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Bruxelas.PT - A Agenda Estratégica da União Europeia

por Andrea Neves correspondente Antena 1 em Bruxelas.

Episódio original publicado a 01/03/2024 | Foto: Copyright: European Union

Uma conversa da jornalista Andrea Neves com o Embaixador Pedro Lourtie, Representante Permanente de Portugal junto da União Europeia.

A definição da Agenda EstratégicaQuem define a Agenda Estratégica da União Europeia?

A Agenda Estratégica da União Europeia é o roteiro geral que os líderes reunidos no Conselho Europeu, decidem para a União Europeia: quais são as grandes áreas de atuação da União Europeia num período de cinco anos, que corresponde ao período do mandato europeu.

Em 2024 vamos ter uma mudança desse mandato o que implica eleições para o Parlamento Europeu – vamos ter um novo Parlamento Europeu – e uma mudança de Comissão Europeia – vamos ter uma nova Comissão Europeia no fim do ano – e também um novo presidente para o Conselho Europeu.

O Conselho Europeu, na estrutura da União Europeia, tem um papel de orientação global. É uma instituição, desde que foi aprovado o Tratado de Lisboa. Não o era antes – era um organismo informal, ou seja, os Chefes de Estado e de Governo reuniam-se e faziam muito do papel que hoje se faz o Conselho Europeu, mas já se reuniam antes, desde o final dos anos 70 que essa reunião existe – mas agora é uma instituição que tem algumas competências próprias e define as grandes orientações para a União Europeia.

Os Estados-Membros estão aí representados ao seu mais alto nível. Está também a Presidente da Comissão e, por isso, no início de cada mandato europeu, os líderes europeus fixam aquilo que são as grandes prioridades políticas para esses cinco anos.

É evidente que depois essas prioridades, de uma maneira geral, mantêm-se –podem surgir novas orientações durante os cinco anos – esse roteiro de grandes prioridades políticas é fixado logo no início do período.

São situações em que se define prioridades e define por unanimidade dos Estados-Membros? E eles vão ter que concordar todos o que é que querem fazer nos próximos cinco anos?

Sim, por consenso. O Conselho Europeu decide por consenso na agenda estratégica.

E de onde é que vêm as ideias daquilo que pode ser importante?

Quem gere o processo é o Presidente do Conselho Europeu, que um ano antes começa a consultar os membros do Conselho Europeu, os vários Chefes de Estado e de Governo – obviamente, baseia-se também na realidade, nos grandes desafios que a União Europeia sente.

O Presidente do Conselho Europeu seleciona um conjunto de prioridades e apresenta uma Agenda Estratégica que não é um documento muito detalhado mas que vai depois ser levado à prática e vai ser detalhado nas várias ações da União Europeia e muito em especial no programa da Comissão Europeia.

Depois é a Comissão Europeia que, com base nestas grandes orientações e prioridades fixadas pelos líderes, vai definir o seu programa de trabalhos para a legislatura e as iniciativas que vai tomar, nomeadamente em temas legislativos porque compete à Comissão Europeia a iniciativa legislativa.

Ou seja, o detalhe vem desse trabalho da Comissão Europeia mas as grandes prioridades vêm do Conselho Europeu.

Já nos disse que as prioridades passam por observar a realidade. Por exemplo, uma das grandes prioridades agora será certamente a segurança e a defesa, pelo que acompanhámos ao longo dos últimos tempos, o que não foi uma prioridade há cinco anos.

Não foi. De facto não foi.

Eu acho que é um belíssimo exemplo das alterações ao contexto ao qual a União Europeia tem que dar resposta. Neste momento ainda não sabemos, ainda não conhecemos a agenda estratégica para os próximos cinco anos – ela será acordada em junho – mas os trabalhos continuam e começam a colocar-se alguns temas na mesa desses trabalhos. Um deles é o da segurança e defesa.

Mas é evidente que a Europa há cinco anos não tinha uma guerra no seu continente. Não havia uma potência imperial que agredia um país porque esse país está a tentar aproximar-se do projeto europeu, e por isso é evidente que a União Europeia tem que atuar nesta área.

