Cerca de 80% dos moçambicanos compram roupa em segunda mão, proveniente sobretudo da Europa, preferindo-a à nova que é de fabrico asiático e dura menos, existindo um milhão de famílias que beneficiam deste mercado, segundo um representante do setor.
Em entrevista à agência Lusa, em Lisboa, o coordenador do Centro de Desenvolvimento Empresarial da Associação Comercial da Beira, Fernando Hin Júnior, disse que a dimensão deste mercado em Moçambique é "gigantesca".
"Moçambique absorve 1,7% das importações, a nível mundial", disse, indicando que a economia circular "ganhou uma dinâmica muito maior" neste país, com muitos comerciantes a sobreviverem do negócio de vestuário em segunda mão, que é importado a partir da Europa (18%) e também de outras regiões.
Em 2023, o país das capulanas importou 39.320 toneladas de roupa usada, sendo o segundo maior importador destes artigos da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, a seguir à Tanzânia.
Fernando Hin Júnior explicou que estas roupas, muitas delas doadas e outras compradas, chegam a Moçambique através do Porto da Beira, onde vão para o centro de triagem da cidade, da responsabilidade de uma organização sem fins lucrativos, a ADPP.
Esta organização, associada do centro coordenado por Fernando Hin Júnior, faz a triagem, a preparação e embala a roupa. Depois, o vendedor a retalho compra os fardos para a revenda no mercado ao ar livre, que são os mercados locais.
"Quem vende obviamente ganha algum dinheiro para poder sustentar a sua família. Também é uma oportunidade para as famílias moçambicanas, porque a maior parte não tem condições para adquirir roupa nova", disse.
Segundo Fernando Hin Júnior, a venda desta roupa usada resulta em produtos mais baratos e diversificados, permitindo às famílias economizar um pouco de dinheiro para outras despesas, como na área da saúde e da educação.
Questionado sobre eventuais danos ambientais, disse que em Moçambique o problema não existe, pois o país "tem uma cultura de reaproveitamento da roupa em segunda mão".
E exemplificou: "Quando a roupa em segunda mão chega aos centros de triagem, só cerca de 5% é que é roupa de baixa qualidade, desperdício que não dá para reutilizar, mas é reciclado pelas industrias locais de limpeza".
A restante é vendida e também pode ser transformada pelos alfaiates que existem nesses mercados locais e ao ar livre.
"O consumidor, quando já não precisa da roupa que comprou nestes mercados, passa-a para familiares e amigos. Há uma cultura de reaproveitamento. Resíduos, só os que resultam do trabalho dos alfaiates", adiantou.
Em Moçambique - onde cada pessoa consome, em média, 1,3 quilos de roupa por ano, menos do que os cinco quilos no restante continente e os 15 quilos na Europa - não existem industrias têxteis locais, pelo que a roupa em segunda mão não ameaça o mercado nacional.
A alternativa é a "fast-fashion", à base de fibras sintéticas e de fabrico asiático, que pode vir a ocupar o mercado da roupa em segunda mão oriunda da Europa, devido às novas regras resultantes do Regulamento de Transferências de Resíduos da União Europeia e da Convenção de Basileia.
"Os moçambicanos preferem a roupa europeia, que tem mais qualidade e dura mais", salientou.
África é o maior mercado de roupa em segunda mão do mundo, absorvendo quase 35% da produção, com os países da União Europeia e Reino Unido a serem os principais exportadores.