"Segunda vaga de pobreza". OCDE prevê quebra de 700 milhões de euros na ajuda ao desenvolvimento
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) considera que a pandemia está a colocar em risco as ajudas ao desenvolvimento. Num estudo publicado esta sexta-feira, a organização estima que a ajuda aos países mais pobres possa cair 700 milhões de euros, considerando que "não escaparão a uma segunda vaga de pobreza".
Antes da crise do COVID-19, a situação já era “igualmente sombria”. Os níveis das receitas para as economias em desenvolvimento já eram considerados insuficientes para apoiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No entanto, o atual contexto global irá representar uma quebra ainda maior no financiamento às economias em desenvolvimento.
Desta forma, a OCDE estima que a ajuda financeira aos países em desenvolvimento sofra uma quebra “sem precedentes” de 700 milhões de euros este ano, um valor 60 por cento superior ao sucedido após a crise financeira de 2008/2009.
“Com altos níveis de dívida pública e pressões adicionais induzidas pela pandemia em todas as principais fontes de financiamento ao desenvolvimento, os países de baixo e médio rendimento podem ter dificuldades para financiar as suas respostas de saúde pública, sociais e económicas à Covid-19”, lê-se no estudo.
A OCDE pressupõe, assim, que a pandemia “poderá conduzir as economias em desenvolvimento a grandes dificuldades financeiras”.
“A crise não apenas exige grandes financiamentos para amortecer as consequências negativas na saúde, sociais e económicas, como também provavelmente aumentará o défice de financiamento dos ODS nos próximos anos, quando o progresso anterior para alcançar o desenvolvimento sustentável for revertido e o financiamento disponível diminuir”, acrescenta a investigação da OCDE.
“Segunda vaga de pobreza”
O estudo da OCDE revela que a receita média de impostos em relação ao PIB tinha caída 5,8 por cento entre 2007 e 2010 e calcula que “as receitas públicas domésticas poderão ser atingidas mais fortemente como consequência da crise da Covid-19, devido ao efeito combinado de vários mecanismos”. Antena 1
Para além disso, a organização salienta ainda que o financiamento privado externo está a cair em consequência da turbulência económica global.
“A crise financeira global de 2008 mostrou que o financiamento externo a países de baixa e média renda é vulnerável a choques”, lê-se no estudo. “As evidências atuais sugerem um impacto maior e mais imediato da crise da Covid-19. Embora os países sintam esse impacto de maneira diferente, espera-se que todos experimentem quedas no financiamento”, acrescenta. As projeções da OCDE indicam que, mesmo no cenário mais otimista, o investimento direto estrangeiro (IDE) registará uma quebra de, pelo menos, 30 por cento, “com os fluxos para as economias em desenvolvimento provavelmente a cair de forma mais drástica”.
O estudo sublinha ainda que “com o aumento das necessidades de gastos e a diminuição da receita, é provável que a dívida pública aumente ainda mais e consideravelmente em muitos países”. “O risco de sobre-endividamento é particularmente acentuado nos países mais frágeis”, salienta a organização.
“Mesmo que não venha a ocorrer uma segunda vaga pandémica, é certo que os países em vias de desenvolvimento não escaparão a uma nova vaga de pobreza”, afirma Jorge Moreira da Silva, diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE, em comunicado.
Jorge da Silva considera que “os países doadores, nomeadamente aqueles que fazem parte da OCDE, têm a obrigação, apesar das dificuldades que hoje enfrentam, de reforçar o apoio financeiro aos países mais frágeis, seja na fase imediata de crise sanitária, como na fase de recuperação económica”.
Quais as estratégias de recuperação?
“Os recursos já escassos, aliados ao possível impacto da crise da Covid-19, implicam que as economias em desenvolvimento possam ter dificuldades para financiar respostas adequadas de saúde pública, sociais e económicas”, escreve a OCDE, considerando que, “a curto prazo, o financiamento oficial ao desenvolvimento desempenhará um importante papel anti-cíclico”.
No entanto, para além de essa ajuda ao desenvolvimento precisar de ser aperfeiçoada, a organização mundial considera que “será crucial não confiar apenas no financiamento oficial para fornecer alívio”.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que as economias emergentes exigirão, pelo menos, 2,5 biliões de dólares em financiamento, com reservar e recursos domésticos insuficientes para atender a essas necessidades. “Nenhuma fonte única de financiamento será suficiente para colmatar essa lacuna de financiamento provocada pela Covid-19”, alerta a OCDE.
Serão necessárias “respostas políticas coordenadas para “parar o sangramento” e evitar um colapso do financiamento para o desenvolvimento”, explica o estudo. A OCDE enumera, assim, complementos que considera necessários às ajudas ao desenvolvimento, como uma série de políticas tributárias e medidas de administração para apoiar as repostas governamentais “para manter a liquidez das famílias e proteger o emprego”.
A organização salienta ainda medidas de assistência social e considera que a política de investimento será “uma ferramenta importante para amortecer o impacto da crise nos fluxos externos de investimento privado”. “Os dadores filantropos também precisam de participar”, apela a OCDE, argumentando que “estão fortemente representados no setor da saúde nas economias em desenvolvimento”.
“Retomar da melhor forma”
Já a pensar a médio prazo, a OCDE considera que a estratégia a adotar consiste numa melhor recuperação para a população e o planeta.
“Quando a pandemia terminar, será fundamental aplicar as lições retiradas da crise da Covid-19 nos desafios globais futuros”, lê-se no estudo, acrescentando que a pandemia “ameaça apagar um progresso significativo em direção à erradicação da pobreza e ao desenvolvimento sustentável e, assim, ampliar ainda mais o fosso entre economias desenvolvidas e em desenvolvimento na sua resiliência a crises”.
“Os atores do financiamento ao desenvolvimento precisam de colaborar estreitamente para “reconstruir melhor” um mundo mais equitativo, sustentável e, portanto, resiliente”, considera a OCDE.
“Com biliões de dólares a serem mobilizados para a recuperação pós-Covid-19, devemos aproveitar a oportunidade para aumentar a resiliência à crise e colocar coletivamente as pessoas e o planeta no centro dos objetivos. Não devemos voltar aos “negócios como de costume”, mas devemos retomar da melhor forma”, conclui o estudo.