Sindicato dos motoristas mantém greve e estranha ação do Ministério Público

por RTP
António Antunes - RTP

O Ministério Público pediu a dissolução do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, numa ação que deu entrada este mês junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa. O sindicato recebeu esta notícia com “surpresa” e garante que vai manter a greve marcada para setembro. Por outro lado, os patrões alertam para o risco da dissolução efetiva do sindicato e pede que a paralisação seja cancelada. Mas o Governo já veio garantir que se mantêm a "personalidade e capacidade jurídica" da associação até que haja uma decisão judicial que decrete a sua extinção.

O sindicato dos motoristas de matérias perigosas não desmobiliza mesmo perante a possibilidade de dissolução. De acordo com a nota publicada no site da comarca de Lisboa, o Ministério Público do Juízo do Trabalho de Lisboa "instaurou uma ação declarativa de Extinção de Associação Sindical contra o SNMMP - Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas".

Após a análise do processo de constituição e dos estatutos do SNMMP, o Ministério Público concluiu que há "desconformidades com preceitos legais de carácter imperativo, designadamente a participação na assembleia constituinte de pelo menos uma pessoa que não é trabalhador por conta de outrem, no âmbito profissional indicado nos estatutos".

No comunicado não é mencionado nenhum nome em concreto, mas o advogado Pedro Pardal Henriques, que foi vice-presidente e porta-voz do sindicato, foi o rosto e a voz do sindicato até há cerca de uma semana, altura em que anunciou que seria candidato às eleições legislativas pelo partido de Marinho e Pinto (PDR).

Ao final da tarde, Pedro Pardal Henriques reagiu com "surpresa" à ação do Ministério Público. Como assessor jurídico daquele sindicato, o advogado estranha a decisão, destacando que a criação do mesmo "teve o aval do Ministério Público e dos juristas da DGERT (Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho)".


“Não se fecham empresas, não se fecham sindicatos ou associações só porque sim, só porque alguém está incomodado”, disse o responsável em declarações à RTP.

Pardal Henriques reconhece que é o único elemento do sindicato que não exerce atividade no setor, mas que já o era “quando o Ministério Público autorizou a criação do sindicato”.

O advogado reconhece que esteve presente na assembleia que ditou a criação deste sindicato. “Acompanhe este sindicato desde a sua origem”, esclarece.

“A criação do sindicato teve o aval do Ministério Público e dos juristas da DGERT”, assinala Pardal Henriques, considerando que é “estranho que se levante esta questão” a dias de uma nova greve.
"Acabar com o direito à greve"

Francisco São Bento, presidente do SNMMP, assegura que a greve se vai manter apesar desta ação e que nem equaciona o que poderá ser feito em caso de dissolução do sindicato.

“Não vejo motivos para que o sindicato seja extinto. (…) Se existir alguma irregularidade, essa irregularidade será regularizada”, asseverou em declarações à RTP.

Em comunicado enviado às redações, o SNMMP considera este episódio “insólito”, uma vez que o sindicato “nunca foi notificado de qualquer irregularidade nos seus estatutos”.

“Na nossa opinião, qualquer irregularidade seria sempre sanável, nunca estando em causa a extinção do SNMMP. Pensamos que, ou deverá existir algum equívoco por parte de quem emitiu esta notícia ou a difusão da mesma teve o intuito de fazer silenciar quem tenta lutar pelos trabalhadores”, assinala o sindicato liderado por Francisco São Bento.

“A decisão do Ministério, em nossa opinião, coloca em causa o Estado de Direito, violando um dos pilares da nossa democracia que é o da separação de poderes, nomeadamente entre o poder executivo e o poder judicial”, pode ler-se ainda no comunicado.