Outras áreas em destaque são, por exemplo, a resiliência e a competitividade e a resiliência também é, de certo modo, uma palavra que nestes últimos cinco anos ganhou, ganhou um certo fulgor. Sobretudo depois da crise da COVID-19 e muito também com o objetivo de resistir às várias crises que atingiram o Mundo e a Europa, em particular.

A energia é outro dos temas que está em cima da mesa e que poderá constar também na Agenda Estratégica e também aqui não é um tema novo, mas é evidente que a dependência que havia, por exemplo, dos combustíveis fósseis e nomeadamente das importações de combustíveis fósseis da Rússia, levou a que a União Europeia, nestes últimos cinco anos, tivesse que mudar a sua estratégia, pelo menos que os vários Estados-Membros que estavam mais dependentes tivessem que mudar a sua estratégia.

As migrações é um tema que tem estado presente no debate europeu. A União Europeia precisa, tendo em conta também as suas dinâmicas demográficas, de migrações, a economia europeia para se manter dinâmica precisa de migrações. Mas é evidente que todos estão de acordo que deve haver também uma gestão dessas migrações.

E por fim o alargamento. O alargamento há cinco anos estava num impasse e agora está a avançar a um ritmo bastante acelerado e por isso é natural que também fique na próxima Agenda Estratégica como uma grande prioridade.

Antes de analisarmos estas prioridades uma a uma deixe-me também perceber se é importante ou se é necessário ter o acordo do Parlamento Europeu para definir esta agenda.

Não. Este é um processo do Conselho Europeu. Enfim, agora entramos um pouco na construção institucional da União Europeia, mas o Conselho Europeu tem este papel orientador do trabalho das Instituições Europeias em geral. Obviamente que depois cada instituição tem a sua autonomia mas os líderes têm este este papel orientador, têm a competência para fixar as grandes prioridades.

Se acontecer uma situação completamente inesperada, isso não implica necessariamente mudar a agenda, implica é ter algo mais para escrever na agenda?

Sim, não tem implicado E, por exemplo, o mandato que agora está a chegar ao fim teve grandes alterações. Tivemos a COVID-19, tivemos a guerra na Ucrânia, por exemplo. Por isso não implica mudar a agenda, que é um roteiro geral.

Depois a União Europeia reage obviamente aos acontecimentos à medida que eles acontecem e pode, por vezes, juntar prioridades a esta agenda. Se fosse necessário, os líderes poderiam sempre reformular a agenda mesmo a meio do percurso.
As prioridades para os próximos cinco anos: a segurança e a defesaVamos então analisar um pouco os grandes temas que vão fazer parte da Agenda Estratégica para os próximos cinco anos. Podemos começar com a segurança e a defesa. Já nos disse que de facto a situação mudou, que se tornou imperativo começar a falar destas questões. Vai ser um tema assim tão importante para conseguir unir os líderes?

Vai ser um tema muito importante. É sempre difícil fazer previsões, mas julgo que não é muito arriscado no caso da segurança e defesa. O facto de termos uma guerra na Europa, desta dimensão e com este tipo de consequências globais é inédito desde a Segunda Guerra Mundial e a União Europeia tem que se preparar para as consequências desta guerra.

É evidente que muitos países, a grande maioria dos países da União Europeia, são membros da NATO e por isso, há através da NATO um pilar de defesa. Mas nem todos os Estados-Membros são membros da Aliança Atlântica e há cada vez mais a noção de que a União Europeia tem que ser, ou que tem que ter um grau de autonomia em certas áreas estratégicas. E isto é válido para a defesa.

E é válido para a defesa, nas suas várias vertentes: na capacidade de produção militar e na capacidade que a União Europeia e os seus Estados-Membros têm de garantir a sua própria defesa perante ameaças externas.

Uma das questões que surgiu nos últimos cinco anos, e que estará também seguramente enquadrada pelas questões de segurança, é a autonomia estratégica da União Europeia em áreas que são fundamentais, nomeadamente nas tecnologias, para evitar dependências que nos tornem vulneráveis a nível global. Eu julgo que tudo isso estará em cima da mesa da próxima agenda estratégica.
A energiaOutro dos temas da nova Agenda Estratégica será o da energia?

