O Governo autorizou a ex-presidente executiva da TAP a manter cargos em outras duas empresas. A exceção do dever de exclusividade consta do contrato assinado com Christine Ourmières-Widener, que foi validado pelos ministros das Infraestruturas e das Finanças.
No processo de indeminização apresentado pela gestora, depois de ter sido despedida, a TAP alega que Christine Ourmières-Widener estava obrigada à exclusividade. No entanto, a acumulação de cargos foi autorizada pelo titular da pasta das Infraestruturas e pelo ministro das Finanças, que era na altura João Leão. “A CEO garante que na altura da sua nomeação não ocupava cargos em comissões executivas ou consultoras, à exceção da ZerAvia e da Met Office, garantido que, no futuro, o trabalho de consultoria não representa um potencial conflito de interesses com as responsabilidades”, avança o Jornal de Negócios, que teve acesso ao contrato assinado entre as duas partes.
No entanto, Christine Ourmières-Widener terá omitido um terceiro cargo de fundadora, acionista e administradora na empresa O&W Partners, uma consultora de viagens e aviação com sede em Londres, que tinha fundado em dezembro de 2019 com o marido. Uma informação que consta na página de Linkedin da ex-presidente executiva da TAP, e que manteve enquanto trabalhava na companhia aérea.
Christine Ourmières-Widener foi exonerada por justa causa, em abril de 2023, no seguimento da polémica indemnização de 500 mil euros à antiga administradora Alexandra Reis, que levou à demissão do então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e do seu secretário de Estado Hugo Mendes, e à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito à gestão da companhia aérea.
Na ação interposta em setembro, a ex-presidente da comissão executiva exige uma indemnização de 5,9 milhões de euros, mas a contestação da TAP realça que, mesmo que Christine Ourmières-Widener tivesse sido despedida sem justa causa, só poderia receber, no máximo, uma indemnização no montante de 432 mil euros, uma vez que o Estatuto do Gestor Público, a que estava sujeita, apenas permite uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses. A ex-CEO tinha uma remuneração base anual de 504 mil euros.A acusação da TAP
A TAP acusou a ex-presidente executiva Christine Ourmières-Widener, de violar o regime de exclusividade a que estava obrigada na companhia aérea, por ter acumulado vários cargos noutras empresas, sem informar ou obter autorização.
Segundo a contestação da TAP à ação movida por Christine Ourmières-Widener, para contestar o despedimento, a que a Lusa teve acesso na passada terça-feira, a companhia aérea alega que a ex-presidente-executiva (CEO) “manteve, durante todo o período em que exerceu funções enquanto CEO das RÉS [TAP S.A. e TAP SGPS], um cargo de administradora que nunca revelou ou que mereceu o assentimento de qualquer dos seus acionistas ou de qualquer representante do Governo”.
Segundo o documento submetido pela defesa da TAP no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a ex-CEO “é, desde 20 de dezembro de 2019, fundadora, acionista e administradora da empresa O&W Partners tendo só agora a companhia tomado conhecimento desta informação que Oumières-Widener “havia sonegado”.
Adicionalmente, o documento aponta ainda que a ex-CEO acumulou o cargo de administradora na ZeroAvia, empresa que está a desenvolver um sistema de propulsão a hidrogénio para a aviação, desde fevereiro de 2021 até ao momento, e também de administradora não executiva no MetOffice, instituto governamental do Reino Unido, entre fevereiro de 2021 e maio de 2023.
Neste último caso, Christine Ourmières-Widener teve uma remuneração anual de 15 mil euros.
“O exercício de qualquer um dos cargos mencionados supra viola manifestamente o regime de exclusividade que se aplicava à Autora [Christine OUrmières-Widener] enquanto CEO das RÉS, não se enquadrando, minimamente, em qualquer uma das exceções permitidas por lei”, refere a defesa da TAP.
Os advogados da companhia aérea alegam mesmo que, “independentemente das razões que levaram à destituição da Autora, esta sempre deveria ser destituída, com justa causa, por violação do regime de exclusividade aplicável aos gestores públicos com funções executivas”.
Conflito de interesses com empresa ligada ao marido
Os advogados da TAP acusam ainda a ex-presidente executiva de permitir uma situação de conflito de interesses com a empresa que contratou o marido e tentou prestar serviços à companhia aérea, causando “graves riscos reputacionais” à transportadora.
Segundo a contestação da defesa à ação judicial, o marido da ex-CEO, Floyd Murray Widener, foi contratado para a empresa israelita Zamna três meses depois de Christine Ourmières-Widener ter assumido funções na TAP.
Os advogados apontam que o marido da gestora foi contratado para o cargo de diretor de desenvolvimento comercial, apesar da formação na área da literatura e experiência profissional na área das telecomunicações e aluguer de espaços para eventos.
Segundo o documento, um mês após assumir o cargo, Floyd Widener “já estava na TAP a fazer apresentações do produto para o vender” à companhia aérea, sendo que a sua passagem pela Zamna coincide praticamente com o mesmo período de tempo em que a gestora exerceu funções na transportadora aérea.
“Pode ser coincidência que um mês depois de ser contratado o marido da Autora [ex-CEO] já estar na TAP a fazer apresentações de produtos e, pouco depois, a implementar um projeto piloto, à revelia do Conselho de Administração. Mas tudo isto levanta a legítima suspeita de que o marido da Autora fora contratado pelo facto de a Autora ser CEO da TAP”, apontam os advogados, levantando a suspeita da eventual prática de “tráfico de influência, de oferta indevida de vantagem ou mesmo de corrupção”.
A defesa acrescenta que, mesmo que não se verifique a existência de crimes, a mera permissão de Christine Ourmières-Widener à situação de “manifesto conflito de interesses” é “inadmissível”, acusando ainda a gestora de colocar em causa a reputação da TAP.
A contratação da empresa representada pelo marido da ex-CEO só não avançou, alega a defesa, devido à intervenção da então administradora Alexandra Reis.
c/ Lusa