Desde a criação dos primeiros computadores quânticos, no início da década de 1980, os cientistas apresentavam uma forte expectativa face ao momento em que estes dispositivos poderiam resolver "desafios" considerados extremamente complexos para os computadores tradicionais. Um novo chip realizou um cálculo padrão, de computação, em menos de cinco minutos e que demoraria a um dos supercomputadores mais rápidos da atualidade cerca de dez septiliões de anos. É um número que ultrapassa e muito a idade que atribuímos ao Universo: 13,8 mil milhões de anos.
A Google dá a conhecer mais um avanço histórico com o Willow, o mais recente chip quântico de desempenho de última geração. De acordo com a multinacional informática, possibilita desde já duas importantes conquistas.
A primeira é que este chip pode reduzir os erros exponencialmente à medida que se aumenta a escala, usando mais qubits. Ou seja, mais bits quânticos, maior a correção de erros quânticos. A palavra inglesa "willow" significa
"salgueiro". Uma árvore conhecida por seu aspecto elegante e flexível,
frequentemente associada a regiões próximas de água. Um símbolo que a
Google adotou para este projeto pelo aspeto de ramificação quase
infindável.
De acordo com a gigante tecnológica, o chip Willow é um passo importante numa viagem que começou há mais de dez anos.
De acordo com a gigante tecnológica, o chip Willow é um passo importante numa viagem que começou há mais de dez anos.
Julian Kelly, diretor de hardware da Google Quantum AI, refere que quando a fundou em 2012, a visão era construir um computador quântico útil e de larga escala que pudesse aproveitar a mecânica quântica - o “sistema operativo” da Natureza (na medida em que conhecemos hoje). O objetivo era beneficiar a sociedade através do avanço da descoberta científica, no desenvolvimento de aplicações úteis e enfrentar alguns dos maiores desafios da sociedade.
Os computadores quânticos oferecem aplicações que podem ser vantajosas em muitos campos, desde a química à descoberta de medicamentos ou à criptografia. A maioria dessas aplicações exige milhões, se não biliões de operações para executar de forma confiável, em nada comparado com o que o seu computador está a fazer agora.
Um marco na correção de erros quânticos
Um dos maiores desafios da computação quântica reside na correção de erros, já que os qubits – as unidades fundamentais de computação quântica – tendem a trocar informações rapidamente com o ambiente, dificultando a preservação dos dados necessários para completar cálculos complexos.
Este problema intensifica-se à medida que aumenta o número de qubits, tornando o sistema mais propenso a erros e aproximando-o do comportamento clássico. Todavia, a Google revela agora, na revista Nature, que conseguiu um avanço significativo nesta área.
Os investigadores da multinacional informática demonstraram que, no sistema Willow, um chip quântico de última geração, o aumento do número de qubits resultou numa redução exponencial da taxa de erros.
Em testes realizados com grelhas de qubits codificados de 3x3, 5x5 e 7x7 e utilizando os mais recentes avanços em correção de erros quânticos, a equipa conseguiu reduzir os erros pela metade, a cada expansão.
Este feito estabelece um marco conhecido como estar “abaixo do limiar” – um conceito essencial introduzido por Peter Shor em 1995 para medir o progresso na correção de erros quânticos.
O estudo também apresenta outras inovações fundamentais, como por exemplo a correção de erros em tempo real, num sistema quântico supercondutor, um elemento crucial para viabilizar cálculos úteis. Sem esta capacidade, os erros tendem a acumular-se, comprometendo os resultados antes da conclusão das operações.
Além disso, foi demonstrado que os conjuntos de qubits apresentam uma vida útil superior à dos qubits individuais, um avanço que evidencia melhorias no sistema como um todo.
Chip faz cálculo “benchmark – RCS” em menos de cinco minutos
Como medida do desempenho do Willow, a equipa da Google utilizou o sistema benchmark de amostragem de circuitos aleatórios (RCS). Este sistema amplamente utilizado como padrão na área, é o benchmark clássico mais difícil que pode ser feito, hoje, num computador quântico.
“Pode-se pensar nisto como um ponto de entrada para a computação quântica: verifica-se se um computador quântico está a fazer algo que não poderia ser feito num computador clássico”, refere Hartmut Neven, fundador e um dos directores da Google Quantum AI.
”Qualquer equipa que esteja a construir um computador quântico deve primeiro verificar se consegue ultrapassar os computadores clássicos no RCS; caso contrário, haverá fortes motivos para se ficar céptico quanto à capacidade para lidar com tarefas quânticas mais complexas. Utilizámos consistentemente este benchmark para avaliar o progresso de uma geração de chips para a seguinte – reportámos os resultados do Sycamore em outubro de 2019 e, de novo, mais recentemente em outubro de 2024”.
Um septilião é um número gigantesco que, dependendo do sistema de numeração adotado, tem valores diferentes:
Na Escala Curta (utilizada nos Estados Unidos e em outros países): um septilião equivale a 10 24, ou seja, 1 seguido de 24 zeros, 1.000.000.000.000.000.000.000.000
Na Escala Longa (utilizada em Portugal, Brasil e grande parte da Europa): um septilião equivale a 10 42, ou seja, 1 seguido de 42 zeros, 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000
Este número incompreensível excede as escalas de tempo conhecidas na física e ultrapassa enormemente a idade do universo.
Isto dá credibilidade à noção de que a computação quântica ocorre em muitos universos paralelos, em linha com a ideia de que vivemos num multiverso, uma previsão feita pela primeira vez por David Deutsch.
A avaliação do Willow, de acordo com os investigadores da Google, ultrapassa um dos supercomputadores clássicos mais potentes do mundo, o Frontier.
E dão um exemplo: “Assumimos o acesso total ao armazenamento secundário, ou seja, aos discos rígidos, sem qualquer sobrecarga de largura de banda – uma concessão generosa e irrealista para o Frontier. É claro que, tal como aconteceu depois de anunciarmos a primeira computação pós-clássica em 2019, esperamos que os computadores clássicos continuem a melhorar neste benchmark, mas o fosso crescente mostra que os processadores quânticos estão a afastar-se a uma taxa exponencial dupla e irão continuar a superar enormemente os computadores clássicos à medida que escalamos”.
O próximo grande desafio no campo da computação quântica é alcançar uma aplicação prática e útil que ultrapasse as capacidades dos computadores clássicos. A Google está otimista quanto à capacidade da sua nova geração de processadores quânticos, que pensa ser a chave para atingir este marco histórico.
Até agora, a pesquisa quântica tem seguido dois caminhos distintos. Por um lado, realizaram-se testes de Random Circuit Sampling (RCS), um benchmark que avalia o desempenho em comparação com computadores clássicos, mas que carece de aplicações práticas no mundo real. Por outro, foram feitas simulações científicas de sistemas quânticos que produziram descobertas relevantes, mas que ainda podem ser reproduzidas por máquinas clássicas.
Por isso a multinacional está a convidar investigadores, engenheiros e programadores a juntarem-se nesta “viagem”, com possibilidade de verificação do software de código aberto e recursos educativos, incluindo o novo curso na Coursera. Os programadores podem aprender os fundamentos da correção de erros quânticos e ajudar a criar algoritmos que possam resolver os problemas do futuro.