se pretende é diversificar as fontes de energia?

É diversificar as fontes de energia que já era uma das preocupações que aqui também estava, ou seja, estamos sempre com essa preocupação.

E o que é diversificar as fontes de energia?

Diversificar em duas dimensões: diversificar, olhando para o exterior, ou seja, não depender exclusivamente de um importador de energia e, portanto, diversificar os contratos; mas também diversificar internamente, apostando em mais fontes de energia, para a produção interna, que é o que nós temos neste momento na União Europeia, ou seja, uma aposta nas energias renováveis, por exemplo, quer seja eólica, hídrica, solar, eólica off shore, quer dizer no mar.

Ou seja, diversificar é diversificar internamente, na produção, e diversificar externamente não dependendo apenas de um fornecedor.
Os fundos da União Europeia para a energiaMas diversificar internamente implica custos. Implica investimentos e há, por parte da União Europeia, também fundos destinados, por exemplo, para apoiar empresas ou para apoiar precisamente esses projetos que nos possam levar a ter mais energia na União Europeia?

Sim. Aliás, essa é uma das grandes prioridades da União Europeia, neste momento e, como tal, ela vem associada com preocupações de financiamento e, também, de fundos. Vou citar três para termos uma ideia mais concreta.

Portanto uma das principais fontes, ou pelo menos uma fonte importante de financiamento, um dos fundos importantes surge no contexto do desenvolvimento das redes transeuropeias da energia e aqui estamos a falar daquilo que ainda são os gasodutos (teremos que começar a chamar-lhes de outra forma quando forem para só para gases renováveis), ou seja, nós temos que ter infraestruturas para aquilo que nós chamamos o hardware do mercado da energia. E não são só os gasodutos são também as redes elétricas que no fundo fazem a energia “andar de um lado para o outro”. Neste caso temos um instrumento específico que é o Mecanismo Interligar a Europa, através do qual os países se podem candidatar com projetos concretos, desde que sejam projetos transfronteiriços – portanto, envolvendo mais do que um Estado-Membro – podem candidatar-se a financiamento europeu para o desenvolvimento de infraestruturas. Terá que ser um desenvolvimento assente na lógica de que querermos apostar no desenvolvimento de energias renováveis para fazermos a transição energética, e por isso os projetos devem precisamente focar-se em energias renováveis. Portanto, já não poderemos, por exemplo, financiar novas infraestruturas a gás ao abrigo deste Mecanismo Interligar a Europa.

Uma outra iniciativa interessante tem a ver com o facto de a Comissão ter apresentado, o ano passado, uma proposta para a criação do que chamou um Banco do Hidrogénio, ou seja, uma iniciativa que visa estimular e facilitar o investimento privado no desenvolvimento de um mercado de hidrogénio renovável na Europa. Ainda não existe e no início, quando algo não existe, é difícil investir porque o risco é grande e, portanto, o objetivo desta iniciativa é a de criar condições para facilitar investimento privado. De facto, nós vamos precisar de muito investimento privado nestas áreas e o objetivo, por exemplo, deste banco, é que até 2030 se possam produzir 10 milhões de toneladas de hidrogénio renovável na Europa, para juntar a mais dez milhões que serão importados. Estes números já nos permitem ver a dimensão deste mercado.

E depois temos o Fundo da Inovação, a Política de Coesão, o Fundo para a Transição Justa, portanto, uma série de fundos que também estão ligados à transição climática e que podem também financiar projetos nesta área. Mais recentemente foi lançada, em dezembro, a Coligação para o Financiamento da Eficiência Energética, que no fundo, é um instrumento para estudar formas de financiar a aplicação da legislação da União Europeia destinada a reduzir o consumo de energia. E aqui estamos a falar de eficiência energética em sentido lato, mas também de eficiência energética dos edifícios, que é uma área em que tem que se apostar imenso para se conseguir esta transição.
As interconexõesJá me surgiram três novas questões: a primeira tem a ver com o facto de que para a energia andar de um lado para o outro livremente (ou tentar) precisarmos de infraestruturas. O que são as tais interconexões de que muito se falou e de que Portugal precisa para a energia que recebe ou para enviar a que produz para o resto da Europa?

A questão das interconexões é uma questão importante para Portugal, mas é uma questão importante para a Europa toda. Portugal e a Espanha ainda são considerados, neste momento, podemos chamar-lhes uma ilha energética, na medida em que não estão interligados ao resto da Europa. Não só o nível de interligações elétricas é baixo, ainda, mas também o nível das interligações de gás é mínimo e portanto nós vivemos energeticamente numa ilha energética e, portanto, não podemos beneficiar de todas as vantagens de estar num grande mercado interno de energia. Este é o problema específico de Portugal e de Espanha e que tem sido colocado em cima da mesa desde há décadas e vai-se conseguindo, sempre numa política de pequenos passos, avançar nesta área. Mas por outro lado, as interligações dizem respeito à Europa toda e neste momento uma das prioridades em cima da mesa é a de nós podermos promover ou expandir todas as interligações – as que já existem e novas interligações, sobretudo as elétricas – porque está assente que a eletrificação será fundamental para conseguirmos fazer a transição energética, será fundamental para a transição da nossa indústria e da nossa economia.

A Comissão Europeia apresentou, no final do ano passado, um plano de ação para as redes com este objetivo de expandir a rede elétrica pela Europa, interligar toda a Europa. Mas voltando à questão que estava a colocar sobre as interconexões da Península Ibérica: é também mais uma alavanca que a Península Ibérica e outros Estados-Membros – mas destaco em particular a nossa situação – podem usar para fazer avançar ainda mais esta nossa agenda, esta nossa preocupação.

E tem havido fundos para isso?

