Os representantes da Comissão Europeia, do FMI e do Banco Central Europeu já estão em Portugal para a primeira avaliação pós-programa com o Governo de António Costa em funções. Trazem 18 exigências, preocupações sobre a reversão de austeridade e já em posse do esboço do Orçamento do Estado que tem levantado críticas da oposição, do Conselho de Finanças Públicas e dúvidas da agência Fitch.
Desde logo a revogação de medidas de austeridade que o Executivo do PS já começou a concretizar: a reversão dos cortes salariais aplicados à Função Pública, a um ritmo mais elevado do que aquilo que o anterior Governo preconizava, e os cortes na sobretaxa de IRS.
Medidas que surgem apesar dos avisos deixados pelos credores na última avaliação, no verão. Na altura prescreviam “cautela” na reversão de algumas das medidas do lado da receita instituídas durante o programa de ajustamento.
Madalena Salema - Antena 1
O Banif deverá ser outro tema sensível em cima da mesa. Em dezembro o Executivo avançou com uma medida de resolução do banco, com custos para as contas públicas. Por outro lado, a venda do Novo Banco ainda não foi concretizada e desconhece-se quando isso poderá acontecer.
Esboço envolto em dúvidas
No momento em que começa esta avaliação já a Comissão Europeia está na posse do esboço de Orçamento do Estado para 2016, ainda sem parecer formado, já que a avaliação do documento começou no início da semana.
No entanto, o documento está já no epicentro de críticas internas e externas.
As primeiras reticências foram enunciadas pelo Conselho de Finanças Públicas. O organismo tutelado por Teodora Cardoso já veio dizer que as previsões do plano “dependem crucialmente de hipóteses cuja concretização não está assegurada, em particular no que respeita ao crescimento da procura externa e à evolução dos preços”. O Governo socialista prevê que Portugal cresça 2,1 por cento em 2016, um valor bastante superior aos 1,7 por cento apontados pela Fitch.
Ontem mesmo foi a vez de a agência de rating Fitch lançar críticas e ameaças. Fala de um plano orçamental baseado em estimativas de crescimento que podem revelar-se “irrealistas”.
A agência de notação financeira lançou ainda farpas à diminuição do ritmo da diminuição do défice e deixa ameaças à navegação de Mário Centeno. “Um relaxamento orçamental que resulte numa trajetória menos favorável na dívida pública poderá levar a uma ação negativa sobre o rating”, avisa a Fitch.
Conhecida a nota da agência de notação financeira, o PS não demorou a responder. Pela voz de João Galamba, os socialistas defendem que a Fitch ignorou o impacto de medidas de estímulo à economia incluídas no Orçamento para 2016.
O porta-voz do PS acusa a agência de ter comparado "alhos com bugalhos" para concluir sobre o otimismo das previsões de crescimento do Governo.
Centeno promete contenção histórica
A agência de notação financeira Fitch argumentava na terça-feira que não era clara a forma como o Executivo pretenderia conciliar o objetivo de moderar a consolidação fiscal com a promessa eleitoral de reverter as medidas de austeridade.
Pela hora em que a Fitch tornava públicas estas dúvidas, o ministro das Finanças acabava de dar conta da sua estratégia numa intervenção na Faculdade de Direito de Lisboa.
Mário Centeno renovou o compromisso de procurar o equilíbrio entre uma “gestão orçamental responsável”, com “a maior contenção da despesa pública dos últimos anos”, e a “redução da carga fiscal”.
Marina Conceição, Hugo Antunes, Miguel Teixeira - RTP
No que ao défice diz respeito, Centeno salienta que a meta do Executivo socialista – 2,6 por cento do produto interno bruto – tem “subjacente uma redução mais acentuada da despesa em rácio do PIB, mas também das receitas”. A primeira com uma quebra de 1,3 por cento e as segundas a caírem nove décimas.
É, segundo o ministro, “um significativo esforço de contenção da despesa pública, o maior dos últimos anos, mas sem impacto nas remunerações dos trabalhadores”.
Em relação às dúvidas quanto ao crescimento da procura externa, Centeno não desarmou e mostrou-se convicto de que haverá um contributo de monta da procura externa. Isto apesar das diferentes velocidades dos mercados mais relevantes para as trocas portuguesas.
Pressão à esquerda
Na semana passada era conhecida a lista de 18 exigências que a troika traz na bagagem para esta terceira avaliação pós-programa, num documento a que o Diário de Notícias teve acesso. Exigências que têm por base problemas que, de acordo com os técnicos, estrangulam o investimento empresarial em Portugal.
Nesse “caderno de encargos” pode ler-se que “continua a ser difícil despedir trabalhadores, a formação de salários mantém-se centralizada devido à contratação coletiva, a burocracia dos licenciamentos comerciais é labiríntica, as qualificações das pessoas desadequadas, os impostos privilegiam o recurso à dívida em detrimento do capital em forma de ações, as regras vigentes no setor portuário e na grande distribuição e retalho barram a entrada de novos concorrentes”.
Entre os problemas, a troika fala da burocracia que prejudica os regimes de licenciamento, a atuação das autarquias, falta de estabilidade do quadro fiscal, défice excessivo, dívida pública e das “regras restritivas que podem travar investimentos”. É entre vários “fogos” que o Governo socialista terá de se mover durante esta semana de avaliação da troika.
Ora, é neste ponto sobre a legislação laboral que a esquerda que apoia o governo socialista traçou limites. O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, afirmou à agência Lusa que poderá haver dificuldades se o Executivo de António Costa ceder às exigências dos credores.
“Ninguém entenderá que o Governo ceda em questões fundamentais”, protegidas pela Constituição portuguesa, argumentou Jerónimo de Sousa na semana passada, à margem de uma arruada na campanha eleitoral. O líder dos comunistas admitiu que “se existir uma destruição desses conteúdos de posição conjunta [firmado entre PCP e PS] naturalmente teremos um problema”.
O Programa de Assistência Económica e Financeira foi concluído em maio de 2014, mas, de acordo com as regras europeias, o país permanece sob vigilância até que pague pelo menos 75 por cento do montante recebido. A avaliação acontece semestralmente.