O sindicato diz que esta é mais uma tentativa de “acabar com o direito à greve”, mas garante que os associados vão manter-se unidos contra o que designa de “terrorismo sindical”.
ANTRAM apela à desconvocação da greve
De acordo com a agência Lusa, que cita fontes judiciais, a referida ação deu entrada este mês no Tribunal do Trabalho em Lisboa, durante o período de férias judiciais. Por isso, só no início de setembro é que o processo chegará às mãos do juiz a quem foi distribuído.

Por essa razão, o SNMMP ainda não foi "citado" para se pronunciar sobre esta ação.

No portal do Citius, é possível verificar que a Petição Inicial tem como "autor" o Ministério Público e como "réu" o SNMMP. O processo está classificado como "Impugnação Estatutos/Delib. Assembleias/Atos Eleitorais".

A ação deu entrada no Juízo de Trabalho de Lisboa a 9 de agosto, tendo sido distribuída ao Juiz 3 no dia seguinte, ou seja, ainda antes da greve que se iniciou a 12 de agosto.

O Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas entregou, entretanto, um novo pré-aviso de greve, entre 7 e 22 de setembro, desta vez ao trabalho extraordinário e aos fins de semana.

Perante esta ação do Ministério Público, a Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias considera que essa greve deve ser “imediatamente desconvocada” por precaução, “até que estejam esclarecidas as sombras que pairam sobre este sindicato”.


André Matias de Almeida, em representação da ANTRAM, assinala o risco existente para os trabalhadores “caso seja declarada a dissolução deste sindicato ou a sua ilegalidade”.

Sobre a ação do Ministério Público, André Matias de Almeida diz que essa é uma matéria “que não compete à ANTRAM avaliar” e que o MP “cumprirá a sua função”.

“Está no âmbito do Ministério Público poder pedir a dissolução deste sindicato ou de outra entidade que não cumpra os estatutos ou que viole a lei”, assinala, em declarações à RTP.

André Matias de Almeida pede ainda o regresso às negociações com o sindicato, sem que a greve anunciada esteja em cima da mesa, mas também sem condições pré-definidas, destacando que o sindicato “devia aceitar a mediação” que o próprio sugeriu.
Sindicato mantém poderes, diz o Governo

Ao início da noite, o Governo veio esclarecer que o sindicato em causa continua a ter personalidade e capacidade jurídica enquanto não houver uma decisão judicial a decretar a sua extinção.

De acordo com fonte oficial do Ministério do Trabalho, citada pela agência Lusa, a associação continua dentro da normalidade "enquanto não for proferida decisão judicial transitada em julgado e o cancelamento do seu registo não for publicado no BTE (Boletim de Trabalho e Emprego)".

A mesma fonte acrescenta que, na sequência desta iniciativa, cabe agora ao Ministério Público "a promoção da declaração judicial de extinção da associação sindical ou empresarial caso entenda que a sua constituição ou os seus estatutos são desconformes com a lei".

"Só uma decisão judicial transitada em julgado pode, a partir do momento da publicação em Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) dos estatutos de associações empresariais e sindicais, decretar a extinção de uma associação empresarial ou sindicato", refere ainda o Ministério do Trabalho.

No campo político, o Bloco de Esquerda reagiu em comunicado do Secretariado Nacional, onde manifesta “preocupação com o processo hoje iniciado com vista à extinção" do sindicato.

"O processo hoje anunciado e a sua oportunidade têm uma coincidência perversa com um pré-aviso de greve que não se pode ser ignorada", pode ler-se no comunicado enviado às redações.

"Independentemente da verificação por parte da DGERT ou de outras autoridades de irregularidades ou de vícios legais que existam nos atos de constituição deste como de outros sindicatos, o que não pode acontecer é, à boleia deste caso e depois de ter esvaziado o direito à greve com a generalização de serviços máximos e com a banalização da requisição civil, pretender-se agora cavalgar algum aspeto irregular para comprimir as liberdades sindicais", assinala ainda o partido.

O BE destaca também que "o direito à greve e a liberdade sindical são pilares do nosso regime democrático, cuja erosão significa um desgaste da própria democracia".
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