Neste momento, por exemplo, há projetos nesta área, com este objetivo e que podem vir a ser financiados ao abrigo do mecanismo Interligar a Europa.
A energia nuclearQual é o papel da energia nuclear neste momento na Europa? Uma energia que ainda por cima divide os países…

Divide, entre aspas. Tem vindo a ser considerado e também foi, por exemplo, na COP, Conferência das Nações Unidas do Clima – esta última no final do ano – ficou assente que para conseguirmos a descarbonização da nossa economia e conseguirmos alcançar os objetivos da neutralidade climática em 2050, não o poderemos fazer só apenas com energias renováveis, portanto é um ponto que tem estado em cima da mesa e é aqui – mas não só por causa disso – mas é sobretudo aqui que entra também a questão da energia nuclear.

A energia nuclear – e ainda há pouco tempo tivemos aqui em Bruxelas, uma cimeira sobre a energia nuclear – tem, de facto, vindo a estar mais presente como um elemento que também irá contribuir para todo este esforço.

Há um ponto importante que deve ser referido: nos termos do Tratado da União Europeia os Estados-Membros continuam a ser totalmente discricionários na escolha daquilo que nós chamamos o nosso mix energético, ou seja, na escolha das nossas fontes de energia. O que mais dividiu a Europa neste caso, e o que nos debates que teve que ficar claro é que a energia nuclear não é uma energia renovável, nem é uma energia verde. Portanto, ela é uma low-carbon (baixo carbono) e o debate está em que cada fonte de energia tem o seu papel, no seu contexto. A energia nuclear não é uma energia verde nem uma energia renovável mas isso não quer dizer que não é uma energia low-carbon e que não tem o seu contributo no esforço climático como as outras.

Quando eu disse dividia foi no sentido de que a França apostou muito, a Alemanha não, Portugal também já não aposta. Mas porque cada Estado pode escolher?

Exatamente, e isso está reconhecido no próprio Tratado: é totalmente discricionário.
Edifícios sustentáveis e Cidadãos responsáveisFalou-me da questão dos edifícios públicos, da poupança de energia. Qual é o papel precisamente dos países, das administrações e até dos Cidadãos, para contribuir para esta poupança de energia?

No que diz respeito à poupança de energia, e começando pelos edifícios: há recentemente uma legislação da União Europeia sobre a eficiência energética dos edifícios. Os edifícios são responsáveis por mais de um terço das emissões de gases com efeito de estufa na União Europeia.

Um terço? Incrível…

São dados da Comissão e, portanto, nós precisamos de melhorar o desempenho energético dos nossos edifícios, quer públicos quer privados, e esta Diretiva trata desta questão e aborda também a renovação de edifícios e os novos edifícios, no fundo, de termos edifícios mais sustentáveis.

O papel dos Cidadãos começa pelos atos básicos que nós todos podemos fazer: desligar a luz dos sítios onde nós estamos – isto para irmos à nossa micro realidade – tentar comprar eletrodomésticos de mais baixo consumo e energeticamente mais eficientes. Estes são pontos importantes.

Há, no entanto, uma preocupação que a União Europeia também tem quando falamos daquilo que os cidadãos podem fazer, e que tem a ver com o que se chama a pobreza energética, porque nem todos podem fazer este esforço e isto é muito importante. De facto há quem pode comprar um eletrodoméstico que é mais eficiente, mas que também é mais caro, e há pessoas que não os podem adquirir e, portanto tem que haver medidas de apoio aos consumidores mais vulneráveis.

Isso é uma preocupação que está na legislação europeia para que a transição energética seja também uma transição socialmente justa. E depois, por outro lado, todos nós podemos vir a transformar-nos num novo conceito que agora se usa que são os Prosumidores, o que quer dizer que não somos apenas consumidores de energia mas somos também produtores de energia.

Se eu tiver o meu painel solar ou a Andrea tiver o seu painel solar, nas nossas casas, também nos podemos transformar em pequenos produtores e podemos mesmo partilhar essa energia. E há um novo conceito, que também está a nascer, que é o das comunidades energéticas em que as pessoas partilham a energia entre si.

Soluções novas…

Soluções novas, que vão implicar maior flexibilidade no próprio sistema, mas também um papel mais ativo dos próprios cidadãos não só no sentido de consumir e de poupar, mas também no sentido de contribuírem ativamente para o esforço de transição.
O preço da energiaTudo isto tendo em conta também o preço, que é sem dúvida alguma uma variante essencial.

Exato, porque todo este esforço também é para que tenhamos – e voltando ao início da União da Energia – um dos objetivos é ter energia não só acessível em termos de acesso – estar disponível – mas também em termos de preço, para que não só a indústria se torne mais competitiva, com os preços mais baixos, mas também para que os consumidores possam ter acesso a energia mais barata.

Tem-se ouvido também a Comissão Europeia referir que temos os depósitos a 90 por cento ou praticamente cheios. Este armazenamento de energia é fundamental?

O armazenamento é fundamental na medida em que, primeiro permite ter uma reserva em caso de escassez – foi também uma das questões que veio para a linha da frente no início da invasão da Ucrânia, e, sobretudo, que preocupava muito os países mais na proximidade, porque há coisas muito simples como estas, que é o aquecimento das nossas casas, quando temos menos de 30 graus lá fora – e, portanto, o armazenamento de energia para determinados países é absolutamente fundamental.

E por outro lado, termos energia armazenada também quer dizer que temos energia disponível para podermos injetar na rede em caso de necessidade, isto dito de uma maneira muito simplista.

De facto, nos regulamentos de emergência que foram adotados vários logo após a invasão, um deles era precisamente garantir que tínhamos armazenamento em volume suficiente e tem estado a ser cumprido. Os últimos dados do ano passado indicavam que as reservas estavam a 95 por cento, portanto, estamos em bom caminho.
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