Exatamente e nesse tema a União Europeia tem já um caminho que está a percorrer, que é bastante claro e que é totalmente coerente com uma outra grande prioridade – que aliás era uma das grandes prioridades definida há cinco anos – que é a da transformação climática, da transformação verde.

As energias renováveis são energias por definição endógenas e por isso, a aposta que a União Europeia está a fazer nas energias renováveis, nas energias limpas em geral é também uma forma de diminuir a sua dependência, nomeadamente dos combustíveis fósseis.

E nesse aspeto a União está também a reforçar a sua autonomia e a sua resiliência também perante futuras crises.
A política externaNão falamos ainda de um tema que parece importante, dir-me-á, que tem a ver com a tal ligação da Europa ao resto do Mundo, com o facto de a União Europeia ser um ator privilegiado em certas circunstâncias. Isso será cada vez mais importante para a Europa?

Sim, as agendas estratégicas têm tido um capítulo sobre a ação externa da União Europeia. Obviamente que a União – tendo em conta o seu peso económico, mas também o político – é um ator relevante a nível global e tem todo o interesse não só em defender os seus valores a nível global, mas também em manter um diálogo com os vários países a nível internacional. Isto para prevenir uma certa fragmentação da ordem internacional.

Nós vemos alguma ameaça à ordem internacional, tal como a conhecemos desde a Segunda Guerra Mundial e mais em particular, desde a queda do Muro de Berlim. A União Europeia sente-se confortável na ordem internacional liberal, nas suas regras e pretende preservá-la.

Só daqui a seis meses é que veremos o resultado, mas seguirá seguramente as linhas que têm vindo a ser seguidas e definidas: a União deve poder ser um ator importante, seja para o comércio internacional, seja na questão da ordem internacional mais globalmente. Seguramente que isso estará em cima da mesa.
O alargamento e as migraçõesGuardamos o alargamento para um programa especial sobre o alargamento – até porque será sem dúvida um tema importante nesta nova Agenda Estratégica – mas centremo-nos, por fim, na questão da migração, tantos anos depois, ainda é preciso estar a abrir caminho, estar a encontrar consensos?

Sim, e vai continuar a ser.

As migrações são um desafio da União Europeia, mas um desafio que tem oportunidades e que tem questões um pouco mais difíceis. Por um lado, oportunidades, porque a União Europeia precisa de poder acolher migrantes. Por isso, há um interesse próprio da União Europeia, evidentemente em ter vias legais de migração. Para dar um exemplo em 2023 a União Europeia acolheu cerca de três milhões e meio de migrantes por vias legais. E são esses migrantes que também contribuem para o dinamismo das nossas economias e que vêm preencher muitos postos de trabalho nas nossas economias.

Por outro lado, é também um desafio, porque se as migrações acontecem é também sinal de que nos países de origem existem perturbações, existem desequilíbrios que fazem com que essas migrações tenham um dinamismo maior.

É também nossa obrigação combater as causas mais profundas das migrações e nomeadamente todas aquelas que têm relação com a guerra, com a miséria profunda que existe nesses países. E perante este cenário, nós temos que, por um lado, poder fazer parcerias com os países de origem das migrações para poder também gerir a situação, porque nós sabemos que as migrações são um fenómeno que também têm consequências.

Têm claramente consequências nas sociedades de origem, mas também têm consequências nas sociedades de acolhimento e este fenómeno deve ser gerido para que possam potenciar as oportunidades e os pontos positivos e minimizar os pontos mais difíceis e negativos. E a União Europeia tem vindo a tentar construir estratégias para esta questão.

Obviamente que não há sempre um acordo entre todos os Estados-Membros sobre qual a melhor maneira de o fazer. Há visões diferentes, penso que não é difícil de se perceber, é normal. Somos 27 Estados-Membros. Mas é evidente, também, que precisamos de ter uma política comum.

Considero que continuará a ser uma das grandes prioridades no próximo mandato, porque uma coisa é certa: nós precisamos de migrações e elas não vão parar. São um fenómeno global. Nós temos muitas vezes uma visão muito eurocêntrica mas não é apenas a Europa que recebe migrantes. O fluxo de pessoas no Mundo inteiro é muito acentuado e há muitos outros países que também recebem imigrantes.

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